Distorções tributárias na fabricação de concentrados de refrigerantes na ZFM

  • 16 de maio de 2022
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Por Antonio Corrêa de Lacerda, André Paiva Ramos e Roberto Yassuo Shiroma

O Decreto Presidencial nº 11.052, de 28 de abril de 2022, reduziu a alíquota de IPI dos concentrados de refrigerantes fabricados na Zona Franca de Manaus (ZFM) para 0%, o que anula todos estes efeitos negativos e direciona importantes recursos do orçamento federal para propiciar o Relp – Programa de Reescalonamento do Pagamento no âmbito do Simples Nacional. Milhões de empresas e brasileiros serão beneficiados, não apenas as poucas poderosas empresas produtoras dentro da ZFM.

No entanto, no último dia 6, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), emitiu uma Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), impugnando, dentre outros dispositivos legais, o referido decreto. A decisão na ADI solicita ao presidente da República informações sobre o assunto no prazo de dez dias. Após esse prazo, encaminha ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, para que cada qual se manifeste de forma definitiva sobre o seu mérito.

O Decreto nº 11.052 tinha como objetivo abrir espaço orçamentário para viabilizar o Relp, também conhecido como Refis do Simples. A sua suspensão prejudicará a renegociação de dívidas de milhões de micro e pequenas empresas. Adicionalmente, esse decreto também corrigiria distorções e desincentivaria a prática do “planejamento tributário abusivo”, em um dos incentivos com menor retorno para a sociedade, como apontamos nesta Nota Técnica.

Em geral, toda a redução de impostos implica queda de arrecadação do governo. Esse não é o caso dos concentrados para refrigerantes fabricados na Zona Franca de Manaus. O Imposto sobre Produto Industrializado não é pago e, mesmo assim, gera crédito à empresa produtora. Ou seja, as empresas dentro da ZFM recebem um valor muito maior que as demais empresas fabricantes do mesmo produto pagam ao governo. E é por isso que a Zona Franca luta para aumentar as alíquotas do IPI, enquanto todo o país busca redução de impostos.

Além do IPI, também a arrecadação do ICMS de todos estados e municípios é reduzida como consequência deste incentivo. O concentrado de refrigerante produzido na ZFM entra em todos os estados assumindo um crédito de cerca de 10%, o qual é descontado quando da venda do produto final. Todos os estados, e por consequência, todos os municípios abatem estes créditos de entrada e deixam de arrecadar estes valores.

Adicionalmente, conforme fiscalização da Receita Federal, as empresas produtoras de bebidas dentro da ZFM aumentam indevidamente os créditos recebidos através de manobras ilícitas, como superfaturamento das matérias primas e utilização de insumos não provenientes da região Norte (objeto do incentivo) e advindas de outras regiões do país e mesmo do exterior. Estima-se que o contencioso autuado pela Receita Federal relacionado à estas práticas ilegais ultrapasse a cifra dos R$ 30 bilhões ao longo de 2022.

Como consequências, os incentivos concedidos à fabricação de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus não desenvolvem como deveriam a região Norte, aumentam de forma ilegal os créditos recebidos, diminuem a arrecadação federal (IPI), de todos os estados (IPI, FPE e ICMS), de todos municípios do Brasil (IPI, FPM e ICMS) e aniquilam a concorrência produtora de bebidas em todo o país.

Beneficiam as poucas empresas produtoras, cada vez mais poderosas e dominantes no mercado. Destaca-se que a produção de concentrados de refrigerantes se dá de forma quase que total dentro da ZFM. No entanto, há uma produção expressiva de extrato de guaraná no sul da Bahia, de chás no Paraná, entre outros exemplos.

A alteração promovida pelo referido decreto ocorreu apenas em um dos tributos de um conjunto de incentivos tributários da ZFM e restrita a um segmento de atividade cuja participação é muito pequena na geração de empregos na região, inferior a 1% no total da ZFM. Portanto, o decreto não afeta a sustentabilidade e o objetivo da Zona Franca de Manaus, muito pelo contrário, evita um desvirtuamento dos incentivos para benefícios indevidos de poucas empresas multinacionais, em detrimento do conjunto da sociedade.

O segmento de concentrados de bebidas detém uma participação diminuta na atividade da ZFM, representando cerca de 6% do faturamento e de 0,8% do total da mão de obra contratada no Polo Industrial de Manaus.

Os incentivos tributários, principalmente a partir de subsídios de IPI e de crédito estímulo de ICMS oriundos da aquisição de concentrados de refrigerantes da Zona Franca, têm propiciado ações fraudulentas que distorcem a concorrência no mercado. Ou seja, grandes empresas multinacionais de bebidas frias têm distorcido o objetivo de promoção do desenvolvimento regional – finalidade do tratamento tributário especial na ZFM – para inflar, indevidamente, os subsídios tributários e seus lucros.

A própria Receita Federal tem acompanhado, investigado, mensurado e autuado essas poucas grandes empresas multinacionais de bebidas frias que se utilizam indevidamente dos incentivos tributários. O “Relatório Anual da Fiscalização: Resultados de 2020 e Plano de Ação para 2021”[1] da Receita traz os resultados de diversas fiscalizações realizadas e, em especial, as ações no setor de bebidas, envolvendo a questão do planejamento tributário abusivo.

Apenas no acumulado de 2020 e 2021, nossa estimativa é que os incentivos fiscais para essas empresas multinacionais de refrigerantes somem cerca de R$ 5,7 bilhões, sendo créditos presumidos de IPI de R$ 2,2 bilhões e crédito estímulo de ICMS de R$ 3,5 bilhões. Porém, além de tais incentivos não refletirem em geração consistente de emprego e renda na região e tampouco impulsionarem cadeias produtivas locais, tais práticas abusivas têm resultado em elevado contencioso tributário. Os dados referentes às atuações de 2021 ainda não estão disponíveis, mas, partindo-se da hipótese de que as práticas tenham se mantido no mesmo ritmo, estimamos que o contencioso tributário total em valores atualizados deva ter ultrapassado a casa dos R$ 30 bilhões em 2021.

Portanto, as práticas anticoncorrenciais por parte de poucas grandes empresas multinacionais de refrigerantes com o uso do “planejamento tributário abusivo”, conforme apurado pela Receita Federal, geram grandes distorções. Além de provocarem maior concentração de mercado, impactam negativamente a arrecadação fiscal, causam o fechamento de empresas de menor porte e eliminam postos de trabalho no país.

Portanto, o decreto não afeta a sustentabilidade e o objetivo da Zona Franca de Manaus, muito pelo contrário, evita um desvirtuamento dos incentivos para benefícios indevidos de poucas empresas multinacionais em detrimento do conjunto da sociedade.

Esse tema ganha relevância especialmente no atual momento vivenciado pela economia brasileira e pela restrição orçamentária. Diante da necessidade premente de obtenção de recursos para programas sociais e para evitar insolvência de micro e pequenas empresas, amenizando os impactos da crise, já passou da hora de rever a concessão de incentivos sem retorno econômico e social.

[1] Disponível em: https://www.sec.gov/ix?doc=/Archives/edgar/data/0000021344/000002134422000009/ko-20211231.htm

Artigo publicado originalmente no site Jota.info e acessível AQUI.

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