Artigo – Metrópole Brasileira e Exclusão Feminina
Por Ana Cláudia Arruda Laprovitera – Economista, mestre em economia CEDEPLAR-UFMG, doutora em Planejamento Urbano-UFPE e presidente do CORECON-PE
Na antiguidade clássica o termo “Metrópole” era usado para indicar as mais importantes cidades gregas. No período mercantilista europeu, a expressão “metrópoles”, passou a ser usada para indicar as nações mais importantes econômica e militarmente e que dominavam a revolução comercial e que, por conseguinte, detinham militar e comercialmente suas colônias para obtenção de matérias primas agrícolas e minerais e escoamento de parte de seus produtos. No mundo contemporâneo, fundamentalmente marcado pela “sociedade urbana”, o termo metrópole passou a representar os grandes aglomerados humanos de vizinhança de poder político e grande dinâmica econômica, influenciando novos padrões de comportamentos humanos e novas formas de relações sociais e políticas em várias esferas e escalas geográficas.
Uma das melhores definições para a metrópole do mundo moderno é a do geógrafo francês Guy Di Méo (2008), ao interpretar a metrópole por sua função social, apontando-as como “mães possessivas: híbridas e multirraciais e grandes disciplinadoras e organizadoras dos novos espaços geográficos”. Destarte, enfatiza sua função como importantes interlocutoras de outros espaços e responsáveis por uma série de novas funções econômicas, sociais, culturais, políticas e ideológicas. Irradiando seus efeitos, a metrópole cria também polarizações secundárias, ou seja, cria novas centralidades parciais no seu entorno. E, continua o autor: “a palavra“metrópole”, sabe-se, contém em si a figura e os conceitos de “pólo”, isto é, pivô sobre o qual gira uma coisa. Todavia, como desdobramento natural desta função dinamizadora, “pólo” é também ponto que atrai e potencializa novos efeitos econômicos (pólo de atração) como espécie de campo magnético. Ainda sobre o conceito de metrópole moderna, George Simmel, em artigo publicado no ano 1903, intitulado A Metrópole e a Vida Mental, destaca os estímulos existenciais especiais que envolvem a vida das pessoas que habitam as metrópoles, bem como o poder de atratividade, de sofisticação e de estilo de vida metropolitana. Para Simmel “a metrópole sempre foi a sede da economia monetária. E o dinheiro é quem domina a metrópole”.
Neste contexto amplo e histórico, registre-se, todavia, a forma especial e precária como vem se dando a ocupação urbana nos municípios de influência ou nas “franjas” das metrópoles latino-americanas e brasileiras, marcada por uma baixa qualidade de vida e organização urbanística. A quantidade de assentamentos irregulares (favelas, mocambos, palafitas, etc), decorrentes da expansão habitacional extremamente precária e com insuficiência de infraestrutura urbana e de oferta de serviços sociais básicos ou de planos habitacionais para as populações de baixa renda que ali se amontoam, marcam a lamentável ausência de serviços governamentais básicos e de controle urbanístico desses territórios. A quase totalidade dos trabalhadores precarizados, assalariados de baixa renda ou informalizados que moram nesses bairros pobres da periferia urbana habitam em favelas, pela ausência da função organizadora e protetora do aparelho do Estado, precariamente e sem disciplina mas por necessidade de sobrevivência, logo e de forma indisciplinada alteram a natural estrutura espacial ali encontrada, buscando atender às crescentes demandas de infraestrutura social básica.
Essa alta precarização do trabalho é, também, acompanhada de sua alta volatilidade, fato este que aumenta, ainda mais, a fragmentação social provocando impactos na morfologia metropolitana de forma abrupta. O mercado de trabalho vem sofrendo transformações radicais ao longo das últimas décadas com o surgimento de rápidas inovações tecnológicas geradoras de alto desemprego do fator humano afetando as relações de produção, com a exigência de colocações altamente especializadas e intensivas em conhecimento, difícil de serem aprendidas naqueles espaços vulneráveis e precarizados. Assim, mesmo a mão de obra pouco especializada ali existente, é voltada para serviços de baixa qualificação e remuneração, a exemplo dos serviços domésticos, transporte manual de mercadorias, de limpeza, manutenção, vigilância, comércio de feirantes, etc. Em geral, são atividades de baixa produtividade, baixa remuneração e precárias do ponto de vista trabalhista, tendo em vista, inclusive, a pouca fiscalização do Estado no que diz respeito ao cumprimento da legislação específica vigente.
As grandes cidades brasileiras são marcadas por grandes contradições internas intraurbanas, o que consolida um modelo de desenvolvimento urbano dicotômico, podendo ser caracterizado como “dual” ou “fractal”. O modelo de desenvolvimento urbano “dual” ou “fractal” é caracterizado por grandes desigualdades econômicas e sociais, sendo fenômeno típico dos países latino-americanos e que aparece com grande intensidade nas capitais brasileiras. Ressalte-se, ademais, que tal modelo precário de vida humana e de crescimento anti-social tende a impactar na configuração da estrutura espacial da metrópole afetando sobretudo e mais fortemente os segmentos de populações mais frágeis. É aí onde aparecem os segmentos ultra-flagilizados de meninas e mulheres pobres e da periferia urbana e que pela condição fisiológica e histórico-social de gênero ficam expostas a maiores limitações e sofrimentos pessoais e familiares e vítimas preferenciais e frágeis da violência humana. É neste espaço que a sociedade brasileira se defronta com o principal segmento da população humana fragilizada e desprotegida e carente de atenções especiais do Estado. Vê-se, dentro ponto de vista de gênero, o grande número de mulheres jovens latino-americanas (de 15 a 24 anos) desesperançadas, que não estudam e não trabalham, e cujo número é estimado em cerca de 12,5 milhões, ou seja, 27% da população total. Nessa mesma faixa etária, os homens representam número menor, de 7,5 milhões, 14% do total. Assim, vê-se que a proporção de mulheres que não estão inseridas no sistema educacional e no mercado de trabalho é mais do que o dobro da fração de homens. No Brasil, as mulheres que se enquadram na ora citada categoria “fragilizada” representam 28% do total, ou seja, 10 pontos a mais do que os homens. Registra-se que um dos fenômenos determinantes para essa situação (mulheres que não estudam e não trabalham) é a gravidez indesejada na adolescência, que termina impactando de forma ainda mais trágica na vida e no futuro dessas mulheres, e de forma permanente.
De acordo com estudo da OIT- Organização internacional do Trabalho em 2018, a taxa mundial entre os homens que estão no mercado de trabalho formal é de 75%, contra percentual de apenas 48,5% entre mulheres, 26,5% mais baixa que a dos homens. No Brasil, de acordo com o Ministério do Trabalho o percentual de mulheres no mercado de trabalho formal é de 45%. Ademais, sabe-se que a maior parte das mulheres que está no mercado de trabalho realiza serviços de baixa complexidade e remuneração, não obstante o avanço da escolarização feminina. O que se observa, portanto, é que o aumento da precarização do trabalho (frente às desregulamentações trabalhistas) combinado com habitações precárias nas periferias urbanas e nos grandes bolsões de pobreza intrametrópole, onde essas mulheres possam se inserir de forma competitiva e extremamente exploratória, sendo ainda as vítimas especiais das condições sociais míseras da elevada pobreza urbana onde residem, combinada aos elevados índices de criminalidade e a violência machista a que estão sujeitas. Ressalta-se que a falta de segurança e cultura machista desrespeitosa e agressiva contra as mulheres que atinge grande parte das mulheres brasileiras e sul-americanas se acentuam nas periferias e nos grandes bolsões de pobreza do país.
Por outro lado, o modelo de grande cidade, com necessidades de grandes deslocamentos humanos e precaríssimos meios de transporte intra e interurbanos e grandes bolsões de pobreza periféricos e intra-metrópole não atende e fragiliza ainda mais as necessidades da maioria das mulheres, que ainda se encontram deslocadas tragicamente na base da pirâmide capitalista. As graves deficiências nos chamados serviços sociais básicos (saúde, educação e segurança) e na infraestrutura urbana (saneamento básico, saneamento ambiental, limpeza pública, mobilidade urbana adequada nos transportes coletivos, iluminação urbana, etc.), transformam-se em formas violentas de opressão devastadora e que recaem em especial sobre as mulheres jovens e idosas deste país. Torna-se urgente, portanto, um olhar mais atento objetivando criar e executar agenda de inclusão social humana efetiva com ênfase no combate à pobreza e à violência a que estão submetidas as meninas e mulheres brasileiras, o que requer um esforço urgente e maior de visão humanística e de planejamento e de ação efetiva mais forte no aprovisionamento de infraestrutura física e de serviços sociais básicos nas áreas urbanas periféricas das metrópoles brasileiras.