Artigo – A demonização dos déficits fiscais
É impressionante como tem sido veiculado, no debate público no Brasil, sobretudo atualmente, que déficits públicos são sempre prejudiciais à economia. Essa ideia é tosca até mesmo para a iniciativa privada e os orçamentos familiares. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em que pese o seu importante papel como disciplinadora da gestão fiscal, em certo sentido dificulta a eficiente condução da política fiscal. Um princípio amplamente compartilhado pelos economistas, ainda que com algumas exceções, é que a ela deva ser anticíclica – deficitária nos períodos de recessão e superavitária nos períodos de expansão, de modo a mitigar o desemprego no primeiro caso e as pressões inflacionárias no segundo.
O que muitos economistas questionam, com propriedade, é a capacidade e interesse do governo em implementar os superávits nos períodos de expansão. Entretanto, por mais inusitado que possa parecer, o governo, eventualmente, pode estar agindo corretamente ao não conter gastos, mesmo em períodos de prosperidade, pois pode estar seguindo outro princípio fiscal, também consensual entre os economistas, qual seja, o de que gastos ou subsídios com pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura, desonerações, podem promover um aumento futuro do PIB que gere suficiente arrecadação para cobrir a despesa pública original, sendo ainda mais indicados em períodos de recessão como o atual. Tais condições, ao lado de outras, como necessidades de despesa e frustração de receitas imprevisíveis em um dado período, conferem uma dinâmica à gestão fiscal muitas vezes incompatível com as regras e ritos de nossa LRF. Por isso, aprimoramentos na LRF, no sentido de maior flexibilização para possibilitar mais adequada execução da política fiscal, certamente são desejáveis.
Os governos no Brasil têm sido sistematicamente pressionados a fixar e cumprir, monotonamente, metas de superávit primário, referentes a um calendário gregoriano, independente do ciclo, dos gastos que se pagam, das receitas e despesas imprevisíveis. Para cumpri-las, ele pode se ver compelido a adiar alguma despesa para período posterior, as tão comentadas “pedaladas fiscais”, sem que isso tenha que representar um descontrole de contas públicas. Tanto é assim que os fluxos fiscais e a dívida pública ficaram longe disso até 2014.
A partir de 2015, outros fatores passam a concorrer para descontrolar a situação fiscal, sobretudo a retração de receita pública decorrente da queda do consumo e dos investimentos, dentre outros fatores em resposta à crise política. Em tais circunstâncias, a dívida bruta do governo geral em percentual do PIB se elevou 9 p.p. em 2015, atingindo 67%. Mesmo assim, ainda continuamos abaixo de muitos países, de diversos níveis de desenvolvimento, em particular dos maiores países desenvolvidos, como Japão (229%), Itália (132%), EUA (104%), França (96%), Reino Unido (89%) e Alemanha (72%), dentre estes, apenas o último teve redução em 2015.
Não obstante, grande parte dos economistas acha que a política fiscal brasileira não deve ser diferente, pois acreditam que: (i) Como a taxa básica de juros necessária para manter o controle da inflação é mais alta que a taxa de crescimento do PIB, superávits primários são a forma da dívida pública não se tornar explosiva; (ii) Aumentos de gastos públicos não estimulam o consumo nem os investimentos, pois geram a necessidade de aumentos de impostos no futuro, fazendo com que os agentes não aumentem seu dispêndio para poderem pagar tais impostos adicionais; (iii) Estes aumentos de gastos públicos nunca estimularão a atividade econômica, apenas expulsarão os investimentos privados para direcionar os recursos para funcionários públicos, reduzindo a produtividade geral da economia.
Contudo, (i) Vale mesmo a pena o custo social de tanta contenção de gastos públicos para viabilizar taxas de juros tão altas, pelo possível benefício de poucos pontos percentuais anuais a menos de inflação? (ii) Os agentes alcançados pelos gastos do governo serão os mesmos que pagarão eventuais impostos adicionais futuros? Com a economia crescendo, será mesmo necessário esse aumento de impostos? (iii) Nenhuma modalidade de gasto público, mesmo em promoção de inovações, capacitação e infraestrutura, estimula a atividade econômica, sempre retraindo os investimentos privados? Nunca existem recursos ociosos que possam ser mobilizados por gastos públicos estrategicamente destinados a tal fim?
Fernando Aquino – Conselheiro do Conselho Federal de Economia