Artigo – Idiossincrasias ianques

Por Júlio Miragaya – Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável (UnB), ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia. Artigo publicado no Brasília Capital, edição de 12 de setembro de 2020.

Existem apenas dois países onde as mudanças na política interna impactam todo o planeta, com fortes consequências no cenário econômico e político: EUA e China, e no primeiro se aproxima uma possível mudança no governo. Na média das pesquisas eleitorais, Biden leva vantagem de 8 pontos percentuais, o que representaria cerca de 11 milhões de votos, mas o sistema eleitoral norte-americano é indireto, ou seja, não é decidido pelo voto popular majoritário, mas num colégio eleitoral, formado por 538 delegados eleitos nos 51 estados. Em 2016, Trump perdeu para Hillary Clinton por quase 3 milhões de votos, mas venceu no colégio eleitoral por 304 a 227.

Aliás, a tão decantada democracia norte-americana é pródiga em fundamentos antidemocráticos. Na primeira eleição, em 1789, George Washington se elegeu com apenas 39 mil votos (1% da população de 3,8 milhões). Isto ocorreu porque os “pais fundadores” limitaram o direito ao voto aos homens, brancos e proprietários (ricos), excluindo mulheres, negros, indígenas e mesmo os homens brancos pobres. Em 1800, Thomas Jefferson venceu John Adams por 41 mil a 26 mil votos, num país já com 5,3 milhões de habitantes. Aliás, o voto dos negros só foi assegurado em todo o país mais de século e meio depois, em 1965.

No peculiar sistema eleitoral norte-americano, (escrutínio majoritário, de um só turno, baseado em distritos eleitorais uninominais), que repele o pluripartidarismo, quando o cidadão se apresenta para obter seu título eleitoral, já lhe é dada a possibilidade de se filiar a um partido, mas somente a ficha de dois partidos lhes são apresentadas: Republicano e Democrata. Não surpreende que há 164 anos apenas republicanos e democratas se revezem na Casa Branca.

Em suma, não se busca a maioria do eleitorado, mas ganhar no maior número de estados (não há proporcionalidade, quem ganhar leva todos os delegados do estado, exceto no Maine e Nebraska), e, de preferência, nos mais populosos, com maior número de delegados. Dessa forma, ocorre outra peculiaridade: a campanha eleitoral praticamente se limita aos chamados “estados indecisos”. No estado de Minessota, por exemplo, Trump não pisará, pois os candidatos democratas venceram as últimas 11 eleições. O oposto ocorrerá em Utah e Kansas, onde os candidatos republicanos venceram as últimas 13 eleições. O fato é que Biden tem praticamente assegurada a maioria em 17 estados (200 delegados) e Trump em 21 estados (164 delegados) e a eleição será decidida nos outros 13, onde se concentram 174 delegados. Mas isto abordaremos no próximo artigo.  

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