Artigo – Telhado de vidro

Passou-se um mês da eleição e falta outro tanto para o presidente-capitão deixar sua condição de animador de redes sociais e começar a governar um país com 210 milhões de pessoas que demandam empregos; rendimentos dignos; educação e saúde pública e gratuita de qualidade; políticas públicas que reduzam a enorme desigualdade social; entre tantas outras necessidades.

Um mês após sua eleição, Bolsonaro deixa claro quem dará as cartas em seu governo: primeiramente, o mercado financeiro, com os inúmeros liberais de Chicago nomeados; seguido dos militares, com cinco ministros já devidamente convertidos ao liberalismo econômico; o Judiciário “morista”; o Centrão, com os três ministros do DEM; e Olavo de Carvalho, o filósofo das mentes místicas, que nomeou os ministros das Relações Exteriores e da Educação.

O primeiro, Ernesto Araujo, discípulo de Trump, prega o combate à globalização econômica, a mesma endeusada pelos economistas de Chicago, amigos de Guedes, mas hoje, pasmem, comandada pelo marxismo cultural. O segundo, o colombiano Vélez Rodriguez, prega o combate à doutrinação de índole cientificista (sic). Sob o argumento de combater a doutrinação nas escolas, instituirá a doutrinação religiosa-cultural, a cartilha do pensamento único da extrema direita cristã. Proporá a substituição dos livros didáticos por um único livro, a Bíblia?

Já Paulo Guedes, inaugurando seu estilo arrogante/autoritário, sugeriu que se desse uma “prensa” no Congresso Nacional para que este aprovasse já a Contrarreforma da Previdência e disse que “será dos parlamentares a responsabilidade por uma eventual volta do PT ao poder”. Premonição?

A partir de 1º de janeiro, o capitão-presidente descobrirá rapidamente que as fakenews e os argumentos rasos e simplistas podem ter sido úteis para sua eleição, mas não ajudarão muito para resolver os graves problemas que afligem milhões de brasileiros. E de pedra mal polida, tornar-se-á telhado, e, no andar da carruagem, telhado de vidro.

Júlio Miragaya é vice-presidente da Associação dos Economistas da América Latina e do Caribe (AEALC). 

  • Artigo publicado no Jornal de Brasília em 28/11/2018.
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