Dados do Imposto de Renda evidenciam aumento da desigualdade
Cofecon realizou debate com o economista Sergio Gobetti. Estudo feito com base nestes dados revela que a parcela da riqueza do 1% mais rico da população cresceu de 20,4% para 23,7% em cinco anos
O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira (14) um debate, no qual o economista Sergio Gobetti mostrou como os dados do Imposto de Renda das Pessoas Físicas evidenciam o aumento da desigualdade de renda no Brasil. O evento ocorreu na sede do Cofecon, no espaço “Memórias e Futuro da Economia Brasileira”, recentemente inaugurado, e pode ser assistido na íntegra clicando AQUI.
A desigualdade nos dados do IRPF
“O diagnóstico de que o Brasil é um país desigual não é novo, mas há 15 anos alguns estudiosos passaram a identificar o que se supunha ser uma melhora na distribuição de renda. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostravam que o rendimento dos mais pobres, impulsionada pelas transferências de renda e pelo aumento do salário mínimo, estava crescendo acima da média”, explicou Gobetti. “Os dados do Imposto de Renda revelam, a partir de 2015, que a desigualdade de renda (e, principalmente, a concentração no topo) é maior e mais estável do que pensávamos com base nas pesquisas domiciliares. Segundo nosso estudo, ela cresceu entre 2017 e 2022”.
“Os dados do Imposto de Renda revelam, a partir de 2015, que a desigualdade de renda (e, principalmente, a concentração no topo) é maior e mais estável do que pensávamos com base nas pesquisas domiciliares. Segundo nosso estudo, ela cresceu entre 2017 e 2022”.
Sergio Gobetti, pesquisador do Ipea e e assessor econômico da SEFAZ-RS
Em anos anteriores, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) levaram a acreditar que a concentração de renda no Brasil estivesse em queda. Os dados do IRPF mostraram uma realidade diferente. “A renda dos mais pobres cresceu entre 2001 e 2015. A dos mais ricos também cresceu. Houve um achatamento da classe média e a desigualdade não diminuiu como imaginávamos”, observou Gobetti. “As políticas de transferência de renda são insuficientes para amenizar a desigualdade, e o papel da progressividade tributária foi menosprezado nas últimas décadas”.
A fim de reduzir a desigualdade, o economista aponta que o gasto público é eficiente para aumentar a renda dos mais pobres, mas a tributação é que deve atingir os mais ricos. “Não se pode reduzir a desigualdade sem tocar no topo da pirâmide. Não se resolve somente a partir da base”, argumentou. Gobetti defendeu a tributação sobre lucros e dividendos, apontando que o Brasil é um dos poucos países em que isto não acontece e que o governo anterior enviou um projeto ao Congresso Nacional neste sentido. “O projeto acabou sendo desfigurado durante a tramitação, por causa do lobby das corporações, e as alterações foram aprovadas por parlamentares de todos os matizes ideológicos”.
“Não se pode reduzir a desigualdade sem tocar no topo da pirâmide. Não se resolve somente a partir da base”
O economista defendeu também a redução da tributação dos lucros das empresas. “O Brasil tem uma das mais altas alíquotas de tributação de pessoa jurídica. Isso é um problema. No mundo, a tendência tem sido o contrário. É uma guerra fiscal internacional”, comentou Gobetti. “O Brasil tem uma completa jabuticaba tributária, isenta a pessoa física e tem uma alíquota que afugenta investidores estrangeiros. Além disso, há uma literatura que mostra que o imposto é sobre o lucro da empresa, mas quem paga? O acionista da empresa? Às vezes o dono consegue transferir a incidência deste imposto para consumidores e trabalhadores”.
Por fim, Gobetti apresentou dados mostrando que a renda do capital, desde 2017, cresceu mais que os salários; a renda da atividade rural, para os 0,1% mais ricos, cresceu acima de 200%. “Os salários cresceram empatados com a inflação, mas os lucros e dividendos cresceram muito acima. A atividade rural favoreceu quem opera no mercado internacional, com o preço da soja crescendo”, pontuou.
Por fim, o economista apresentou os dados da concentração de renda nos últimos cinco anos: os 0,1% mais ricos detêm 11,9% da riqueza (contra 9,2% em 2017); o 1% mais rico, 23,7% (contra 20,4% em 2017); e os 5% mais ricos, 39,6% (contra 36,5% em 2017) – o que significa que a parcela dos 95% mais pobres caiu de 63,5% para 60,1%. “Quanto deste aumento da concentração é estrutural e quanto é transitório?”, questionou. “É preciso ampliar a progressividade do imposto de renda. Criar alíquotas mais elevadas sobre as rendas já tributadas não basta; é preciso revisar muitas das isenções atualmente vigentes, começado pela dos lucros e dividendos, mas englobando outras modalidades”.
“É preciso ampliar a progressividade do imposto de renda. Criar alíquotas mais elevadas sobre as rendas já tributadas não basta; é preciso revisar muitas das isenções atualmente vigentes, começado pela dos lucros e dividendos, mas englobando outras modalidades”.
Comentário
Ao comentar a exposição de Gobetti, o conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda afirmou que a primeira mudança em 2023, na comparação com o período 2016-2022, está no papel do Estado. No governo anterior, muitas funções estavam concentradas no Ministério da Economia. “O governo atual restabeleceu as funções clássicas da Fazenda e Planejamento, recriou em novas bases o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e criou o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Isso proporciona uma nova estrutura de governança para a política econômica, mais abrangente em relação ao que vinha sendo praticado”, expressou.
Lacerda também falou sobre a importância de programas estruturantes, como o Novo PAC e o Nova Indústria Brasil. “É um plano da chamada neoindustrialização. Por que neo? Não é somente para reverter a desindustrialização, mas agregar novas áreas ligadas à economia verde, economia digital e à inclusão das pessoas”, comentou. “A coligação deste programa com o novo PAC e o plano de transição energética é um ponto de partida significativamente para a transição climática”.
“É um plano da chamada neoindustrialização. Por que neo? Não é somente para reverter a desindustrialização, mas agregar novas áreas ligadas à economia verde, economia digital e à inclusão das pessoas”.
Antonio Corrêa de Lacerda, conselheiro federal
O economista também falou de outras medidas do governo, como a aprovação do novo arcabouço fiscal, a retomada do Bolsa Família, o reajuste na tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, a retomada de uma política de reajuste real do salário mínimo e a queda do número de pessoas em vulnerabilidade – de 65 para 45 milhões. “É uma parcela expressiva da população, mas chama a atenção a evolução em apenas um ano. A renda per capita vem subindo e foram gerados 2 milhões de empregos formais em 2023”, explicou.