Artigo: O PIB cresceu. E daí?

  • 6 de julho de 2021
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A crise sanitária-social-econômica e política brasileira se agrava. A despeito da “melhora” dos prognósticos apontando para o crescimento da economia brasileira, o quadro é dramático. Apesar de os resultados da atividade no primeiro trimestre terem apontado um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,2%, comparativamente ao trimestre imediatamente anterior, ainda estamos longe do caminho do desenvolvimento. Além do mais, há restrições para a dimensão, robustez e sustentabilidade do processo. como apontaremos a seguir.

Estatisticamente, no entanto, como houve expressiva retração de 4,1% no PIB do ano passado, a retomada gradual das atividades em curso gera um efeito “arrasto”, que praticamente garantirá um resultado positivo para 2021. Seria tergiversar sobre o problema apontar para uma possível melhora automática, como defende o discurso oficial e dos seus aliados. Pelo contrário, sob este ponto de vista, 2020 é mais um “ano que não terminou!” Muitas dos efeitos do ano passado permanecem, apesar da mudança do calendário gregoriano.

O primeiro fator-chave, determinante para uma efetiva recuperação econômica é a Pandemia Covid-19. Não apenas as novas variantes do vírus, o que, por si só, já representa uma questão fundamental, há o efeito do atraso e descaminhos do planejamento, execução e realização do programa de vacinação da população, inexistência de medidas preventivas como testagem em grande escala, correta comunicação e orientação quanto aos protocolos sanitários. A insuficiência dos programas compensatórios, como o auxílio emergencial é outra questão relevante.

Mas, para além disso, há aspectos econômicos, que limitam o processo de retomada. Às debilidades estruturais brasileiras, como a extrema desigualdade, baixa renda e insuficiência de moradia e saneamento básico para parcela expressiva da população, se somam outros aspectos conjunturais. O enfraquecimento do mercado de trabalho é evidenciado pelo número de pessoas subutilizadas que atingiu o recorde de 33,2 milhões de pessoas. O dado contempla a soma dos desocupados. 14,8 milhões, desalentados, 6 milhões e subocupados, 12,4 milhões, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao trimestre acumulado até fevereiro último.

Destaque-se que, mesmo aqueles que permanecem ocupados. têm tido o seu poder de compra corroído pela elevação da carestia, com maior impacto nos estratos de menor rendimento. A inflação tem sido maior em itens básicos, de grande peso na cesta de consumo, como alimentação, combustíveis, gás de cozinha, energia e outras tarifas.. A melhora do desempenho de crescimento de grandes países tem impulsionado a demanda e, consequentemente, os preços das commodities. Isso tem duplo e contraditório impacto no do Brasil, favorecido por ser importante exportador de minério de ferro, soja e outros grãos, carnes e petróleo bruto, mas afetado negativamente nos preços domésticos, também diante de inexistência de políticas para amenizar a “importação” dessa inflação.

Especialmente nas grandes cidades, mas não apenas, a degradação é evidente. Há um claro aumento da população em situação de rua, assim como o fechamento de lojas, prestadores de serviços, bares e restaurantes e muitas outras atividades que não estão conseguindo fazer frente ao desafio da longa retração provocada pelas restrições da pandemia e pela crise econômica.

Adicionalmente, o crédito, importante item para o financiamento dos consumidores e das empresas, especialmente as de menor porte, continua caro e restritivo, apesar do nível historicamente baixo, para padrões brasileiros, da taxa básica de juros (Selic).

Todos os fatores apontados representam limitações para a expansão do consumo, que é decisivo para a retomada econômica e para estimular os investimentos. O elevado nível de ociosidade, presente em vários setores. como segmentos da indústria e serviços desestimula novas inversões.A crise hídrica e seus impactos para o desempenho do setor agrícola e para a geração energética é outra variável fundamental para monitorar o comportamento futuro da economia.

O atendimento da população vulnerável é fundamental no enfrentamento dos efeitos da Pandemia. No ano que passou o pagamento do Auxílio Emergencial foi determinante para amenizar a situação. É crucial retomá-lo, pelo menos nos mesmos termos, apesar das dificuldades de ordem orçamentária. O agravamento da crise tornou-o absolutamente imprescindível para apoiar as pessoas que estão impedidas de exercer sua atividade e é preciso oferecer-lhes outras formas de sustento

Para além da medida de amparo social, tendo em vista o aprofundamento e extensão da crise, outras medidas se tornam cruciais para o seu enfrentamento. Note que muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura como forma de estimular a retomada da demanda efetiva, portanto, da renda, do emprego e da arrecadação tributária.

Trata-se, por exemplo do caso dos EUA. Depois de ter aprovado um pacote social da ordem de US$ 1,9 trilhão, foi anunciado, mais recentemente, pelo presidente Biden o “Plano de Emprego Americano”. O programa prevê investimentos em infraestrutura de US$ 2,25 trilhões, contemplando a economia verde, em áreas como residencial, transportes e mobilidade urbana em geral, dentre outras.

A Europa, também anunciou plano de incentivo à economia no valor de 750 bilhões de Euros, acompanhada de uma proposta de orçamento de longo prazo para o período 2021-2027, que abrange a oferta de crédito a custos competitivos para empresas e pessoas físicas. A China tem longa tradição de adoção de medias anticíclicas mediante perspectiva de diminuição da demanda efetiva.

Essa ação de coordenação de políticas e medidas adotadas por vários países denotam o esforço concentrado de tanto combater a crise decorrente da Pandemia, como também empreender uma clara estratégia de desenvolvimento. Eles estão corretamente conduzindo um diagnóstico de debilidades e lacunas nos vários campos social e de infraestrutura. para fomentar e induzir o crescimento em bases sustentáveis, envolvendo dentre outras questões, a energia renovável. Subsidiaria e complementarmente também se denota o foco na ampliação da competitividade sistêmica, a melhora do “ambiente” de negócios.

Outro traço comum das ações em curso é a combinação da coordenação e atuação do Estado com o setor privado. Seria um equívoco atribuir essa responsabilidade somente a um deles. Ambos exercem papel relevante para superar a crise. Mas a iniciativa deve ser necessariamente do Estado, uma vez que os investimentos públicos são determinantes no processo.

O primeiro é o seu efeito multiplicador. Na medida em que se realiza desembolsos estatais em infraestrutura ou ações sociais, são geradas outras atividades decorrentes. O segundo efeito é o “demonstração”. A ação do Estado induz o setor privado a também fazê-lo, pois, além de iniciar o ciclo virtuoso, dá clara sinalização de crescimento futuro da demanda, o que estimula os projetos- um efeito positivo retroalimentado.

Uma questão sempre presente é quanto às limitações fiscais, agravadas com a crise. Mas, vale lembrar, o impulsionamento das atividades tem um efeito positivo sobre a arrecadação de impostos, o que, no médio prazo, tende a compensar a ampliação dos desembolsos realizados. De imediato, a maioria dos países tem ampliado seu déficit e o endividamento público. No âmbito do G-20, por exemplo, o indicador da relação dívida/PIB retomou o nível máximo atingido em 1946, logo após à Segunda Grande Guerra. Há ainda medidas de reforma tributária visando dotar os estados nacionais de mais recursos.

No caso brasileiro, além das medidas já citadas, urge criar alternativas para romper amarras orçamentárias, algumas autoimpostas, como a “Lei do Teto de Gastos” (EC95). Além disso há que se rever os incentivos e subsídios fiscais que não geram retorno social. As restrições do orçamento, embora inegáveis, não podem, no entanto, servir de argumento para a inação do Estado. Além da situação política e socialmente insustentável, haveria o impacto econômico decorrente, levando, inexoravelmente, a um agravamento ainda maior da crise, com efeitos diretos sobre a queda da atividade e, consequentemente, da arrecadação tributária. É o caso típico do “tiro que sai pela culatra”. Ao contrário do que poderia sugerir o “senso comum”, restringir gastos sociais compromete o equilíbrio intertemporal das contas públicas!

Antonio Corrêa de Lacerda – presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), professor-doutor do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política e diretor da FEA-PUC-SP, publicou, entre outros, “O mito da austeridade” (Editora Contracorrente).
Artigo publicado anteriormente no Jornal dos Economistas e no Jornal GGN.

 

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