Artigo – As duas peras

  • 27 de fevereiro de 2020
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Em verdade, foram duas “peras” que marcaram minha infância-pré-adolescência. A primeira foi a fruta propriamente dita, portanto, pera, que era um produto pouco consumido por nós devido as limitações e restrições orçamentárias da família. Normalmente, consumíamos laranja e banana, mas com o rigor no consumo capitaneado pelos nossos pais, comi, pela primeira vez essa fruta, como um monge.

A segunda pera, numa redução vernacular irregular regionalizada, foi a primeira piraputanga fisgada, não por mim ou meu mano velho, mas, sim, pelo nosso finado Velho Zagueiro.

Estávamos meu irmão e eu pescando no rio Coxipó, nas instalações do saudoso Sayonara, enquanto nosso pai jogava bola. Durante o intervalo da pelada domingueira, e num termo que nosso pai dizia, “brota” ele na beira do rio onde pescávamos, aliás, tentávamos pegar alguma coisa. Ele perguntou se havíamos pego algum peixe, respondemos que não. Ele disse, espera aí, dá-me essa vara (de bambu) que eu vou mostrar para vocês como pegar uma “pera”.

Não deu outra. Ele ajeitou a isca de carne no anzol, seguido de uma pequena chumbada, arrumou a linhada ao chão e arremessou pra pouco mais que a metade do rio. Poucos minutos depois, lá estava ele ferrando uma “pera lenhera”, uma papoula bem baitela. Ficou todo “posudo” contando a façanha, ali mesmo, à beira do rio.

Depois que ele voltou ao futebol, meu irmão e eu ficamos algumas horas tentando, e nada. Passamos para o lambari e pequenas piabas, mas foi o suficiente para iniciarmos nossa “carreira” de pescador amador até os dias atuais. Tivemos que nos contentar com a “pera” deliciosa feita pela nossa mãe, e ele, nosso pai, não parava de repetir o feito ocorrido.

Aliás, repetir e insistir em fazer as coisas corretas era com ele mesmo. Nos disciplinou em tudo: comer, banhar, lazer, estudar, até mesmo, em como tirar pasta dental do tubo para não desperdiçar.

Toda essa pequena historiazinha para dizer da importância da disciplina e rigor no consumo, além da persistência e perseverança naquilo que se faz, e como dizia minha mãe, naquela época, faça bem feito, porque nessa vida tudo tem um fim.

Disciplina no ato de consumir e agir importa para o rendimento da renda (nossos salários, basicamente), que, por sua vez, proporciona a poupança.

Poupança é resultado da diferença entre renda menos consumo. Logo, em arranjo matemático básico, que é o meu limite, renda é consumo mais poupança.

Percebam que poupança é, também, o consumo adiado ou o consumo futuro, entretanto, não é econômico fazer da poupança apenas como um resíduo da nossa renda; pelo contrário, ela há de ser um componente do nosso orçamento doméstico.

Importante lembrar que estou referindo à poupança no seu sentido “lato”, isto é, devido as várias formas de aplicações financeiras, qualquer uma delas que você optar já é uma poupança, além, obviamente, da poupança tradicional.

Portanto, o autointeresse e a autodeterminação nas ações dos indivíduos proporcionam uma rede invisível de cooperação coletiva que termina por beneficiar a todos, modernizando aqui os ensinamentos clássicos de Adam Smith.

Por fim, entre a pera fruta e a pera peixe, minha preferência, como um bom cuiabano, é pelo peixe – que, aliás, precisamos somar esforços para preservá-lo, eliminando toda e qualquer forma de pesca predatória, e numa sugestão ao Professor Chico Peixe, eu diria a ele para que propusesse/estabelecesse, aos órgãos competentes, o período de piracema flexível, i.é., data de início fixa, como é normalmente, mas, a data para seu encerramento poderia ser flexível, em conformidade com os índices pluviométricos e níveis de águas nos nossos rios, facilitando, dessa maneira, um ciclo de desova completo para todos os peixes, o que, certamente, preservará nosso consumo presente e futuro.


Ernani Lúcio Pinto de Souza, 57, cuiabano, economista da UFMT, ms. em planejamento do desenvolvimento pela ANPEC/NAEA/UFPA. Foi vice-presidente do CORECON-MT.(elpz@uol.com.br)    

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