A visão feminina do cenário econômico
Tributação, moedas digitais, mulheres no pensamento econômico e cargos de direção foram alguns dos temas discutidos por Débora Freire, Simone Deos, Ana Cláudia Arruda e Luciana Acioly no 2º Seminário da Mulher Economista e Diversidade
A segunda mesa do 2º Seminário Mulher Economista e Diversidade, realizada na manhã de 13 de setembro na Universidade Federal de Minas Gerais, teve como tema “As mulheres economistas na análise da economia mundial” e destacou não apenas a visão feminina do cenário econômico, mas também seu papel no trabalho de pesquisa e análise. Tributação, moedas digitais, mulheres no pensamento econômico e cargos de direção foram alguns dos temas discutidos por Débora Freire, Simone Deos, Ana Cláudia Arruda e Luciana Acioly. A mesa de debates teve mediação de Maria de Fátima Miranda e comentários de Poema Ísis Andrade de Souza e pode ser assistida clicando AQUI.
O seminário foi organizado pela Comissão Mulher Economista e Diversidade do Cofecon, coordenada pela conselheira Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, em parceria com o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, presidido pela economista Valquíria Assis, e com outros Corecons.
Débora Freire
Débora Freire, subsecretária de política fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, falou de cooperação tributária internacional. Apesar de não parecer haver uma conexão direta com gênero, é difícil encontrar questões que não se entrelacem”, afirmou. Ela ressaltou que, no âmbito do G20, o Brasil teve um papel inovador ao trazer a desigualdade para o centro das discussões financeiras. “A desigualdade tem crescido de forma alarmante nas últimas três décadas”, alertou, citando dados que mostram que 0,001% da população global acumula 13% da riqueza.
Débora discutiu as dificuldades de uma tributação progressiva frente às mudanças tecnológicas e à mobilidade do capital, que têm facilitado a evasão fiscal, especialmente por parte das grandes corporações. “A tributação não tem conseguido barrar esse crescimento da desigualdade”, disse. “Precisamos de cooperação tributária internacional para garantir a progressividade dos sistemas tributários”.
Em um apelo por justiça tributária, ela pontuou que a carga tributária frequentemente recai mais sobre os mais pobres, que são predominantemente mulheres. “Sistemas tributários são regressivos, e bens de uso feminino, como absorventes e anticoncepcionais, não são considerados essenciais, o que revela um viés de gênero na tributação”, argumentou. E concluiu falando sobre a proposta de uma alíquota mínima de 15% para as multinacionais e a necessidade de tributar os super ricos.
Débora Freire Cardoso é doutora em Economia pelo CEDEPLAR/UFMG. Tem experiência em política fiscal e desigualdades e atua como professora adjunta na UFMG e é integrante do Programa de Pós-graduação em Economia do CEDEPLAR. É Subsecretária de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Simone Deos
Simone Deos, pesquisadora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, trouxe reflexões sobre questões monetárias. “Se não tivermos clareza do que é a moeda e do que são esses desafios, não conseguiremos superá-los”, expressou, fazendo referência a questões como crescimento ambientalmente sustentável, desigualdade, empregos de qualidade, inflação, instabilidade financeira e digitalização dos sistemas monetários.
“É um assunto que pouco se discute e, de forma específica, a transição para as moedas digitais dos Bancos Centrais. Os economistas e a sociedade não têm ideia do que está se passando e das escolhas políticas que estão sendo feitas. São tecnologias que nos permitiriam democratizar o acesso à moeda e não é o caminho que vem sendo feito”, alertou. “A moeda é indissociável do poder e, mais modernamente, dos Estados nacionais. Ela não é algo natural”.
Simone também abordou a importância da democratização da moeda e da necessidade de uma política monetária que não apenas controle a inflação, mas que também promova um desenvolvimento mais equitativo e sustentável. A economista concluiu pedindo uma revisão crítica das práticas atuais e uma maior participação da sociedade na definição das políticas monetárias. “O que veio após Bretton Woods foi o neoliberalismo, que embotou nossas mentes. O monetarismo, novo consenso macro, a dominância monetária, o regime de metas, o banco central independente, o padrão de regulação bancária de Basileia, isso é o que compõe uma moeda, um sistema monetário e uma forma de gestão”, afirmou. “O Banco Central tomou um caminho de implantação da moeda digital que nos torna reféns do sistema financeiro. Não poderemos acessar a moeda diretamente do balanço do Banco Central, mas do sistema bancário. É uma escolha política completamente antidemocrática”.
Simone Deos é pesquisadora sênior no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Com graduação e mestrado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e pós-doutorado no Levy Economics Institute, Simone é também Livre-Docente pelo Instituto de Economia da Unicamp.
Ana Cláudia Arruda
A vice-presidente do Corecon-PE Ana Cláudia Arruda falou sobre a ciência econômica como algo produzido pelos homens e que serve aos homens. “O debate em torno da ciência econômica, amplamente dominada por homens, precisa ser ampliado para incluir uma perspectiva feminina que, historicamente, tem sido marginalizada”, comentou. “A baixa representatividade feminina na ciência econômica impede a formulação de perguntas e pesquisas que abordem questões como desigualdade social, pobreza extrema e crise ambiental. A contribuição das mulheres nessa área é fundamental, mas ainda enfrenta barreiras estruturais e culturais”.
A economista trouxe à tona a obra de três pensadoras influentes: Silvia Federici, Saskia Sassen e Hélène Périvier. Federici aborda a exploração das mulheres pelo capitalismo, destacando a apropriação do corpo e do trabalho femininos. Sassen discute as exclusões geradas pela economia global, com foco nas mulheres e migrantes, enquanto Périvier critica o modelo formal da economia, propondo uma abordagem feminista para a disciplina. Também caracterizou as mulheres frente à economia contemporânea como sendo “as grandes administradoras da escassez e da pobreza”.
Arruda citou que a economia é a ciência social com menor participação feminina e, ao questionar os motivos, falou sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres. “Elas encontram aí o chamado teto de vidro. A União Europeia tem um programa de equilíbrio de gênero levando economistas e professoras de economia para dentro de programas de governo. Isso tem que ser uma política provocada, ativa. É preciso avançar para que as economistas possam participar mais na formulação de políticas no alto nível de governo”. Por fim, Ana Cláudia relembrou o trabalho de mulheres importantes na história da economia, como Jane Marcet, Harriet Martineau, Mary Marshall, Mary Wollstonecraft, Charlotte Perkins, Jeane Adams, Ayn Rand, Rosa Luxemburgo, e outras mais recentes como Gita Gopinath, Pinelopi Gold Berg, Laurence Boone, Beata Javorcik, Janet Yellen e Christine Lagarde, além das brasileiras Maria da Conceição Tavares e Tânia Bacelar de Araújo.
Ana Cláudia Arruda é doutora em Planejamento Regional e Urbano pela UFPE e mestre em Economia pelo CEDEPLAR/UFMG. Atua como professora adjunta no Departamento de Economia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e coordena o MBA de Economia e Negócios da Católica Business School. Ana também é conselheira federal do Cofecon e vice-presidente do Corecon-PE.
Luciana Acioly
A presidente do Corecon-DF, Luciana Acioly, destacou os desafios que as mulheres enfrentam na área de economia, particularmente em setores como macroeconomia e economia internacional. Lamentou a baixa representatividade feminina em cargos de liderança, citando como exemplo o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), criado pelo BRICS. “Foi criado para ser diferente do Banco Mundial nas suas práticas, no modus operandi, um banco para empréstimos de longo prazo que atende a países em desenvolvimento, não apenas do BRICS, e que tenha um compromisso com investimento em infraestrutura”, comentou. “Os cinco países tinham proposto uma agenda de gênero. Menos de 30% dos cargos no NDB são ocupados por mulheres, e elas ainda não estão nas posições mais altas”.
A economista também falou sobre a pesquisa que lidera no Ipea, voltada para a trilha financeira do BRICS, especialmente em relação às iniciativas propostas pela Rússia. “A Rússia defende uma arquitetura mais dependente do BRICS e outros países em desenvolvimento, com menor dependência do aval do FMI para um socorro em caso de crise do balanço de pagamentos”, mencionou. “A Rússia enfrenta o congelamento de 300 bilhões de dólares de suas reservas internacionais, uma sanção unilateral dos Estados Unidos, e a Rússia defende a proposta de fortalecer ou triar outros meios pelos quais as transações internacionais podem ser liquidadas e não apenas o sistema Swift”. Outra iniciativa, dentro do grupo, é a criação de uma moeda comum, mas operando em moeda local. “É uma contribuição para a desdolarização”.
Voltando à atuação no IPEA, Acioly observou que, em sua trajetória, ela frequentemente foi a única mulher em cargos técnicos e de direção. “Na diretoria de macroeconomia, sou a única mulher, e na área internacional, onde já fui diretora, também não há mulheres”, relatou. Ela concluiu sua fala ressaltando a necessidade de políticas mais inclusivas que incentivem a participação feminina em áreas historicamente dominadas por homens. “Precisamos pensar em políticas que façam as mulheres se engajarem nessas discussões”, finalizou.
Luciana Acioly é economista, graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com doutorado em Economia pela mesma instituição, e pós-doutorado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Atualmente é presidente do Corecon-DF e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).