Artigo – Imposto global sobre a moeda

Por Paulo Dantas da Costa – Economista, conselheiro e ex-presidente do Cofecon. Artigo originalmente publicado na revista Carta Capital, edição de 14 de outubro de 2020.

Em meados de junho, a imprensainternacional noticiou que os economistas Joseph Stiglitz, Thomas Piketty, José Antonio Ocampo e a economista Jayati Ghosh haviam apresentado proposta para uma reforma tributária global, a ser conduzida pela ONU, na busca de alternativas para enfrentamento das consequências da atual pandemia.

Os renomados economistas defendem que a redução na arrecadação dos governos nacionais em decorrência da pandemia seja suprida por meio da aplicação de um tributo mundial a incidir sobre as empresas multinacionais, sobre os gigantes digitais e sobre os bilionários. Ao tempo em que falam num registro internacional de ativos, defendem a tributação sobre o patrimônio.

Piketty afirma que “não há uma solução única para a retomada global da economia no pós-pandemia”. O mesmo Piketty já havia proposto a criação de um imposto mundial a incidir progressivamente “sobre o valor líquido dos ativos controlados por cada pessoa”, na sua magnifica obra O capital no século XXI (Rio de Janeiro, Intrínseca, 2014, p.501/2).

O mundo necessita, sim, de uma reforma tributária. Entretanto, há que se ressaltar que a proposta aqui referida não é a mais adequada para tal fim, dado que tem a sua aplicabilidade potencialmente comprometida em razão de previsível baixa produtividade fiscal, face às evidentes dificuldades operacionais para arrecadação do projetado tributo em cada país. Além disso, a ideia não inova no sentido de que seja criado um tributo com fato gerador proveniente de incidências econômicas com características essencialmente internacionais. Ao contrário, a tributação sobre o patrimônio já é largamente utilizada internamente pelos estados nacionais, seja o imposto sobre a propriedade urbana, ou sobre a propriedade rural, ou até sobre fortunas, que é adotado em alguns países da Europa.

A destinação dos recursos que os quatro economistas indicam agora também não parece ser a mais indicada, restando a expectativa de que as dificuldades fiscais enfrentadas atualmente pelos Estados nacionais sejam resolvidas ao longo do tempo mediante a aplicação de soluções internas. O tema tributação internacional não é novo. Na União Europeia experiências já foram imaginadas, algumas até adotadas, entretanto, sem continuidade satisfatória dos projetos.

Dada a mais elevada importância do assunto, e sem desprezar a possibilidade do aproveitamento da proposta dos economistas noutras circunstâncias, o fato é que o mundo carece de iniciativas destinadas à solução de outros problemas bem mais graves que atingem a humanidade, desde sempre, a exemplo da pobreza e da fome, que são deformações sociais cujas soluções foram indicadas pelos dirigentes dos 193 Estados-membros da ONU, quando aprovaram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, em Nova York, setembro de 2015, composta de 17 objetivos, sendo que os objetivos 1 e 2 tratam, respectivamente, de “Acabar com a pobreza” e “Acabar com a fome”.

Na própria Agenda 2030 já constam indicadas as fontes de financiamento destinadas à execução dos 17 objetivos, pautadas na proposta do aporte de 0,7% do PIB das grandes nações e de 0,15 a 0,2% do PIB dos países em desenvolvimento, o que parece algo impraticável por depender, no final das contas, da generosidade dos dirigentes internacionais, que na atual conjuntura resulta inimaginável.

Diante disso, considerando as limitações aqui expostas, cabe outra promissora possibilidade da implantação de um tributo internacional com boa base de incidência (volume de negócios), com características essencialmente internacionais, ou seja, que o fato gerador a ele relacionado envolva agentes internacionais residentes ou estabelecidos em países diferentes, mesmo que eventuais operações sejam realizadas na mesmo praça. A hipótese que se encaixa nessa configuração é um tributo internacional sobre as transações cambiais, a ser arrecadada em âmbito global, com uma característica toda especial, a ser adotado completamente fora dos orçamentos nacionais, por se originar de uma ação essencialmente mundial e para fins mundiais, num ambiente de moderna governança internacional, que necessariamente terá de ser construída.

Os que estudam o tema, desde James Tobin, no começo dos anos 70, com a sua tax Tobin, já têm delineado o conjunto de elementos que configurariam um tributo sobre transações cambiais: hipótese de incidência, fato gerador, sujeito passivo, alíquota, base de cálculo, local da operação, o lançamento e a arrecadação, inclusive o sujeito ativo da potencial relação fisco/contribuinte, podendo ser a ONU, como proposto pelos economistas, tudo na dependência da pactuação de importantíssimo tratado envolvendo todos os países.

O tributo aqui referido incidiria sobre o expressivo fluxo financeiro que ocorre atualmente nos mercados globais de câmbio, ultrapassando os US$ 6,0 trilhões por dia, tendo chegado aos 6,6 trilhões/dia em abril de 2019 (dados coletados no Relatório do BIS sobre mercado internacional de moedas, dezembro/2019), cabendo um simples exercício a partir de um volume de transações dessa magnitude, sendo aplicada a alíquota de 0,1% (Tobin imaginava 1%), o que resultaria numa arrecadação diária de US$ 6,6 bilhões, ou US$ 1,650 trilhão anual (quase o valor do PIB brasileiro), em 250 dias úteis, a ser aplicado pelo sujeito ativo exclusivamente nas nações mais pobres do mundo em ações nas áreas da educação, saúde, habitação, saneamento e, principalmente, no combate à fome e à miséria.

Causa perplexidade as imagens às vezes exibidas da África faminta, ou mesmo de algumas regiões brasileiras, de pessoas em estado de miséria. É vergonhoso para todos nós, homens e mulheres do nosso tempo. O mundo, melhor, o sistema capitalista tem recursos em excesso, repita-se, em excesso, como aqui demonstrado, para solução dessas chagas, a fome e a miséria, sem causar nenhum abalo sistêmico.

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