Artigo – O que pretendem os economistas?
Por Fernando de Aquino, doutor em Economia pela UnB, conselheiro do Cofecon e membro da Abed
(Artigo publicado no Jornal GGN: https://jornalggn.com.br/artigos/o-que-pretendem-os-economistas-por-fernando-de-aquino/)
O diagnóstico dos economistas, para um problema econômico qualquer, quase nunca é único, embora a mídia corporativa faça parecer, quando anunciam: “De acordo com os economistas…”, geralmente seguido do depoimento de um ou até mais. Para o público, fica a impressão de homogeneidade da profissão ou, pelo menos, de hegemonia de determinada abordagem. O que de fato ocorre é que temos muitos, com excelente formação, não alinhados à grande maioria dos que aparecem na mídia corporativa.
As divergências são tanto sobre o modo como a economia funciona quanto sobre o que pretendem alcançar, o que não desvaloriza a profissão. Até as que lidam com objetos mais concretos, como, por exemplo, a medicina, tem os ortodoxos e os ortomoleculares. Voltando para os economistas, as distintas abordagens têm legitimações próprias de que propiciariam um mundo melhor para todos.
LEGITIMAÇÃO DA AGENDA NEOLIBERAL
Os que focalizam primordialmente os mercados tendem a querer aumentar a eficiência, pensando no melhor uso possível dos escassos recursos econômicos, dentre eles o trabalho. A alocação e uso mais produtivo desses recursos, geram uma produção máxima da economia. Mesmo com cada empregador demitindo os seus trabalhadores em excesso, o mercado iria realocá-los para empregos mais adequados. Os empregados no setor público, por não estarem submetidos à disciplina do mercado, tenderiam a não ser suficientemente produtivos, significando um desperdício, por isso devendo ser mantidos num mínimo, pelo critério da eficiência.
Em termos de remuneração, o próprio livre mercado asseguraria que fosse equivalente à contribuição de cada fator ao que for produzido. Dessa perspectiva, as reformas e políticas do atual governo seriam legitimadas com essa narrativa – reduzir o setor público e liberalizar os mercados para, com isso, produzir o máximo possível e distribuir de forma justa, de acordo com a contribuição de cada um a essa produção. Os que quiserem aumentar sua remuneração, aumentem a sua produtividade e/ou poupem sua renda para aumentar seu capital.
CONTESTAÇÃO DA AGENDA NEOLIBERAL
Muitos economistas têm questionado se modelos deste tipo representam as economias reais o suficiente para orientarem as políticas públicas, ou seja, se as decorrentes prescrições, de privatizar e liberalizar, seriam as melhores estratégias. Uma forte contestação resultaria de um certo comportamento “bipolar” de parcela significativa dos agentes econômicos. Foram batizados de “agentes exuberantes”, que exageram nas expectativas favoráveis, com a economia em crescimento, e nas expectativas desfavoráveis, com a economia em recessão. Assim, investem além do que a economia consegue absorver, mantendo seu potencial de crescimento, levando-a a um período de recessão para absorver o aumento excessivo de capacidade produtiva. Esses períodos recessivos dos ciclos econômicos, ainda acentuados pelo exagero nas expectativas desfavoráveis dos mesmos agentes exuberantes, geram um contingente de pessoas que não encontrarão emprego, em um contexto de livre mercado. Para as economias em desenvolvimento, os modelos que indicam o livre mercado como a melhor solução são ainda menos realistas, sobretudo pela proporção ainda maior de indivíduos sem empregabilidade e excedendo as necessidades de mão-de-obra do setor moderno de uma economia dual.
Em relação à remuneração, certamente ela não será equivalente à produtividade de cada recurso, mas oscilaria entre os períodos de expansão e recessão econômica e seus níveis dependeriam do que vem sendo consolidado em negociações entre empregadores e empregados ao longo do tempo, cada parte se baseando em limites que avaliem aceitáveis.
A remuneração do capital também é influenciada pelas práticas consolidadas ao longo do tempo, embora os mais simpatizantes do livre mercado prefiram atribuir as disparidades, no tempo e no espaço, às diferenças de escassez e riscos. Outros determinantes devem ser considerados, com destaque para o seu custo de oportunidade, em termos de retorno das aplicações financeiras, com as taxas básicas de juros funcionando como piso.
DISTINTOS CRITÉRIOS E INDICADORES
O que mais tem impressionado aos economistas que não aderem à abordagem neoliberal são as desigualdades, na grande maioria dos países exageradas e crescentes. Por isso, em geral partem da necessidade de reduzi-la, como a principal forma de alcançar melhorias na qualidade de vida de todos. Para esse grupo, é sempre essencial questionar: crescer, pra quem? quem pagará o preço das milagrosas reformas? Mesmo ferindo o senso de justiça de muitos, os neoliberais tendem a naturalizar essas desigualdades e a acreditar que o livre mercado, onde cada um ganharia de acordo com o que produz, já faria parte do que se precisa de justiça, que se completaria com as garantias da liberdade individual.
Segundo uma convincente proposição moral, o conhecimento somente seria legitimado se contribuir pera melhorar o bem estar das pessoas. Nesse sentido, os neoliberais têm o seu álibi na maximização do que pode ser produzido e na distribuição conforme cada um produzir. Embora não se observe essa situação no mundo real, seria pelas restrições impostas ao livre mercado, as quais eles têm se empenhado em superar, desregulamentando e privatizando.
Contudo, existem contestações, bastante fundamentadas, da impossibilidade do livre mercado entregar tais promessas, em função de fatores como agentes exuberantes e exclusão impactante de trabalhadores do setor tradicional em economias em desenvolvimento. Mesmo assim, seria preciso ir muito além dessas promessas, que não propiciam igualdade de oportunidades, dado que assumidamente não interferem nas condições em que cada agente ingressa no mercado, nem níveis suportáveis de desigualdade de resultados, em função da tendência à concentração e elevada remuneração do capital.
Estudos mais aprofundados têm concluído que igualdade de oportunidades e meritocracia não são suficientes para maximizar o bem estar social. Pesquisas empíricas amplas e meticulosas tem confirmado, recorrentemente, os efeitos de elevadas desigualdades de resultados sobre a violência e as doenças decorrentes de stress, em suas mais variadas manifestações. Competição e consumismo desenfreados, com poucos “vencedores”, são uma fábrica de frustração em larga escala.