Carta do SINCE 2016 sobre a conjuntura política e econômica do País
Diante do grave momento político vivido pelo País, os economistas brasileiros reunidos em Natal, no XXV Simpósio das Entidades de Economistas – SINCE, de 31 de agosto a 2 de setembro, dividem-se na sua avaliação sobre os aspectos políticos do processo de afastamento da Presidente da República, mas o Sistema Cofecon/Corecon’s, representativo dos 230 mil economistas do País, concentra suas atenções nos desdobramentos econômicos e sociais da mudança de governo.
O Brasil precisa retomar o quanto antes o crescimento econômico, mas não a qualquer preço, e sim preservando a inclusão social e avançando na distribuição social e espacial da renda.
Somos 206 milhões de habitantes, com contrastes sociais profundos e, não obstante alguns avanços na última década, com 30 milhões de pessoas saindo da pobreza, o fato é que mais de 35 milhões permanecem nessa condição.
A razão de tão avassaladora pobreza é a enorme concentração da renda e da riqueza em mãos de uma minoria, sendo que o 1% mais rico da população concentra cerca de 40% da riqueza regional, ao passo que os 50% mais pobres detêm cerca de 3%, segundo estudo da ONG OXFAM – Oxford Committee for Famine Relief.
Nesse contexto, o Brasil persiste como um dos países de maior desigualdade, mas aqui há uma cortina de fumaça que esconde um dos principais mecanismos de concentração da renda e da riqueza, que é nosso modelo tributário, altamente regressivo, economicamente irracional e socialmente injusto.
Há que se destacar a opção que a sociedade brasileira fez em 1988, inserindo na Constituição um sistema de seguridade social e de educação pública, que, naturalmente, demanda crescentes recursos. É este sistema que impede que mesmo com forte queda do PIB e do nível de emprego, não tenhamos hordas de flagelados, saques de supermercados e quebra-quebras nas periferias das metrópoles.
De 1988 a 2002, quando houve importante conquista da classe trabalhadora decorrente da estabilidade de preços obtida com o plano real, a carga tributária elevou-se de 26% para 33%. De 2002 a 2015 a carga tributária elevou-se em ritmo mais lento. Não há como atender as crescentes demandas sociais sem mexer em nosso arcaico modelo tributário, no qual 72% da arrecadação de tributos se dão sobre o consumo (56%) e sobre a renda do trabalho (16%), ficando a tributação sobre a renda do capital e a riqueza com apenas 28%, na contramão do restante do mundo. Na média dos países da OCDE, por exemplo, a tributação sobre a renda do capital representa 67% do total dos tributos arrecadados, restando apenas 33% sobre consumo e renda do trabalho.
Contudo, em lugar deste debate, direciona-se a discussão para uma suposta e inexistente gastança do setor público, em particular em relação às despesas com educação, saúde, previdência e assistência, responsabilizadas pelo aumento do déficit público, omitindo-se a razão maior, que são os gastos com juros da dívida pública (responsáveis por 80% do déficit nominal), as excessivas renúncias fiscais, o baixo nível de combate à sonegação fiscal, a exemplo da relativa às contribuições patronais ao INSS e das retenções dos empregados, que atingem 1,3 trilhão de reais, a frustração da receita e o elevado grau de corrupção que representou significativa sangria de recursos públicos.
Para buscar o reequilíbrio das contas públicas, propõe-se um conjunto de ações cujos efeitos negativos recairão sobre a população. A aprovação e ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para 30% e sua extensão para estados e municípios, atrelada a má utilização dos recursos públicos, ausência de fiscalização efetiva da correta aplicação destes recursos surge como real ameaça para o atendimento das demandas sociais. A PEC 241, que propõe o congelamento em valores reais das despesas, incluindo os recursos destinados à saúde e à educação, configura-se medida inadequada tendo em vista que o atual volume de recursos já é insuficiente para ofertar à população um serviço de melhor qualidade e que atenda de forma plena a demanda. Na área de saúde, por exemplo, temos uma população que envelhece rapidamente, demandando recursos crescentes, e estima-se que a medida, se implementada, reduziria em R$ 650 bilhões os recursos do setor nos próximos 20 anos, segundo o Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde.
Do mesmo modo, caminha-se para uma proposta de reforma previdenciária que pode representar injustiças, sobretudo com a população mais pobre, ao se buscar elevar a idade mínima para aposentadoria ao praticado em países com expectativa de vida bem superior à brasileira. Como sugerir que o trabalhador rural se aposente aos 65 anos se a expectativa de vida dessa população, no Norte-Nordeste, é de 63 anos?
A eventual proposta de reforma trabalhista pode representar insegurança para dezenas de milhões de trabalhadores. O projeto de lei da terceirização, por exemplo, reverterá o avanço conseguido nos últimos anos na formalização das relações de trabalho, trazendo ameaça de precarização dessas relações. Também a prevalência do negociado sobre o legislado ameaça conquistas trabalhistas de milhões de trabalhadores, especialmente daqueles integrantes de categorias profissionais pouco numerosas e, consequentemente, representadas por sindicatos com reduzida capacidade de mobilização e negociação. No campo da Política Macroeconômica, persistem os equívocos de governos anteriores de se combater a inflação com as políticas Monetária (juros elevados) e Cambial (câmbio apreciado), que impedem a retomada da trajetória de crescimento da economia.
Em suma, o País precisa retomar o crescimento econômico, mas preservando a inclusão social dos últimos anos e avançando na distribuição da renda. Experiência de crescimento do PIB, com exclusão social, tivemos no início da década de 1970, o famoso “Milagre Econômico” sob a ditadura militar, feito a partir da retirada de direitos, da repressão política e de uma brutal concentração da renda. Não é este, certamente, o desejo de nosso povo e tampouco deste Sistema.