Artigo – Comércio Internacional e Desenvolvimento Econômico: uma análise a partir da Complexidade Econômica

  •  César Roberto Leite da Silva – Prof. Titular do Departamento de Economia da PUCSP. Artigo publicado na revista Economistas nº 34.

Introdução

Até o início de 1999 o Brasil adotava um regime de taxas fixas de câmbio. Fixas no sentido que era determinada pelas autoridades monetárias, mas reajustadas com frequência. Nesta data adotou-se o regime de metas para inflação – o governo passaria a controlar a taxa de juros e o câmbio seria flutuante.

Mesmo com essa mudança no regime cambial, nota-se que desde a implantação do Plano Real (1994) há uma tendência de apreciação da moeda nacional, o que, em tese, não favorece as exportações. No início dos anos 1990 o saldo da balança comercial brasileira foi sistematicamente negativo, até 2000. Os saldos positivos, registrados desde então, foram alcançados graças ao expressivo crescimento das exportações de produtos agrícolas. Desde 2008 o saldo comercial das manufaturas foi crescentemente negativo.

Além do aumento da participação, em termos físicos, das exportações agrícolas, a elevação dos preços das commodities observada neste período ajudou a elevar o saldo comercial do setor. O sucesso externo do agronegócio, devido às formidáveis vantagens comparativas de seus produtos, ajudou a estabelecer a ideia de que não haveria problemas se o Brasil se caracterizasse como exportador de commodities. Vale lembrar que as exportações de minérios e combustíveis também se elevaram neste período.

Mas surgiram algumas críticas a essa espécie de modelo econômico: a ênfase na produção de commodities, agrícolas e minerais, associada ao Real apreciado, produziram uma forte desindustrialização. Os críticos desta abordagem costumam lembrar que é natural que, ao longo do processo de desenvolvimento, a participação da indústria no produto tenda a diminuir, enquanto a de serviços aumenta. Isto é verdade, mas o que se observa nos países desenvolvidos é uma mudança na qualidade da produção industrial, privilegiando bens mais complexos e que demandam alto conteúdo de pesquisa e desenvolvimento.

A partir destas considerações este trabalho pretende discutir a importância da complexidade econômica no processo de desenvolvimento econômico. O primeiro item aborda sucintamente a relação entre desenvolvimento e industrialização. Em seguida são apresentadas as contribuições do Atlas da Complexidade Econômica para entender o processo de desenvolvimento. Em seguida explora um pouco a evolução da indústria brasileira, refletida nas exportações, sob a ótica da complexidade. Para encerrar, algumas considerações finais.

  1. Desenvolvimento econômico e industrialização.

De forma bem esquemática, pode-se dizer que a literatura que trata do desenvolvimento econômico pode ser dividida em duas vertentes. Para os autores de extração neoclássica o mercado é capaz de promover as transformações necessárias para iniciar um processo de desenvolvimento econômico. Já para os estruturalistas o desenvolvimento só pode ser alcançado com a mudança na estrutura econômica do país, transferindo recursos das atividades com baixa produtividade para os setores com alta produtividade.

Para estes autores [1] as atividades econômicas não são neutras no que se refere à sua capacidade de promover o desenvolvimento. As atividades que têm maior possibilidade de iniciar este processo são as que apresentam retornos crescentes de escala, grande intensidade de inovação tecnológica, divisão do trabalho dentro e entre empresas e externalidades positivas, provocando fortes sinergias. Estas empresas operam, em geral, em mercados não competitivos, apresentam rápido progresso técnico, que é uma característica do alto conteúdo de pesquisa e desenvolvimento, alta concentração industrial e barreiras à entrada. Estes setores são, por excelência, compostos pelas atividades industriais.

Estas características são opostas às que estão presentes nas atividades que geram pouco valor adicionado, frequentemente operam em mercados próximos da concorrência perfeita, têm baixo conteúdo de pesquisa e desenvolvimento e, consequentemente, pouca inovação tecnológica e poucas possibilidades de explorar significativamente a divisão do trabalho e desenvolver sinergias.

Em resumo, a sofisticação e complexificação do tecido produtivo parecem ser características das economias mais desenvolvidas. Mas resta um problema: como testar a hipótese de que o desenvolvimento econômico está associado a uma indústria complexa que não opera em concorrência perfeita e apresenta tantas “falhas de mercado”, como anteriormente citado? E, para complicar, estas ideias não se coadunam com a visão liberal, ou melhor, neoliberal da economia, tão em voga.

  1. Complexidade econômica e desenvolvimento

Pode-se dizer que a resposta a esta questão foi bem encaminhada com a publicação do Atlas da Complexidade Econômica [2], publicação resultado da parceria entre o Media Lab do MIT e da Kennedy School, de Harvard. O trabalho coordenado pelos professores Hausmann e Hidalgo permite avaliar indiretamente a sofisticação da indústria de um país por meio de suas exportações [3].

A complexidade econômica de um país está assentada em dois conceitos: ubiquidade e diversidade dos produtos exportados. Se o país exporta bens não ubíquos e tecnologicamente complexos pode-se concluir que o país tem uma indústria sofisticada com alto teor de complexidade. Vale comentar um pouco estes dois conceitos. A não ubiquidade precisa estar associada à presença de bens que demandam alta tecnologia, como aviões e equipamentos médicos sofisticados, que são produzidos por poucos países. Um contraexemplo são os metais e pedras preciosas, que poucos países exportam mas não demandam conhecimento altamente especializado para sua extração. Já a diversidade se refere a um grande número de produtos exportados com elevada complexidade. Mais um contraexemplo: uma pauta com muitos produtos agrícolas e minerais não são indício de diversidade associada ao desenvolvimento.

As indústrias que produzem bens que exigem grande complexidade no processo e alto conteúdo tecnológico, além de economias de escala, mas também por isso, tendem a apresentar externalidades positivas de rede e de aglomeração. Como consequência, são formadas redes produtivas locais altamente sofisticadas. As empresas pioneiras criam alta dependência de seus clientes (vendor lock-in) justamente porque não operam em concorrência, e o custo, monetário ou não, para trocar de fornecedor seria muito elevado.  Este processo tende a reforçar os nós das redes produtivas locais. Lembrando que uma das características da complexidade econômica é a não ubiquidade de seus produtos, o comércio internacional reforça esta tendência, pois o mercado fica ampliado na proporção dos parceiros comerciais.

Uma característica fundamental destas redes é que são locais, e, portanto, não transacionáveis. Transacionáveis são os produtos que elas fabricam. Com esses elementos não fica difícil perceber a relação entre a exportação de bens complexos e o desenvolvimento econômico.

Analisando a pauta exportadora dos países foi possível medir indiretamente a sofisticação de seus tecidos produtivos. Técnicas de computação, de redes e complexidade, aplicadas a big data, com informações econômicas sobre praticamente todos os países, possibilitaram que os autores do Atlas criassem índices de complexidade econômica anuais (ICE) para cada país, começando em 1963. São registrados valores negativos e positivos. Quanto maior o valor do índice maior a complexidade.

Uma primeira aproximação para testar a relação entre complexidade econômica e desenvolvimento é investigar uma possível correlação entre os índices de complexidade e o PIB per capita, dos países. A figura 1 representa 119 países que, em 2017, tinham essas informações. A linha de tendência ajustada entre os pares de pontos sugere que a relação entre essas variáveis é crescente. Como exemplos, pode-se citar a Suiça, que nesta data tinha um PIB per capita de US$ 80.763, e um índice de complexidade igual a 2,2439, e Malawi, com renda de US$ 325,01 e índice de complexidade de -0,7687. O ponto vermelho na figura 1 representa o Brasil.

Os países conhecidos como emergentes, que aumentaram significativamente suas rendas nos últimos anos, aumentaram a complexidade econômica de suas exportações. Os casos mais emblemáticos são a Coréia do Sul e a China. Países tradicionalmente ricos, como o Japão, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha apresentam elevados e estáveis ICE. Índia e África do Sul têm ICE modestos e relativamente estagnados. Um caso interessante é o Brasil, que, em 1964, começo da série, era o país, entre os considerados, com menor ICE, mas até o início dos anos 2000 mostrou um crescimento consistente. Entretanto, a partir desse período, regrediu consideravelmente (Figura 2).

A complexidade econômica do Brasil               

É possível observar a evolução das mercadorias exportadas pelo Brasil, classificadas segundo a intensidade tecnológica. Na indústria de transformação há 4 categorias: baixa, média baixa, média alta e alta intensidades. As atividades de agricultura e pecuária, extração de minerais metálicos e extração de petróleo e gás natural não estão classificadas como indústria de transformação (NCIT). A conclusão da análise é que nos últimos anos a participação da agricultura e pecuária, da extração de petróleo e gás natural aumentou, enquanto as atividades de alta, média alta, alta e média baixa, quando não declinaram, ficaram estagnadas (figura 3). Este fato é reforçado pela comparação do ICE de 2017, que foi de 0,24, com o de 1998, o mais alto da série, 0,61. Este fenômeno foi batizado de “reprimarização” das trocas internacionais brasileiras (GONÇALVES, 2001) ainda no início dos anos 2000, e, infelizmente, se acentuou desde então.

Pode-se ter uma boa ideia da complexidade econômica de uma mercadoria consultando uma tabela do The Atlas of Economic Complexity, onde os produtos são classificados em 34 comunidades de acordo com seu Índice de Complexidade Médio (Average PCI)[4]  No topo da lista estão as máquinas, com índice de complexidade médio de 2,54, seguidas pelos eletrônicos, 2,25. No final, com os menores índices estão as commodities agrícolas algodão, arroz e soja, entre outras, com -2,25. De modo geral os produtos agrícolas e minerais não processados têm os menores índices de complexidade.

O Brasil aparece como primeiro exportador de produtos agrícolas diversos (APCI – 0,78), segundo exportador de cereais de óleos vegetais (APCI -0,34) e carne e ovos (APCI 0,64)[5]. Comparando um dos anos em que O Brasil apresentou maior ICE, 1997, com 2018, nota-se que no primeiro ano, por ordem de importância na pauta exportadora, estão produtos de baixa intensidade tecnológica, seguidos pelos de média-alta intensidade. Em terceiro lugar estão os produtos NCIT, quase na mesma proporção que os de média-baixa intensidade tecnológica. Por último, modestamente estão os produtos de alta tecnologia, como informática e eletrônica e aeronaves (Figura 4). Em 2018 os produtos NCIT ocupam o primeiro lugar, com folga, seguidos pelos de baixa tecnologia, média-alta e média-baixa. Por último, e ainda modestamente, os de alta tecnologia (Figura 5).

Considerações Finais

A crise econômica brasileira, expressa sobretudo pelo aumento do desemprego e queda do produto, aparenta ser de difícil superação. As medidas de contenção, justificadas pela crise fiscal, operam no sentido pró-cíclico, agravam a situação. A justificativa é que a disciplina fiscal e uma série de reformas, da previdência, trabalhista, tributária e do estado, entre outras, “destravariam” a economia. Passado algum tempo, já há quase um consenso entre os analistas que a ênfase na oferta não basta. É necessário algum estímulo por parte da demanda.

Os envolvidos nessa discussão, em sua maioria, ignoram um aspecto importante: a qualidade da recuperação econômica. Por qualidade entenda-se quais atividades serão responsáveis pela retomada do crescimento. As considerações dos itens anteriores desse texto sugerem que os diferentes ramos da atividade econômica não são neutros quanto aos seus efeitos sobre o desenvolvimento.

A experiência mundial indica que países ricos são países que produzem bens complexos que exigem muita pesquisa e desenvolvimento, e que exportam intensivamente estes produtos. O Brasil trilhou um caminho oposto: os resultados positivos das exportações estão apoiados em commodities. Este fato é um reflexo da evolução da estrutura econômica, que reflui em direção a um passado de já se julgava superado.

Referências Bibliográficas

HAUSMANN, R.; HIDALGO, C.A.; BYSTIS, S.; COSCIA, M.; CHUNG,S.; JIMENEZ, J.; SIMÕES, A.; YILDIRIM, M.A. The Atlas of Economics Complexity – Mapping Paths to prosperity. Puritan Press, 2011. Disponível em http://atlas.cid.harvard.edu/  ou https://oec.world/static/pdf/atlas/AtlasOfEconomicComplexity_Part_I.pdf

GALA,. Paulo. Complexidade Econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2017.

GONÇALVES, Reinaldo. Competitividade internacional e integração regional: a hipótese

da inserção regressiva. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 5, n.

especial, 2001. p. 13-34

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Doença holandesa e sua neutralização: uma abordagem ricardiana. In: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2010/2010.Doenca_holandesa_neutralizacao_abordagem_ricardiana.pdf

[1] No caso latino americano destacam-se, como autores estruturalistas, Raúl Prebish e Celso Furtado.

[2] Hausmann; Hidalgo et al (2011)

[3] No Brasil vale destacar o trabalho do professor Paulo Gala (2017), da FGV de São Paulo.

[4] Hausmann; Hidalgo et al (2011), Table 5.1, p. 49.

[5] Ibidem.

Share this Post