Artigo – Economia verdolenga

  • 3 de fevereiro de 2020
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Bons mesmo foram os tempos em que minhas preocupações eram voltadas para os afazeres da escola, ajudar a mãe com algo da casa e compras no comércio próximo, e as brincadeiras nos quintais, beira de rio e jogo de bola.

Dessas brincadeiras, uma das boas era a época da manga, quando parecíamos periquitos na copa das árvores, e quem estava embaixo tomava cascas ou caroços de mangas perpitolas (maduras) na cabeça.

Duro era quando tinha alguém embaixo e estava “armado” de funda ou pelote e mandava chão-acima as peloteadas. Quem estava em cima tinha que pedir mil perdões, senão a peloteada não parava, mas, por sorte, os galhos das árvores atrapalhavam o peloteador.

Além de apreciar as “perpitolas”,  pegávamos algumas de vez, verdolengas, e deixávamos de um à três dias enroladas em folhas de jornais usados dentro da lata de arroz ou feijão, para amadurecer.

“O tempo bom que não volta mais”, onde nossa turmada, em pseudônimos livres, sem complexos e sem rancor, era composta por: bódi, tarantula, cyborg, zumbi, coqueiro, muga, macalé, cabeção (in memoriam), jacaré, macaco, piquirinha, caçapa, porco, esqueleto, gatão, dentre outros. Éramos uma união só; dificilmente ocorria uma rusgazinha. Hoje todos com curso superior e na ativa do trabalho formal desde os 17 a 19 anos. Tudo isso, como tenho dito, lá no meu saudoso bairro do Porto.  

O tempo passa e as preocupações e responsabilidades outras surgem. Enveredei-me pelo estudo e labuta com a economia, que requer constantes e frequentes estudos.

Assim, procurarei neste retalho econômico responder a algumas indagações, a saber: Numa economia de mercado, como a nossa, qual o papel da economia pública? Como retomar o crescimento econômico? Por quê nossa economia encontra-se com baixas taxas de crescimento?

Antecedendo as tentativas de respostas a estas indagações que procurarei mencionar ao longo deste retalho, vale dizer, comparativamente, que nas chamadas economias maduras, Japão, EUA, Alemanha, França, dentre outras, as taxas de crescimento são relativamente baixas,  devido essas mesmas economias terem alcançado o estado estacionário.

Contrariamente, a China encontra-se num firme objetivo de alcançar o estágio dessas economias, assim como o Brasil, pois somos emergentes em vias de desenvolvimento, economias verdolengas (mas não confundir crescimento com desenvolvimento). Neste estágio em vias de desenvolvimento, as taxas de crescimento encontram-se em torno de 1% a 6,5%, respectivamente, exatamente pelo fato que estas economias ainda não alcançaram seu estágio estacionário.

Estado ou estágio estacionário é quando determinada economia alcança níveis de necessidades materiais da população superadas, de acordo com a visão dos economistas clássicos (G. CORAZZA, 1991), assim como nas economias maduras aqui referidas, que anos depois, século 20, J. M. Keynes, veio chamar de economia em pleno emprego (utilização) dos recursos efetivamente disponíveis, que proporciona uma discussão nas finanças públicas sobre a prática ou não de déficit nos orçamentos públicos com a devida cautela sobre as taxas marginais de tributos.

Verdade que alguém pode inferir que o caso brasileiro é de estágio estacionário, no mínimo, letárgico ou estagnado.

Concordemos em partes, porque desde 2014 vivemos taxas de crescimento insuficientes para atender as necessidades do crescimento demográfico e do progresso técnico.

A esse respeito, acumulação de capital é fundamental para o alcance do estágio estacionário e desenvolvimento econômico e para nos tornarmos uma economia madura.

Em consequência, precisamos ir além de 2 a 2,5% de taxas de crescimento, no caso brasileiro, mesmo porque, temos uma economia pública que representa, grosso modo, 50% do produto interno bruto no âmbito da esfera federal. Em Mato Grosso esses números tangenciam 20 à 25% do PIB.

Esse é o ponto: como a economia pública ou finanças públicas podem contribuir nesse processo de retomada do crescimento e desenvolvimento?

Num breve histórico evolutivo, a partir de 1930, a economia brasileira passou pelo processo de transformação estrutural produtivo, quando o Estado agiu por cima do mercado e implantou uma grande estrutura industrial no Brasil, contudo, sem esquecermos do processo autônomo de industrialização primária no estado de São Paulo, oriundo da acumulação da economia cafeeira.

Isso tudo foi custoso e gerou uma forte dependência de recursos por parte do setor privado para continuidade do processo, pois a industrialização brasileira é um processo dado; entretanto, acumulação de capital não pode estar aquém da manutenção e da taxa de depreciação da estrutura produtiva, quando se tratar de investimentos líquidos.

Por tudo isso, não vejo mais necessidade do Estado brasileiro intencionar liderar processo de crescimento e desenvolvimento, o que não significa que sua participação seja inócua ou desnecessária.

O ponto-relevante será a continuidade das reformas e privatizações dos dias atuais, negadas desde o Plano Real, não nos esqueçamos disso, para que nesta nova fase de ação o Estado brasileiro e sub-nacionais promovam ações para proporcionar ambiente para os negócios irem além do seu ponto de equilíbrio econômico-financeiro, inclusive, promovendo grandes obras (ferrovias) e serviços (fortalecimento do capital intelectual humano) de interesse coletivo, visando melhorias na produtividade e distribuição de renda. 

Caso haja necessidade do intervencionismo estatal  ou verde, há ser de maneira tácita, tática e temporária para atender interesses nacionais estratégicos no sentido de construção da Nação, pois, todo país tem esse sentimento de corpo, principalmente em países onde exista uma elite inteligente e responsável. A propósito, vejam a Inglaterra consolidando sua saída da Zona do Euro, em evento que ficou conhecido como BREXIT.

Em síntese, numa economia verdolenga, urge que busquemos e alcancemos: taxa de renda per capita elevada (em torno de 30 mil US$), consolidemos nossas instituições e tenhamos capacidade de apropriabilidade e criação do progresso técnico, pois estas também são características das economias maduras ou desenvolvidas, que foram além da economia política, mas, trilharam os detalhes da Ciência Econômica.


Ernani Lúcio Pinto de Souza, 57, cuiabano, economista do NIEPE/FE/UFMT, ms. em planejamento do desenvolvimento pela ANPEC/NAEA/UFPA. Foi vice-presidente do CORECON-MT.(elpz@uol.com.br)

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