Artigo – Pobreza e extrema pobreza rural em tempos de Covid-19
Por Frednan Santos – Economista, Especialista e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico (UFMA), atual presidente do Conselho Regional de Economia do Maranhão (Corecon-MA), em terceiro mandato.
Em artigo recente destaquei a necessidade de políticas de apoio às pequenas empresas, de obras públicas de infraestrutura, em especial saneamento básico, e enfatizei os possíveis impactos positivos de políticas de segurança alimentar e nutricional com enfoque produtivo.
No atual cenário de interiorização da Covid-19 em todo o Brasil temos grandes desafios por conta da concentração dos serviços de saúde nas capitais e regiões metropolitanas. Mas, nas regiões Norte e Nordeste a emergência sanitária se soma de maneira dramática à extrema pobreza e às carências de serviços públicos.
No estudo “Perfil da Pobreza: Norte e Nordeste Rurais” temos importantes dados sobre a pobreza e extrema pobreza e os impactos das políticas sociais nesses indicadores. No entanto, mais impressionante que a queda da pobreza no país na sua totalidade é a queda da pobreza entre os domicílios agrícolas. Em 2004 a extrema pobreza agrícola era quase três vezes a extrema pobreza geral e, em 2013, ambas as taxas praticamente se igualaram (SOARES, 2016).
Quase tão impressionante quanto o rápido declínio da pobreza nos domicílios agrícolas é a estabilidade das taxas de pobreza nos domicílios pluriativos. A taxa de extrema pobreza dos domicílios pluriativos praticamente não mudou nesse período.
Segundo relatório divulgado recentemente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), quase a metade da população da zona rural vive em situação de extrema pobreza na América Latina, muitas delas dedicadas à agricultura de subsistência.
Organizações multilaterais como a FAO, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) emitiram declaração conjunta orientando para que os países pautem suas ações em políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), através da garantia da produção e comercialização, garantindo assim a saúde e o bem-estar aos cidadãos.
Portanto, concordando com as recomendações dessas organizações e tendo em vista que qualquer política pública no atual contexto precisa da máxima agilidade e efetividade, destaco a necessidade de implementação e ou ampliação das políticas de SAN como estratégia central para garantir a manutenção ou reativação das cadeias curtas, fundamentais para o desenvolvimento local.
A agricultura familiar é a base da economia local de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, sendo encarregada pela renda de 40% da população economicamente ativa do país. Sendo que no Brasil, há 10,1 milhões de pessoas ocupadas na agricultura familiar (67% de todo pessoal ocupado na agropecuária), o que representa 77% dos estabelecimentos rurais, ocupando 23% da área total e sendo responsável por 23% do valor da produção (R$ 107 bilhões). (IBGE, 2017).
Os dados do Censo Agropecuário para o Brasil apontam a elevação da área total em 5% e do número de tratores em 50% no período compreendido entre os anos de 2006 e 2017, enquanto observamos a redução de 9% no pessoal ocupado.
No Maranhão, estado com o maior percentual de habitantes na zona rural, em que pese a classificação política que referencia a definição de rural e urbano, em termos de distribuição espacial da sua população temos um elevado índice de população vivendo no campo, além da menor taxa de urbanização do Nordeste e uma das menores do país, 58,9%, sendo inferior à média regional (73,1%) e à nacional (84,3%). (BNB, 2015).
O pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários, segundo os dados dos Censos Agropecuários do IBGE, sofreu relevantes alterações entre os anos de 2006 e 2017, sendo que houve uma queda em 30% no contingente de ocupados, passando de 991,6 mil para 692,9 mil. Mas o que chama atenção é que a chamada agricultura patronal, não familiar, apesar de ser intensiva em capital, ampliou em 8,9% seu contingente de ocupações, enquanto a agricultura familiar sofreu forte retração, perdendo 36% de suas ocupações.
O crescimento da extrema pobreza no Maranhão está fortemente relacionado à redução de ocupações, à falta de canais de comercialização, baixa produtividade, e não difere em essência ao observado no Nordeste, onde questões climáticas e a migração campo cidade são vetores da redução de ocupações.
A diminuição da ocupação rural também é reflexo das mudanças ocorridas no campo, que se caracterizam, entre outros aspectos, pela contínua especialização e mecanização do processo agrícola, com a consequente redução do número de postos de trabalho e concentração da renda.
Nesse contexto de agravamento da pobreza, a crise da pandemia do coronavírus exige uma estratégia de grande alcance e impacto sobre a pobreza rural. Os resultados das políticas adotadas nas últimas décadas nos permitem evitar erros do passado e potencializar os acertos.
Diferente dos avanços conquistados nas políticas de assistência social, saúde e educação, as políticas agrícolas não conseguiram alcançar uma estruturação que chegasse à municipalização. Assim, carecem de estruturação e de um sistema organizacional a nível municipal, o que é um grande desafio!
REFERÊNCIAS:
BEZERRA, F. J. A. [et al.], (org.). Perfil socioeconômico do Maranhão. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil – BNB, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censos Agropecuários, vários anos. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em 25 de fevereiro de 2020.
____________. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, vários anos. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em 25 de fevereiro de 2020.
SOARES, S. [et al.]. Perfil da pobreza: Norte e Nordeste rurais. Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), 2016.