Artigo – Verdade inconveniente

  • 21 de setembro de 2018
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Estamos diante da oportunidade de corrigir uma importante distorção do nosso sistema tributário. O governo federal instituiu o Decreto n.º 9.394, de 30 de maio de 2018, alterando de 20% para 4% a alíquota da tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os concentrados para a fabricação de refrigerantes na Zona Franca de Manaus (ZFM).

A situação anteriormente vigente vinha propiciando um crédito elevado de IPI aos compradores destes concentrados. Na prática, as empresas envasadoras fora da zona franca incorriam numa alíquota de 4% de IPI na venda de refrigerantes, mas, na aquisição de concentrados, elas se creditavam de 20%, o que lhes gerava um incentivo tributário absolutamente incompatível com a situação fiscal do País e a livre concorrência de mercado. Além disso, algumas das empresas faziam uso de medidas de “planejamento tributário abusivo”, que se constituía no superfaturamento na venda e na compra desses insumos com o objetivo de aumentar indevidamente os créditos de IPI, conforme apurado pela Receita Federal do Brasil.

Assim, a mudança específica promovida pelo Decreto n.º 9.394, além de nada alterar os incentivos gerais previstos na constituição da ZFM, corrigiu uma disparidade que prejudicava as contas públicas e a competitividade do setor em nível nacional.

No entanto, o Senado Federal (SF), em sessão de 10 de julho de 2018, aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (SF) n.º 57, de 2018, que susta o Decreto n.º 9.394. Com essa aprovação, a matéria foi destinada para apreciação na Câmara dos Deputados.

De acordo com os dados divulgados pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa, 2018), esse segmento era composto em 2017 por 25 empresas que faturam em torno de R$ 8,7 bilhões na produção e comercialização de concentrados, xaropes, aromas e outros produtos. No subsetor Químico, a atividade de produção de concentrado de bebidas não alcoólicas tem expressiva participação de 88% do total. As compras e insumos por essas empresas somaram R$ 718 milhões em 2017, sendo 30,5% adquiridos localmente, com destaque para o guaraná, gerando uma receita local equivalente a R$ 219 milhões.

Caso as características vigentes nos últimos anos se mantivessem, a tendência observada de fechamento de fábricas regionais poderia continuar e, consequentemente, a concentração de mercado, acentuando o quadro de oligopólio no setor. Considerando o valor de produção e de faturamento mensurado pela Receita Federal para o ano de 2016, a alteração da alíquota representaria um potencial aumento de R$ 1, 6 bilhão de arrecadação aos cofres públicos (ver LACERDA, A.C.; RAMOS, A.P. & SHIROMA, R.Y. A tributação de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus: os impactos do Decreto n.º 9.394 de 30 de maio de 2018 na incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados. Parecer, agosto de 2018).

Neste contexto, há uma verdade, talvez inconveniente, que é o encontro marcado dos próximos gestores com o desafio fiscal brasileiro. É preciso criar uma estrutura sustentável nas contas públicas, melhorando a eficiência tanto na arrecadação quanto nos gastos correntes. No cenário atual, o espaço para incentivos fiscais fica muito reduzido e se torna inexorável a revisão de benefícios concedidos, que, além de questionáveis sob o ponto de vista do retorno econômico e social, mais agravam as distorções do sistema tributário brasileiro do que representam uma solução.

Os princípios do Decreto n.º 9.394 devem ser preservados, pois representam importante evolução para correção de distorções incabíveis, que afetam negativamente as condições de desenvolvimento do País e a sustentabilidade das contas públicas.


Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor, diretor da FEA-PUCSP, sócio-diretor da AC Lacerda Consultores e conselheiro federal do Cofecon. Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo.

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