Lacerda: “A economia não se dissocia dos aspectos políticos, culturais e sociais”

  • 25 de setembro de 2021
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O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, participou do programa Conexão Internacional, que foi ao ar nesta sexta (24), pela Rádio Mega Brasil Online. Em uma entrevista de pouco mais de uma hora, abordou o momento econômico vivido pelo Brasil, os erros que o governo tem cometido, a inserção internacional do país e as perspectivas para as eleições de 2022. 

Lacerda defendeu um olhar amplo sobre a Economia, destacando que ela não se dissocia dos aspectos políticos, culturais e sociais de um país. Ao apresentar a sua avalição sobre o atual cenário brasileiro, o economista foi questionado, em um dos pontos altos da entrevista, sobre o que o Brasil tem feito de errado. Para ele, “o quadro político conturbado cria um ambiente de incerteza que afasta o investidor estrangeiro, mas também domesticamente há uma retração muito forte dos investimentos. Estamos no menor nível de investimento das últimas décadas. O investimento público é o menor da nossa história exatamente quando deveria agir no contraciclo”. 

Para o presidente do Cofecon, a economia brasileira  que já vivia uma situação bastante complexa desde a recessão de 2015/2016, quando, no acumulado, caiu 7%  não apresentou ainda uma retomada consistente e confiável. “O crescimento no período de 2017 a 2019 foi de pouco mais de 1%, isso depois de uma recessão forte. Tudo isso já mostrava que a capacidade de crescimento em 2020 seria limitada. Então veio a pandemia, que no Brasil se revelou uma enorme tragédia, e piorou o cenário”. 

A pandemia, no Brasil, foi agravada por dois fatores, na visão do economista: o negacionismo do Governo Federal e a total falta de coordenação entre os poderes e entre o governo central e os entes subnacionais. “Isso intensificou a crise sanitária, que se transformou numa crise econômica, social e política. A economia caiu 4,1% devido à ação do Congresso Nacional, que elevou o auxílio emergencial de 200 reais para 600, o que amenizou o efeito social e econômico”. Lacerda refere-se ao crescimento de 2021 como algo meramente estatístico (retornando ao nível de atividade de 2019) e aponta inclusive para o risco de estagnação ou mesmo de estagflação. 

O viés econômico liberal também é apontado por Lacerda como um erro. “Diante da complexidade dos temas que se apresentam, países das mais diferentes tendências ideológicas não têm aberto mão do Estado como incentivador do desenvolvimento. O exemplo mais claro é a política econômica do governo Biden, fortemente intervencionista. Mas há outros”, comentou. “O que há de comum é o pragmatismo. Não é só mercado, não é só Estado, mas a combinação inteligente destes fatores para gerar as condições para o país se desenvolver. O Brasil está patinando nos seus próprios problemas, em erros estruturais, um exemplo claríssimo foi a reprimarização da nossa produção e da exportação”. 

Ao falar sobre a equipe de Paulo Guedes, Lacerda falou que tem muita gente de talento, mas pouca diversificação, e isso leva a outros erros – como uma fé inabalável no mercado como solução para os problemas econômicos. “Há um desencanto no setor empresarial com a política econômica adotada, porque ela evoluiu muito pouco em termos de atividade e de ambiente de negócios”, avaliou o presidente do Cofecon. “A economia que chega ao cidadão é via meios de comunicação, e há uma falta de diversidade na economia. Ah, vamos falar de economia… bolsa caiu, dólar fechou em tanto, juros tiveram tal desempenho. Invariavelmente vão ouvir um especialista do mercado financeiro. Não há nada de errado em ouvir o mercado financeiro, o erro é não ter pluralidade. As linhas econômicas são diversas. O pensamento ortodoxo é dominante, mas há outras abordagens. Isso leva a sociedade a pensar que só existe um caminho e o único remédio seria a elevação dos juros. Isso é um engano”, alertou. 

Para o economista, as políticas econômicas adotadas nos últimos tempos favorecem o rentismo. “Nós chegamos a pagar 400, 500 bilhões de reais de juros ao ano sobre a dívida pública. E quem é que financia isso? São os impostos. E no Brasil a estrutura tributária já é injusta, porque os mais ricos são quem proporcionalmente menos pagam, já que nossa carga tributária é concentrada basicamente na classe média”, pontuou. “Felizmente cada vez mais gente está percebendo. Um país com a potencialidade do Brasil deveria ter um plano redistributivo para incorporação de uma parcela substancial da população que está fora do mercado consumidor”. 

Outro ponto abordado por Lacerda foi o Mercosul, que ele vê como importante para a inserção internacional dos países da região: “Hoje se fala nas cadeias globais de valor, e o Brasil e a Argentina têm muito a oferecer, têm um mercado consumidor importante, podendo ainda agregar outros países. O Mercosul tem potencial para ser ampliado e poderia caminhar não só na integração comercial, como também produtiva e financeira”, argumentou Lacerda. “Na construção de um novo modelo econômico para o Brasil e a Argentina, a integração regional tem que ser a base da inserção internacional”, defendeu. 

Ao falar sobre a dependência de outros países, Lacerda destacou novamente como um erro estratégico a reprimarização da pauta exportadora. “É cômodo, mas perigoso. As commodities são definidas por muitos fatores. Geram renda de exportação, mas pouco valor agregado”, comentou. O economista argumentou que a atividade extrativa no Brasil gera poucos empregos e renda para um país de 200 milhões de habitantes. “Há outros países que vivem de matérias-primas, mas que têm apenas 10% da nossa população. Um país do tamanho do nosso não pode se conformar com isso. Temos uma inserção diversificada, é preciso usar este potencial para gerar maior valor agregado”. 

Questionado sobre as eleições de 2022, Lacerda relembrou o pleito de 2018, quando o presidente eleito não apresentou um plano econômico. “Ele fez algo inusitado, que foi delegar a economia ao que ele denominou posto de combustível, no sentido de ter as respostas para tudo, mas não apresentou isso à sociedade. Isso decorre do apequenamento do debate econômico brasileiro”, afirmou. “Eu espero que, pelo menos, haja uma discussão para que a sociedade brasileira possa escolher com clareza o caminho a ser seguido”. 

Ainda sobre 2022, o economista lembrou que as previsões de crescimento estão sendo revistas para baixo. “Claramente o governo atual vai jogar todas as fichas no populismo, apesar das enormes restrições que há. O quadro econômico é tão grave que as projeções já revistas para hoje tenderão cada vez mais a serem ainda mais revistas. Não se descarta a chance de termos uma recessão ou estagnação em 2022”, alertou. “Uma estagnação com o nível atual do desemprego e da inflação é dramático. Mais gente vai ficar desempregada e o desempregado terá menos chances de se reinserir no mercado de trabalho”, projetou.

Lacerda acredita que o governo atual conta com o apoio de um quarto da população. Neste quadro, o economista aponta a necessidade de que as forças de oposição se reúnam em torno de pautas de consenso, como a defesa da democracia e a priorização do combate às mazelas sociais que afligem as populações mais vulneráveis. 

O programa foi apresentado por Marco Antonio Rossi e teve a participação, como entrevistadores, de Rosana Dias, em Toronto; Maria Luiza Abbott, em Londres; José Gabriel Andrade, em Madri; e Santiago Alberto Farrell, em Buenos Aires. Ele pode ser assistido no Youtube (https://youtu.be/IWh84kHDTs0) ou em www.radiomegabrasil.com.br. Também está disponível na plataforma Spotify: https://open.spotify.com/show/0aGLtJpYlvgPNeDxQeEdMp. 

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