Privatizações: como conciliar interesses públicos e privados?
Os economistas Róridan Duarte e Gabriel Galípolo foram os convidados para falar sobre privatizações durante o XXIV Congresso Brasileiro de Economia. Os dois reconheceram que o assunto desperta paixões, inclusive ideológicas, e trataram de fazer o debate da forma mais técnica possível.
Róridan foi o primeiro a falar, e primeiro tratou do que a Constituição diz a respeito. No caso de exploração de atividade econômica, o estado só deve prestar diretamente o serviço em caso de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, desde que definidos em lei. “São os chamados setores estratégicos, como petróleo, energia e exploração de minérios, onde o estado pode atuar diretamente”, explicou Róridan. “Já a prestação do serviço público tem outra característica. Então, primeiro de tudo, temos que separar serviço público de atividade econômica”.
Entre os aspectos a serem observados, há o econômico: se o serviço for transferido para um particular, haverá um monopólio ou oligopólio? Se sim, a ação do estado tem que se dar de modo muito efetivo na regulação. “Nas áreas onde há competição é mais fácil. Em setores de monopólio ou oligopólio é preciso dar um grande passo para que estes setores funcionem de forma eficaz”, expressou o economista. “Temos agências reguladoras, autônomas em tese, mas em alguns casos um diretor tem que renunciar por causa de interesses do governo”.
Róridan procurou diferenciar concessão de privatização. “Na concessão, a prestação de um serviço se dá por empresa pública ou particular com regulação. A prestação é transferida, mas ela não perde o caráter de serviço público. É o que acontece com o transporte e a energia”, explicou. “A concessão leva em conta o direito do cidadão, demanda estabilidade de regras e uma forte atuação econômica na definição de regras de concessão. É um grande campo de trabalho para o economista”.
Na privatização, há outros aspectos para analisar, como o conflito de interesses entre lucro e função social da atividade econômica. “Muitas vezes dizem que as empresas estatais não dão lucro, mas em alguns casos o lucro é secundário. É preciso prestar o serviço com qualidade para uma população que, muitas vezes, não desperta o interesse do setor privado”.
Gabriel Galípolo falou em seguida. “Estamos há muito tempo presos num debate que opõe estado e mercado, público e privado, como se fosse possível a existência de um eliminando o outro”, comentou. “Na própria atuação do estado, uma obra pública significa elaborar uma licitação para contratação de um privado”.
A discussão importante, para Galípolo, é quais são as modalidades de contratação que vão gerar maior alinhamento entre os estímulos que devem ser dados ao contratado (lucratividade) e a prestação de um serviço de qualidade – o que nem sempre é simples, quando se leva em conta a lei de licitações. “Contrate alguém para fazer uma obra na sua casa pelo menor preço. Dificilmente esta será a melhor maneira de contratar alguém. Qual é a opção que o ganhador tem para aumentar a lucratividade? Pedir um aditivo no meio do caminho, e enquanto não for acertada essa diferença, ele não termina a obra. Ou então reduzir custos, o que impactará na qualidade”.
Galípolo também explicou brevemente o que é concessão, parceria público-privada e privatização. No Brasil, inclusive, há leis separadas para concessões e parcerias público-privadas. “Parece simples passar para o privado e pensar que tudo estará resolvido. Mas é sempre bastante complexo. Há passivos contingentes, que vêm desde temas ambientais até trabalhistas. O privado olha os riscos jurídicos e institucionais que são difíceis de gerir”. E citou uma situação em que é possível conciliar interesses: “Quando um mesmo agente é responsável pela construção do ativo e pela manutenção, ele vai querer que fique pronto o mais antes possível, porque só terá receita quando o ativo estiver pronto. Mas ele não quer perder qualidade, já que será o responsável pela manutenção durante 10, 20, até 30 anos. Nesta modalidade de contratação, é possível alinhar interesses”.
Para debater o assunto, é preciso escapar das armadilhas da polarização. “Quando eu transfiro uma atividade para o setor privado, o setor público não a abandonou, tem que regular a atividade e fiscalizar. Quando eu executo com uma empresa pública, não significa que não terei a contratação de entes privados. A maior parte das empresas públicas não funciona sem a contratação de empresas privadas para realizar a atividade-fim”, finalizou Galípolo.