Artigo: O paradoxo dos juros no Brasil

  • 16 de novembro de 2021
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Pressão inflacionária atual se caracteriza nitidamente num choque de oferta, e não de excesso de demanda

O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, na sua reunião passada, acelerar o ritmo de aumento da taxa Selic para 1,5 ponto. Agora em 7,75% e com nova perspectiva de elevação da mesma dimensão em dezembro, a taxa se aproxima rapidamente dos dois dígitos, antiga saga brasileira.

A questão da taxa de juros básica no Brasil representa um expressivo paradoxo, especialmente em face da situação em curso: diante da prevalência do regime de metas de inflação e da inoperância de outros instrumentos de combate à inflação, o aumento da Selic se torna uma aparente alternativa única, com custos econômicos e sociais dramáticos.

A pressão inflacionária recente tem “nome e endereço”. O aumento das cotações das matérias-primas, especialmente petróleo e grãos (commodities), no mercado internacional, associado à desvalorização do real, tem pressionado os preços domésticos dos combustíveis, do gás de cozinha e da alimentação, entre outros.

Fatores específicos do nosso mercado, que vão muito além da sempre apontada questão fiscal, também são relevantes: a política de paridade internacional dos preços praticada pela Petrobras, as estruturas de mercado em vários setores oligopolizados e a indexação são alguns deles.

A contradição presente é que a elevação de juros não vai resolver o problema atual da inflação brasileira, embora produza vários efeitos colaterais adversos. A questão-chave é que a atual pressão inflacionária se caracteriza nitidamente num choque de oferta, e não de excesso de demanda.

Juro alto é um mecanismo clássico de combate às elevações de preço decorrentes de pressão de demanda, o que não é o nosso caso. Nossa situação é exatamente inversa. Há claros sinais de estagflação: inflação em alta, retração industrial crônica, elevada ociosidade da capacidade produtiva, desemprego expressivo e queda na renda.

O aumento dos juros não é neutro, mas provoca efeitos deletérios, no encarecimento do crédito e do financiamento privados e na elevação do custo de rolagem da dívida pública. Isso aprofundará a queda de demanda, afetando negativamente os demais aspectos, com a agravante de que dificultará a situação fiscal do País, assim como das famílias e empresas endividadas. Também favorece as aplicações financeiras, em detrimento do investimento produtivo, o contrário do que precisamos.

Antonio Corrêa de Lacerda Presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), professor-doutor do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP, é autor de ‘O Mito da Austeridade’ (Contracorrente). Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo.

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