Economista Lauro Chaves Neto analisa o cenário econômico no Ceará e Brasil

  • 19 de dezembro de 2023
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Confira a entrevista do conselheiro federal Lauro Chaves neto ao portal O Otimista

O economista cearense Lauro Chaves Neto possui um currículo extenso. É assessor econômico da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), presidente da Academia Cearense de Economia (ACE) e membro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), só para citar algumas de suas atribuições. Mesmo assim, o PhD em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, na Espanha, mantém uma vida leve, organizando seu tempo de forma a conseguir conciliar trabalho, lazer, família e amigos.

Considerado um dos principais economistas do Ceará, ele tem consciência de que fazer uma boa gestão do próprio tempo é fundamental diante de uma agenda cheia de compromissos. Em entrevista ao O Otimista, Lauro analisa o cenário econômico no Estado e no País, fala sobre os reflexos das guerras atuais e do período pós-pandemia, além de destacar a importância das práticas ESG nas empresas e da necessidade da reindustrialização no Brasil.

O Otimista – Além de outras atribuições, o senhor também é assessor econômico da Fiec. Quais as perspectivas para a indústria cearense nos próximos anos?

Lauro Chaves Neto – Desde que Ricardo Cavalcante assumiu a presidência da Fiec, fui convidado para ser o seu assessor econômico, ajudando na elaboração estratégica e desenvolvimento industrial, nas análises econômicas, aos sindicatos e às casas que compõem a Fiec. A atuação na Fiec me engrandece profissionalmente e também é uma oportunidade de contribuir para a economia cearense e para o fortalecimento da indústria no Estado. Temos perspectivas otimistas para nossa indústria. Podemos dividi-la em dois eixos, os tradicionais, os quais estão passando por um processo de modernização muito grande e por um ganho de produtividade, pois eles precisam competir cada vez mais em uma economia global. São eles: têxtil, confecções, mineração, metal-mecânico, construção civil, dentre outros. O segundo eixo são os novos setores emergentes, incluindo energias renováveis, economia do mar, da saúde, com um grande potencial para a transformação no perfil da indústria cearense. Temos vantagens competitivas que podem fazer do Ceará um grande player mundial nesses setores. Por isso, temos que inserir tanto os setores tradicionais como esses novos setores nas cadeias globais de valor. Nesse contexto, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém é a joia da coroa da economia cearense, com potencial de aumentar muito mais nossa competitividade.

O Otimista – Como a implementação das práticas ESG têm refletido na economia brasileira e cearense e qual a importância delas no atual cenário econômico?

Lauro Chaves Neto – O debate sobre sustentabilidade global vem desde a década de 1970, sempre liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Porém, ele sempre teve foco nas questões macroeconômicas, nas que envolvem os grandes agregados econômicos. Então, tivemos o surgimento do ESG, que traz a sustentabilidade econômica, social, ambiental e de governança para dentro das organizações. Atualmente, os grandes fundos de investimentos têm um tratamento diferenciado com as empresas que trabalham com ESG. Oferecem créditos mais baratos, condições de financiamentos diferenciadas, principalmente pelo potencial dessas organizações de criarem uma nova economia, bem mais justa e inclusiva. A Fiec, por exemplo, foi a primeira Federação das Indústrias do Brasil a ter um núcleo ESG, com a criação do Selo ESG.

O Otimista – Qual o impacto das guerras entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas na economia brasileira?

Lauro Chaves Neto – Em termos econômicos, a guerra da Ucrânia possui um impacto muito significativo, principalmente, no mercado de commodities agrícolas, no qual o Brasil é um grande player. A Ucrânia sempre foi um dos principais celeiros que alimentou os países da Europa. A guerra em si, dependendo de como ela for finalizada, muda toda essa questão, por conta do grande impacto nesse mercado, assim como reflexo no fornecimento de energia para a Europa. A guerra também abre oportunidade de mercado para o agronegócio brasileiro e para o setor de energias, sobretudo as renováveis. Já a guerra Israel-Hamas tem um viés completamente diferente, raízes históricas muito mais antigas e complexas, é de uma solução bem mais difícil do que a da Rússia e Ucrânia. No caso de Israel-Hamas, os impactos econômicos, diretos e indiretos, na economia brasileira são bem menores.

O Otimista – O ano de 2023 marcou a saída do planeta da pandemia de covid-19. Como o senhor avalia a retomada da atividade econômica no Brasil neste pós-crise sanitária?

Lauro Chaves Neto – No geral, a pandemia causou uma grande desestruturação das cadeias globais de geração de valor, o que leva muito tempo para se reestruturar. Por exemplo, a reestruturação das cadeias de logística e suprimentos, em alguns setores, até hoje registram impactos da pandemia. Existiu também um grande movimento de reconversão industrial, muitos setores mudaram seu mix, aquilo que produziam historicamente para passar a produzir insumos que eram necessários na pandemia e na recuperação pós-pandemia. Outro fator importante gerado pela pandemia é a consciência de que não podemos ficar dependentes de sistemas de produção totalmente fora dos nossos países. Precisamos de uma reindustrialização, tema que é debatido intensamente no Brasil há décadas. A pandemia fez com que alguns desses sistemas de produção industrial voltassem para os países de origem, e esse movimento de reindustrialização está ganhando corpo no País. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) está liderando esse processo. Para isso, precisamos que o poder público, o setor produtivo e a academia estejam juntos para que o Brasil consiga, nesta reindustrialização, melhorar o patamar da sua competitividade e estar inserido de forma cada vez mais vantajosa nas cadeias globais de valor.

O Otimista – Como o senhor avalia a economia cearense dentro do contexto nacional?

Nós temos, no Ceará, aproximadamente 4,3% da população brasileira, nossa economia representa apenas 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Ou seja, o cearense médio tem 50%, 55% do padrão de vida do brasileiro médio. Isso é inaceitável e não é uma questão atual, é uma relação histórica. Então, todos os esforços que nós fizemos no Estado, de planejamento governamental, de mobilização do setor produtivo, tudo foi muito importante, mas  ainda não conseguimos reduzir essa desigualdade. Para reduzir essa defasagem, nós precisamos que o Ceará, nos próximos anos e décadas, tenha um salto de crescimento muito mais rápido do que o da economia brasileira.

O Otimista – E como isso pode ser feito?

Isso só se consegue com grandes investimentos âncoras de um lado, que é o desenvolvimento exógeno, e acelerando o desenvolvimento local, aquele no território dos pequenos negócios com redução das desigualdades, com maior distribuição de renda. Como disse, o Complexo do Pecém é nossa joia da coroa, principalmente agora, com o desenvolvimento do Hub de Hidrogênio Verde do Ceará, além da ZPE (Zona de Processamento de Exportação), das energias renováveis, da modernização da indústria tradicional e de uma elevação do patamar do nosso turismo. Precisamos de uma rede de suporte para as pequenas e médias empresas. Nesse contexto, o Senai, o Sesi e o Sebrae têm atuado de forma muito forte.

O Otimista – Quanto ao hidrogênio verde, considerado o combustível do futuro e importante pauta no Ceará, o que dificulta a expansão comercial do setor no Brasil?

Lauro Chaves – Em primeiro lugar, a segurança jurídica. Nós precisamos, urgentemente, no Brasil, aprovar o marco regulatório para a produção do hidrogênio verde, para a eólica offshore, que é um insumo para a produção do combustível. Nós temos que acelerar a questão do reuso da água para que o hidrogênio verde consiga reutilizar uma água que hoje pode estar sendo jogada no oceano, a água de esgoto e assim por diante. Em segundo lugar, nós dependemos da velocidade na inovação industrial no uso do hidrogênio verde. Quanto mais rápido isso acontecer em máquinas e equipamentos, nos processos industriais, no transporte, na logística, mais rápida será expansão comercial potencializada do hidrogênio verde.

O Otimista – Quais segmentos devem ganhar destaque no Brasil em 2024?

Lauro Chaves – De um lado, temos aqueles setores ligados à transição energética. De outro, temos o setor de bens de consumo de massa. Em nosso País, a desigualdade territorial e a desigualdade social são enormes. Então, a maior parte da população tem orçamento familiar de até cinco salários mínimos. Esse setor, que vende para essa grande massa consumidora, deverá vender bem mais em 2024 e 2025. Pois existe o horizonte de ganho do salário mínimo, de ganho com as aposentadorias, do fortalecimento de programas de transferência de renda. Tudo isso vai fazer com que essa massa da população mais vulnerável tenha um incremento de renda nos próximos anos.

O Otimista – O Brasil está caminhando para ser um país menos desigual?

Lauro Chaves – O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. A nossa desigualdade é extrema, tanto social como territorial, e isso é uma das principais mazelas do País. Reduzir a desigualdade extrema deveria ser uma das grandes prioridades do Brasil. A grande parcela da população tem um poder de consumo pequeno e, ao reduzir o mercado interno, você reduz a possibilidade de crescimento da economia brasileira, principalmente das pequenas e médias empresas. Na minha visão, só com o desenvolvimento do capital humano, em uma geração mais equilibrada territorialmente de oportunidades, que nós teremos uma redução contínua e sustentada da desigualdade. Ter mais investimentos, não só em universalizar a educação, mas ter padrões internacionais de qualidade de educação para o ensino fundamental, para o ensino médio, para o ensino técnico e para o ensino superior. Sem educação de qualidade, não chegaremos a lugar nenhum. A geração equilibrada de oportunidades é fundamental.

O Otimista – O senhor já publicou oito livros, entre os quais está uma coletânea de artigos sobre sustentabilidade, economia, desigualdade, gestão, entre outros temas…

Lauro Chaves – Esses livros traduzem muito a questão de gestão. Tem livro que atua sobre gestão empresarial, desenvolvimento econômico, sobre pobreza e desigualdade, desenvolvimento industrial cearense, as práticas de sustentabilidade. Então, quando nós colocamos aquilo que nós vivenciamos dentro das organizações, aquilo que nós traduzimos e adaptamos, criando conceitos e fundamentos em forma de livro, isso possibilita que o conhecimento seja multiplicado. Todos nós que atuamos na vida acadêmica temos que ter amor no nosso cotidiano, ao transmitir aos outros, aos estudantes, aos empresários, aos trabalhadores, a todos aqueles que convivem, que atuam, os nossos conhecimentos, para que nós possamos contribuir para o desenvolvimento da nossa cidade, estado, país.

O Otimista – Como o senhor consegue conciliar trabalho, família e lazer, sendo um homem com tantas atribuições?

Lauro Chaves – A gestão do tempo é uma das mais importantes habilidades que devemos ter. Sempre é bom lembrar que o tempo é o que há de mais democrático no mundo. Cabe a nós saber administrar, fazer uma melhor gestão do tempo e conseguir aproveitar esse tempo da melhor maneira possível. A primeira coisa que devemos fazer é cuidar muito bem do nosso corpo e da nossa mente, para que possamos conseguir desenvolver com plenitude as nossas capacidades, alcançar realizações. Essa é a primeira lição. A segunda é que nós temos que ter muita organização e disciplina, para podermos definir e executar nossa prioridades. Todo aquele que não define prioridade não faz nada. Na verdade, precisamos conseguir conciliar trabalho, família, amigos e lazer, porque famílias e amigos são as maiores dádivas que Deus nos deu. Fazer aquilo que gosta, o que lhe dá satisfação, que dá retorno e que você possa também contribuir para o bem da sociedade.

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