Artigo – Fiado insustentável

  • 3 de maio de 2016
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É antiga a prática da compra a crédito, conhecida popularmente como fiado, quando o freguês chega ao armazém (quitanda, bolicho, venda, etc.) e pede uma lista de mercadorias ao dono do estabelecimento que anota a despesa em uma caderneta que fica sob sua posse ou dele(a).

Lembro que algumas vezes minha mãe me pedia para ir comprar fiado no armazém do Seo Zé Pinto, mas, logo no início da conversa, ele queria saber onde eu morava, filho de quem, quem mandou ir lá, etc.

Era um tipo de cadastro, tão amolante nos dias atuais, porém, passada a ficha, o fiado (o crédito) estava aberto.

E a ciumeira que compras assim geravam na concorrência, nas pessoas dos comerciantes Dona Marildinha, Seo Jeová e Seo Néco Baiano (finado), pois, estes tinham seus estabelecimentos na Av. XV de Novembro, enquanto Seo Zé Pinto era ao  final da 13 de Junho, sentido Centro-Porto.

Fato é, que esse endividamento clássico era proporcionado pela confiança recíproca entre freguês e comerciante, e confiança é tudo, quando quebrada, dificilmente se recupera.

O tempo bom que há de voltar!

Portanto, tanto  famílias, empresas, governos e o resto do mundo no âmbito das relações internacionais compram fiado e adquirem dívidas para financiarem suas despesas diárias e seus projetos de consumo de longo prazo e de maior durabilidade, tais como: moradia própria, geladeira, freezer, computadores, motos, automóveis, estradas, hospitais, escolas, terras, máquinas, insumos, equipamentos, etc.

Todavia, além da confiança, a comprovação da capacidade de endividamento e pagamento dos agentes (freguês) é fundamental nas relações comerciais de compra e venda e na busca por financiamento e empréstimo.

Óbvio é, que você não vai se endividar acima dos seus rendimentos, observando, sempre, seu limite e capacidade de endividamento, seja do seu fiado na “venda”, do cheque especial ou do seu crédito com o dinheiro de plástico (cartão de crédito); caso contrário, você termina afundando-se no fiado insustentável.

Entretanto, por quê será que o atual governo entrou em uma dívida em 2004 de 1 trilhão e 105 bilhões de reais para o valor de 2 trilhões 793 bilhões de reais até dezembro de 2015, que representa 65% do PIB brasileiro?

Antes da resposta ao leitor, didático e prudente dizer, que o endividamento não é um mal em si para o gestor público, desde que os empréstimos pleiteados e realizados tenha como fim o financiamento do investimento público ou para despesas emergenciais e extraordinárias, jamais, para financiar despesas correntes em geral, pois, estas hão de ser financiadas pelos tributos em vigência arrecadados, assim como nossos fiados que são financiados pelos nossos salários e/ou renda familiar.

Portanto, financiar uma parcela elevada e crescente do consumo público (custeio e gastos correntes) com dívidas sujeitas ao pagamento de juros, significa a destruição da riqueza pública, tendo em vista que a lógica dos juros compostos torna-se insustentável no longo prazo para governos populistas e gastadores ineficientes.

Nesse sentido, a institucionalização da responsabilidade monetária e fiscal, isto é, câmbio flutuante, metas de inflação, renegociação de dívidas estaduais e municipais, e a Lei de responsabilidade Fiscal, foram ações importantes para a condução da gestão pública em geral.

Infelizmente, o atual governo, em nome do social, da igualdade e do pobre (desigualdade que há de ser combatida, porém, como? Observando a relação lucros/salários? Analisando a estrutura produtiva nacional? Avaliando as condições das infra-estruturas básica e institucional? Ou ainda, o Estado brasileiro é concentrador de renda? Hipóteses relevantes a serem pesquisadas e estudadas, penso eu. ), exagerou no número de ministérios, na falta de qualidade na fiscalização da execução de obras públicas, no patrulhamento como projeto de poder (que consome recursos), em suma, tornou seus gastos exagerados e insustentáveis.

Governos em tempos de lufada hão de ser parcimoniosos, enquanto que durante a piracema hão de gastar eficientemente, por isso, o velho Keynes era cauteloso com o déficit público, mesmo em momentos de crise.

Dinheiro é como ovo de galinha, não conte com ele enquanto não tiver certeza do que fazer com ele e como consegui-lo.

Tenho repetido regularmente que foi uma pena o PT não apoiar as reformas que o PSDB solicitava àquela época recente.

Para quem tem dúvida a respeito, basta observar as propostas de reformas desde o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy visando reequilibrar um fiado escandalosamente insustentável.

E é só.

Ernani Lúcio Pinto de Souza – economista do Niepe/Fe/Ufmt, ms. em planejamento do desenvolvimento pela Anpec/Naea/Ufpa e conselheiro do Codir/Fiemt pelo Corecon-Mt (elpsouza@ufmt.br).

 

 

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