Artigo – A paz na sociedade brasileira

  • 30 de outubro de 2018
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Por que a referência à paz tem sido tão repetida nesses dias em que a extrema direita ganhou as eleições no Brasil?

Direita e esquerda falam da paz. Mas o que é essa paz? No pensamento ela não é possível porque a argumentação se dá pelos contrários que se desenvolvem para um acordo temporário, rápido, e que logo após são novos contrários que se debatem.

Na realidade da desigualdade social também a paz não é possível; como o pobre pode cruzar os braços e matar seus pensamentos de desespero ao ver que seus filhos não têm o que comer, quando um jogador de futebol usa um calçado cujo preço poderia construir sua casa?

Que paz é essa com o Rio de Janeiro e outras capitais em guerra de milícias, em guerra de gangues, com uma vereadora assassinada porque denunciara crimes da polícia?

Por que a insistência com essa paz, com pacificar o país, quando a humanidade sempre foi feita de humanos? A sociedade está dividida! Isso é fato! Por que não se aceita isso?

Os governos irão governar somente se reduzirem a desigualdade social para que as condições mínimas de governabilidade se coloquem na mesa.

A paz é a alienação que se quer para embriagar aqueles que estão à margem das cercas na mira dos tiros; para embriagar aqueles à beira do esgoto na mira das doenças; para embriagar os assentados e índios, enquanto os proprietários se armam; para embriagar as esperanças para que elas não acordem os conflitos. E os conflitos não irão evoluir para os diálogos enquanto o discurso de paz estiver aí para desviar a atenção.

A paz é o dever a ser perseguido pelo cidadão para que ele não se desespere ao ver cada vez mais distante a realização de melhorias em sua vida.

Esse discurso de paz é hipócrita e deve ser desfeito. Não há consenso de que a desigualdade social no Brasil está correta, é merecida pelos pobres e que outros objetivos possam ser mais importantes do que este. A prioridade é reduzir a desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos. Enquanto essa equação não for posta na mesa, não há explicação para essa hipocrisia de paz.

A paz não é de direita, não é de esquerda. A paz não é de estado. Ao contrário, a arte da política é saber ganhar do inimigo e manter-se no poder; não há nada de paz aí. Qual é o sentido de repetir o que não tem significado no mundo em que vivemos? E isso não é incitar a violência. Isso é dar espaço à conscientização política do mundo em que vivemos. Isso é reconhecer a realidade, ter a referência do mundo político, e da nossa responsabilidade na construção política desse mundo.

Chega de discurso mentiroso de paz. Essas eleições últimas mostraram o brasileiro menos temeroso, mais politizado, especialmente a juventude. A leitura da realidade não pode ser interceptada por mentiras.


Maria Aparecida Carneiro é economista.

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