Artigo – BNDES, ‘caixa-preta’ e outras lendas
Um dos mitos que seguem sendo disseminados é sobre a existência de uma suposta “caixa-preta”, que esconderia os dados sobre os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Embora reiteradas vezes desmentida por vários ex-presidentes que passaram pelo banco e de manter em seu site expressiva transparência, essa “lenda urbana” continua sendo repetida. Na verdade, o episódio revela grande preconceito e total desconhecimento da forma de operação desse importante órgão de Estado para o Brasil.
É preciso ficar claro que todas as operações do banco precedem de avaliação criteriosa do seu corpo técnico, formado por profissionais concursados e altamente qualificados. Supor que um determinado presidente ou diretor teria autonomia para conceder empréstimos de risco é desconhecer por completo o trâmite dos projetos na instituição. Uma simples visita ao site do banco evitaria a disseminação de verdadeiras fake news a respeito da sua atuação.
Outro assunto correlato igualmente relevante é quanto ao funding do banco, que conta com repasses do PIS/Pasep ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), dos quais parte é destinada aos seus financiamentos. Especialmente em um momento de crise e atrofia de investimentos como o atual, a preservação de fontes de financiamento para projetos torna-se ainda mais relevante.
A Constituição de 1988 determina que 40% do PIS-Pasep, principal fonte do FAT, seja destinado ao BNDES. Com o efeito da Desvinculação de Receitas da União (DRU), criada em 1994, os repasses foram reduzidos a 28% do total. O banco repassa via empréstimos esses recursos ao setor produtivo, no financiamento de investimentos para infraestrutura, novos empreendimentos e compras de máquinas e equipamentos. Esses recursos representam cerca de 35% das fontes de financiamento do banco. O saldo atual em carteira monta R$ 268,7 bilhões, 83,7% superior ao de 2011, de acordo com o boletim do FAT. Para o ano em curso está previsto o repasse de R$ 18,8 bilhões.
Com as alterações promovidas pelos governos Temer e agora Bolsonaro, está em andamento um processo de devolução de recursos ao Tesouro por parte do BNDES, um montante de R$ 416 bilhões tomados entre 2008 e 2014 que foram utilizados para fazer um contraponto à crise. Desde 2015, já houve a devolução de R$ 330 bilhões, restando um saldo equivalente a R$ 250 bilhões considerando correção e juros. O plano anterior à mudança de governo previa que o BNDES restituísse cerca de R$ 25 bilhões anualmente. No entanto, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, pressiona para que R$ 126 bilhões sejam devolvidos ainda este ano.
A sustentabilidade das operações do banco depende das suas fontes de financiamento. Destaque-se que não há substituto para a atuação do BNDES. No mercado privado inexistem fontes de financiamento de longo prazo e a custos (juros) compatíveis com a rentabilidade esperada das atividades e projetos. Assim, a atuação do banco se revela imprescindível, especialmente em face da longa crise enfrentada pela economia brasileira. Dificultar ou buscar inviabilizar a sua atuação representaria, na prática, adiar a saída da crise e postergar as condições para a retomada do desenvolvimento nacional.
* Artigo publicado em 16 de julho de 2019 no jornal O Estado de S.Paulo (https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bndes-caixa-preta-e-outras-lendas,70002923360)