Artigo – O que pensa Paulo Guedes

  • 27 de junho de 2019
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Para grande parcela dos que acompanham a reforma da Previdência em detalhe, foi estarrecedora a reação do ministro Paulo Guedes à exclusão da capitalização do relatório da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Muitos pensavam ser essa capitalização o tal “bode na sala”. Só que não. Mesmo com os resultados do sistema previdenciário chileno, que até com subsídio governamental para complementar baixíssimos valores mínimos, ainda assim vetado na proposta de Guedes, tem concedido aposentadorias, em média, 35% do último salário da ativa e 44% delas abaixo da linha da pobreza, essa capitalização é uma parte importante do conjunto de reformas capitaneado por aquele ministro.
 
Claro que seria muita pretensão entrar na subjetividade de alguém, sobretudo quando nem se conhece a pessoa. Trataremos da subjetividade de Guedes como sendo ele um “agente representativo” dos neoliberais. Assumir, como alguns, que eles seriam a encarnação do mal e encerrar a questão é algo demasiadamente superficial e dispensaria a elaboração desse artigo.
 
Os neoliberais menos reflexivos e menos sensíveis à promoção de algum tipo de justiça social se contentariam com a oportunidade de fabulosos lucros, para os bancos; com a substancial desoneração da folha de pessoal, pela extinção da contribuição previdenciária patronal; e com o final dos tributos para financiar a contribuição previdenciária do Estado. De modo compatível, muitos deles apoiam o darwinismo social – “quem não pode viver, morre”. Merece registro, ainda, o fato de a maioria dos neoliberais sequer chegar a se beneficiar financeiramente dessa capitalização, achando o bastante compartilhar da reputação e ter a aprovação “dos que importam”.
 
Claro que existem neoliberais de melhor nível. Seriam os que se consideram os herdeiros e continuadores no liberalismo clássico inglês. O contexto era bastante diverso, ao ponto de os liberais clássicos ficarem reconhecidos por todos como progressistas. Combatiam os privilégios de sangue de uma nobreza improdutiva, que mantinha inúmeros tributos e restrições, tolhendo o desenvolvimento das forças produtivas. Já os neoliberais voltam-se para o Estado como se fosse um peso similar ao da nobreza nas fases iniciais do capitalismo.
 
Sempre predominaria, entre os agentes públicos, políticos e técnicos, um desvio de finalidade em que priorizariam o enriquecimento pessoal e o progresso na carreira, em detrimento das políticas voltadas para o desenvolvimento e elevação da qualidade de vida de todos. Com efeito, esse desvio é constatado com bastante frequência. Assim, os neoliberais resgatam a crença liberal clássica de que cada um cuidar de seu auto interesse seria a melhor forma de se elevar o bem-estar de todos.
 
Essa pode ser a motivação de Guedes. Diminuir o tamanho do Estado, minimizando sua interferência sempre desfavorável na atividade econômica, por elevar custos de produção e de transação, com os tributos, burocracia, exigências e restrições. Então, a economia poderia operar de modo mais eficiente, crescendo mais rápido e empregando todos os recursos escassos disponíveis. O livre mercado levaria tais recursos a serem remunerados conforme sua produção. Cada trabalhador teria seu salário elevado à medida que produzisse mais, o que ocorreria com maior qualificação, num ambiente meritocrático assegurado pelo livre mercado. Assim funcionaria a economia guedesiana.
 
O grande problema é que não existem casos reais que confirmem o sucesso de tal estratégia. Todos os casos de desenvolvimento econômico da história só lograram êxito com a participação relevante e decisiva do Estado. Enfim, seria muito arriscado apostar em uma estratégia que nunca funcionou. Melhor lidar com os desvios de finalidade dos agentes públicos, por meio de mecanismos de controle e de incentivo, e ainda carregando as perdas que conseguirmos minimizar.
 
Fernando de Aquino Fonseca Neto, Conselheiro do Cofecon e Membro da ABED – Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia
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