Artigo – Visões econômicas de mundo em disputa

O esforço de padronizar visões econômicas de mundo, ainda que sempre com algum grau de subjetividade, ganha mais interesse em períodos de disputa eleitoral. As pessoas em geral não escolhem de modo racional nem têm consciência da integralidade de sua própria visão de mundo. Ela é formada, em grande medida, por identificação com seus afetos, mas vão para o embate e condicionam a própria vida e a dos outros.

Libertários: São cidadãos do mundo, cuja referência e empatia seriam com grupos globalizados, com estilos de vida que admiram. Não se importam com as condições da população e acreditam numa incapacidade, imutável, de um país como o Brasil alcançar qualidade de vida para todos comparável à das nações hoje desenvolvidas. Nesse contexto, o Estado deve ser dimensionado no mínimo necessário para garantir os direitos de propriedade e o cumprimento dos contratos. Mercado totalmente livre, produzindo o que for mais competitivo e trocando o excedente pelo que outros consigam produzir melhor.

Neoliberais: Se veem como herdeiros do liberalismo clássico inglês, embora em condições históricas muito diversas, uma vez superados os privilégios da nobreza nos séculos XVIII e XIX, que aqueles combateram para viabilizar o desenvolvimento econômico. Acreditam na possibilidade desse desenvolvimento em um país como o Brasil, mas que o ativismo do Estado apenas dificultaria. Políticos e funcionários públicos têm interesses pessoais, ligados ao enriquecimento e ao progresso na carreira, que predominariam sobre as medidas mais adequadas para o país. Por isso, além de assegurar estabilidade, os neoliberais podem aceitar apenas algumas políticas horizontais, como os investimentos públicos em educação e agências reguladoras de preços abusivos e outras práticas nocivas à população.

Desenvolvimentistas: Não acreditam que o Estado neoliberal seja suficiente. O crescimento pode ser muito lento, pela debilidade de incentivos em um contexto de elevada incerteza sobre os lucros futuros, ou concentrador de renda. Elevar satisfatoriamente o ritmo de crescimento e a qualidade de vida de todos seriam melhores objetivos econômicos, os quais demandariam um ativismo estatal maior. Gastos públicos estrategicamente planejados em infraestrutura e em ciência e tecnologia e incentivos a setores de grande potencial de ganhos de produtividade e geração de ocupações de alta remuneração são políticas defendidas pelos dessa visão econômica. Existe uma controvérsia interna fundamental: enquanto os novos-desenvolvimentistas priorizam a prática do que chamam taxas de câmbio competitivas – aquelas que incentivariam ao aumento da produção e da produtividade internas – os sociais-desenvolvimentistas ponderam que as perdas de curto prazo no poder de compra da população podem não ser compensadas por ganhos expressivos e generalizados de produção e produtividade, em uma estrutura produtiva com a defasagem tecnológica como a do Brasil.

Comunistas: Muitos são, mas não se definem como tal; mais ainda não são, mas são assim rotulados. O fato é que, para os comunistas, a economia de mercado seria uma fase transitória do desenvolvimento das forças produtivas, que será superada por uma economia não mais controlada pela classe capitalista, mas por uma vanguarda da classe operária, que constituirá o Estado socialista. Tal visão os leva a apoiar intervenções sem limites do Estado, seja regulamentando, seja produzindo diretamente, avaliando que assim a economia de mercado estaria se aproximando de uma economia socialista.

Em termos de participação político-partidária, os comunistas e os desenvolvimentistas sociais-democratas integram os chamados partidos de esquerda. No Brasil atual, os sociais-democratas têm sido hegemônicos na esquerda em geral. Mesmo para os comunistas, essa superação da economia de mercado, ao estilo leninista, tem sido tratada como um objetivo cada vez mais distante e relativo. As utopias da esquerda, no país, têm se voltado muito mais para modelos como o dos países nórdicos. A simpatia e admiração a personalidades, atuais ou passadas, de perfil comunista mais ortodoxo, vêm sendo determinadas, principalmente, por verem nelas atributos pessoais como combatividade, idealismo e humanismo, sem a pretensão de reproduzir seus métodos e políticas.

Fernando de Aquino Fonseca Neto – Conselheiro do Cofecon e Doutor em Economia pela UnB

  • Artigo publicado no site da Carta Capital, em 08/11/2018.
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