Artigo – Salve o Tuiuti

  • 15 de fevereiro de 2018
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Tradicionalmente, nas semanas de Carnaval, os temas econômicos e políticos ficam esquecidos, mas neste ano uma modesta escola de samba da favela carioca do Tuiuti, com apenas 5,7 mil moradores, situada no bairro de São Cristóvão e vizinha ao estádio do Vasco, subverteu a ordem natural das coisas.

Ela não falou de PIB, inflação, taxa de juros ou de câmbio, tampouco de pauta do Congresso. Falou de exploração do trabalho, desigualdade social e manipulação política. Traduziu em 75 minutos de desfile o que economistas, sociólogos e cientistas sociais tentam exprimir em páginas e mais páginas de artigos, teses e livros.

Casando indignação com irreverência, Moacir Luz, Cláudio Russo e seus parceiros retrataram em três minutos de samba enredo a formação da extremamente desigual sociedade brasileira e o que vem ocorrendo no País nos dois últimos anos em termos de perdas de direitos sociais e manipulação política.

Desfilaram pelo Sambódromo a ala da CLT, criticando a Reforma Trabalhista; a ala dos trabalhadores informais, retratando milhões desprovidos dos direitos básicos; o vampiro neoliberal; e a ala dos manifestoches, mostrando a parcela da classe média que saiu às ruas batendo panela com camisa da seleção, ao lado dos patos amarelos da fiesp, se rebelando contra a corrupção – embora hoje se mostre tolerante com os “seus” corruptos – e “se deixando manipular” pelos que queriam impor a agenda de reformas pró-mercado financeiro derrotada nas urnas.

Abordando um tema esquecido até mesmo pela esquerda – a exploração do trabalho – a Paraíso do Tuiuti expõs mazelas da sociedade brasileira, foi voz e grito de milhões de negros, brancos e mulatos que são expostos à brutal exploração de sua força de trabalho em troca de, como diz o samba, “um prato de feijão com arroz”, mas que geram uma fabulosa riqueza, apropriada pelo punhado de “senhores”. Mas o Tuiuti também lembrou que “onde mora a liberdade, não tem ferro nem feitor”.


JÚLIO MIRAGAYA é conselheiro do Conselho Federal de Economia e ex-presidente da autarquia.

Artigo publicado na edição de 15/02/2018 do Jornal de Brasília.

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