Inserção do Brasil no comércio internacional requer melhor relacionamento com transnacionais
Não se pode esperar do capital estrangeiro o protagonismo dos investimentos totais, pois o vetor principal das inversões está na atividade doméstica
O investimento direto estrangeiro (IDE) representa todo ingresso de recursos advindos do exterior para instalação ou aquisição de empresas, caracterizando uma relação direta com a gestão da atividade. Nos 25 anos entre 1995 e 2020, o Brasil se manteve entre os principais países receptores de IDE no mundo. Apesar desse desempenho relativamente positivo, ainda nos falta uma estratégia mais clara no relacionamento com os potenciais investidores internacionais, assim como para as empresas transnacionais já em operação no mercado doméstico.
Dois aspectos se destacam nesta pauta. O primeiro, internacional, é que tem crescido a disputa de novos projetos entre os vários mercados, uma vez que os efeitos da pandemia de covid-19 provocaram uma queda de 33% nos fluxos globais de investimentos estrangeiros em relação ao ano anterior. O segundo aspecto é que a economia brasileira tem perdido espaço nas cadeias globais de valor, pela saída de empresas que mantinham operações no Brasil.
No Brasil, duas características têm marcado o IDE ingressante. Uma primeira, não exclusivamente local, é a predominância dos fluxos voltados para a aquisição de empresas já existentes. Ou seja, não se trata de investimento novo propriamente dito, mas de transferência de capital doméstico para internacional, sempre com implicações. A segunda observação se refere à predominância dos investimentos sem vocação exportadora, voltados para o atendimento do mercado doméstico.
Foi recentemente criada no Congresso Nacional a Frente Parlamentar em Apoio aos Investimentos Estrangeiros para o Brasil (Frente Investe Brasil), cujo objetivo é articular as condições para incentivar o ingresso dessa modalidade. Trata-se de iniciativa válida, tendo em vista a relevância do tema.
A grande maioria dos países mundo afora conta com agências nacionais e regionais de promoção de investimentos, as quais visam a prospectar e atrair a parcela mais interessante dos investimentos estrangeiros. No Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) – antiga Apex – tem essas atribuições. Há outros órgãos governamentais que também têm interação no assunto, como, principalmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Vale a pena desmistificar o papel do investimento estrangeiro no desenvolvimento dos países. Na verdade, o IDE não é o vilão apontado por alguns nem tampouco a panaceia apresentada por outros. Ao mesmo tempo que gera externalidades positivas, embora não automáticas, também provoca impactos na estrutura produtiva e de distribuição, assim como no balanço de divisas.
O IDE, embora de relevância crescente a partir da globalização e especialmente pós-década de 1990, tem papel apenas marginal no total do investimento realizado pela maioria dos países, representando, na média, algo próximo de 10%. Mesmo na China, ele não representa mais do que 15% da formação bruta de capital fixo.
Portanto, não se pode esperar do capital estrangeiro o protagonismo dos investimentos totais. Todas as experiências internacionais analisadas apontam para um papel dessa modalidade relevante qualitativamente, tendo em vista sua integração às cadeias de valor, mas o vetor principal das inversões está na atividade doméstica!
A inserção internacional brasileira sob o ponto de vista comercial, tecnológico e produtivo passa por um aprimoramento na regulamentação e de políticas de relacionamento com as empresas transnacionais. Tanto as já em operação como aquelas potenciais investidoras no Brasil. Algo que requer a combinação de ações governamentais, mas também da iniciativa privada.
*PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE ECONOMIA (COFECON), É PROFESSOR-DOUTOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA POLÍTICA DA PUC-SP