Conselheiro federal e presidente do Corecon-BA: ‘Economia baiana deve superar a brasileira em 2023’
Confira na íntegra a entrevista de Gustavo Casseb Pessoti ao Portal BaDeValor.
Em meio a um cenário econômico instável, o ano de 2022 surpreendeu economistas que apostaram em números menores – e até negativos – para o balanço anual. Embora os resultados não indiquem uma pronta retomada, que é um grande desafio para o novo governo, já apontam em uma direção menos tortuosa do que foi acumulado em anos de baixas nas esferas social, econômica e estrutural do país. Nesta entrevista ao BaDeValor, o economista e presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), Gustavo Casseb Pessoti faz sua análise do ano passado e projeta os cenários para este ano, tanto para a economia baiana como a nacional.
BaDeValor – Que avaliação faz sobre as economias baiana e brasileira em 2022? Quais foram os desafios?
Gustavo Casseb Pessoti – A palavra que define é surpresa! Talvez quando a gente iniciou o ano, as expectativas dos atores, das instituições financeiras eram muito pessimistas, principalmente com a economia brasileira. Então me lembro de uma pós-graduação em que peguei as previsões da XP, Bradesco, eram muito baixas e gravitavam em torno de -0,5 a +0,5. Mas a gente observou o contrário. Só que por incrível que pareça foi o contrário, por características que estão relacionadas a peculiaridades da forma como o governo interveio na demanda agregada, que é característico daquilo que eu, pessoalmente, enxergo como uma política correta. O governo em um momento cíclico da economia, em momento de baixa, de expectativas extremamente negativas em relação ao futuro, que dificulta a efetivação de investimentos, o governo vai e age.
Apesar de todas as críticas, o governo agiu de forma intervencionista e mostrou para a sociedade como um todo que nesses momentos em que o ciclo é de baixa, o desemprego é mais alto, os empresários demoram mais de fazer investimento, é o governo que deve comandar as rédeas da economia. Dito e feito, o programa de intervenção na economia, como liberação de FGTS, aumento de Auxílio Brasil, antecipa 13º, o que significa que por meio do estímulo ao crédito, estimula a economia a uma retomada forçada pela atuação governamental. Então as expectativas de início do ano eram muito negativas em função de ser um ano eleitoral, em função do ano anterior, em função das pressões inflacionárias que fizeram o Banco Central aumentar as taxas de juros. E a gente vai encerrar com o PIB entre 2,7 e 2,8% aos mais otimistas que defendem até 3%, eu defendo mais 2,8%, e com melhoras, inclusive, na geração de postos de trabalhos. O Brasil teve o cenário mais desafiador. A economia baiana tinha expectativa de retomada, principalmente da produção industrial, que passou anos consecutivos em baixa, com taxas negativas na produção físicas, e nesse ano tem um crescimento projetado pela Fieb em 4,5% e isso é muito importante para a recuperação do ânimo.
O outro fator é a safra recorde na produção agrícola. Observamos ano após ano a agricultura baiana com volume expressivo na produção de grãos e um crescimento alto. E como consequência natural de dois setores bons e da política nacional que acabou reverberando no consumo das famílias, você também tem a retomada, mesmo que tímida, no setor de serviço, mas a Bahia deve fechar este ano levemente acima do Brasil, aposto em 3,2%. Então sem sombra de dúvida, as expectativas mais negativas pairavam sobre a economia brasileira, que claramente estava carente de política nacional e de medidas contra cíclicas não se evidenciou. Ou seja, o governo liberal tomou medidas intervencionistas e elas foram importantes para retomada do investimento. Quando os empresários começaram a perceber a diminuição de desemprego, aumento do ritmo de consumo, isso também impulsionou a formação bruta de capital fixo e diria que 2022 fecha a economia no azul, com questões muito mais positivas do que negativas no cenário econômico.
BaDeValor – Qual trimestre se destacou nas economias baiana e brasileira?
GP – O trimestre que mais beneficiou tanto a economia nacional, como a economia baiana foi o terceiro, que foi quando as respostas de estímulo ao consumo produziram uma taxa de crescimento. Então o ano começou sob muita incerteza, com expectativas negativas, eu mesmo fiz uma projeção durante uma conversa com a SEI (Superintendência De Estudos Econômicos e Sociais) de crescimento para a economia baiana de 1,5%. Isso porque a gente estava na expectativa que a economia crescesse, mas sem a certeza do ritmo de recuperação e aí digo que a agropecuária foi decisiva. Nós apostávamos em uma retomada do setor industrial, tínhamos dúvidas sobre o setor de serviços, porque a Bahia, infelizmente, é o estado com o maior nível de desemprego do país, e maior nível de desalento também, e isso cria desafios muito importantes para o governo, que precisa reduzir essa taxa de desemprego e fazer com que os desalentados voltassem a procurar o mercado de trabalho, que não é tarefa muito fácil.
O crescimento não foi maior porque as taxas de juros foram muito altas. A taxa Selic fecha muito alta, em 13,75%, principalmente que de um lado você está estimulando fiscalmente, os gastos governamentais e ao mesmo tempo não dá o estímulo monetário necessário a essa ativação pelos investimentos produtivos. Se não fosse a teimosia da equipe econômica do governo federal, especialmente do Banco Central, por manter as taxas de juros tão elevadas, principalmente para combater uma inflação que não é de demanda, é de oferta causado pelo aumento dos custos dos combustíveis, da energia, enfim, da relação da Rússia e Ucrânia, então usa um remédio amargo e errado que é o aumento de juros que seria impossível para combater a inflação de oferta. Não fosse isso, poderíamos ter uma taxa de crescimento muito maior.
BaDeValor – O que esperar da economia baiana no próximo ano? Vai acompanhar a brasileira?
GCP – Estou mais otimista para a economia baiana do que para a nacional para o próximo ano. A economia nacional vai enfrentar, ainda, um cenário turbulento com a guerra da Rússia e Ucrânia, com a inflação alta nos Estados Unidos e isso vai pressionar demais o câmbio, não acredito em uma reversão em uma taxa de câmbio para 2023, acho que teremos câmbio alto, no patamar de R$ 5,20 e isso será um grade óbice ao processo inflacionário, que a gente também estima em 5,5% e taxa Selic que deve ter uma reversão de pelo menos para 11,5%, mas em ano de mudança é sempre muito difícil porque envolve a finalização do orçamento do gestor anterior, o PPA (Plano Plurianual) que começa a ser a realizado para o período dos próximos quatro anos. Então acompanho a tendência que aponta o mercado para a economia brasileira próxima a 1%. Mas essas são as expectativas para hoje.
Até pela própria característica do que vai acontecer no primeiro semestre, que são elevações das taxas de juros internacionais, e de uma pressão forte na questão cambial, então acredito que impactará em um menor ritmo da economia, e das nossas exportações, transações comerciais e diminui um pouco o ímpeto de crescimento que poderia ser mais alto. Mas isso depende do desenvolvimento das políticas sociais, das formas como os atores da economia forem internalizando. O mercado está preocupado ainda, com dúvidas. Isso é importante também por causa incertezas. Então concordo que a economia pode ser difícil, mas juros mais baixos que 2022, mas não tanto, a inflação ainda deve ser acima da meta, embora menor também, mas isso vai impactar. A economia baiana deve seguir o mesmo ritmo de crescimento da nacional, o governo estadual em conformação com o federal deve efetivar investimentos de infraestrutura, de protocolos de investimentos, como a chegada da montadora chinesa, que cria expectativa positiva para a economia baiana, que deve crescer superior a 2%, maior do que a nacional. Isso depende também da agropecuária. A indústria deve crescer no próximo ano e os serviços devem se recuperar, assim como a geração de emprego, a melhora em torno do salário mínimo, enfim.
BaDeValor – Quais desafios para o presidente eleito? E no plano estadual?
GCP – São desafios muito claros. Tem a redução da pobreza, da desigualdade, do aumento das políticas sociais, e isso é explícito. Nós andamos em marcha ré, aumentamos a exclusão social nos últimos anos e nem vou entrar aqui na questão da pandemia ou equívoco das políticas liberais ou por questões econômicas, mas enfim, mais política do que econômica, a verdade é que produzimos resultados extremamente negativos no Brasil na linha das políticas sociais, na linha da exclusão, da fome, da miséria e esse é o desafio número zero, não há nem um na frente. Precisamos combater a fome a miséria extrema, a insegurança alimentar, que são fenômenos muito claros que só o IPEA não percebeu que a gente viveu um período extremamente negativo.
O desafio é este, ele está posto e não pode ser postergado. Você passa a ter outros desafios, na Bahia, por exemplo, é de melhorar os índices de maneira geral. Algumas questões veem como consequência da aliança entre governo estadual e federal, mas a verdade é que a Bahia também passa pela perda de competitividade da sua economia, de aumento considerável da violência, de piora dos níveis educacionais, então guardada a devida proporção, a Bahia tem um desafio ainda mais forte, que é a melhoria da renda da educação, da segurança pública, da competitividade. A Bahia seguramente figura no ranking do quase todos os indicadores negativos. Por isso, está na ordem do dia essa reversão! A Bahia precisa brigar por investimentos, precisamos de tudo, de economia mais pujante. E o que resolve o problema da economia é a mais empreendedorismo, mais loja abrindo, mais investimento atraído.
BaDeValor – Como fica a relação entre investimentos social e equilíbrio fiscal? Quais riscos?
GCP – O desafio fiscal não é menos importante do que as outras questões. Houve um momento muito auspicioso do governo Lula da primeira vez, em que se tinha políticas sociais muito ativas e superávit primário acontecendo. Isso é importante porque significa que o governo gasta, mas tem o olho no equilíbrio fiscal. Eu sou contra o teto, mas não pode exacerbar as políticas sociais porque acaba sendo uma quebra de braço muito grande com o mercado. Lula tem desafio muito grande de retomar o crescimento e reduzir a pobreza e que tudo caiba no orçamento brasileiro. É claro que com a atividade econômica aumenta a arrecadação e isso dá mais possibilidades de suavizar o impacto fiscal. Acho que social vem na frente de tudo, mas a gente não pode prescindir de pensar na questão fiscal.
A gente sabe que a corrida eleitoral provocou o aumento do déficit brasileiro, do rombo fiscal, e acho que se não tiver um cuidado necessário para considerar que a economia pode crescer, mas que ela pode crescer mais quando as finanças públicas estiverem mais estabilizadas, acho que corremos o risco de não só injetar dinheiro demais na economia e aí provocar um outro problema da inflação de demanda, vindo inclusive do aumento dos gastos públicos, por que aí você já vê anúncios de elevação de salários de governadores e presidente, etc. Não dá para manter todos os compromissos de campanha em um único ano, você faz uma campanha por quatro anos. Então eu diria que é importante priorizar o social como ordem do dia de ações de planejamento e de gastos, mas o Brasil precisa muito de tudo, nós involuímos demais: no econômico, no social, e não dá para resolver tudo isso em um único ano. Precisamos de planejamento, não dá para ir com sede ao pote para mostrar resultado logo em 2023, são muitas questões para organizar e Lula vai pegar uma casa muito desorganizada. Se o rombo for menor do que projetado, o mercado vai responder muito bem.