Artigo – Tendências recentes da indústria na economia global
Por Eliane Araújo – Professora associada da Universidade Estadual de Maringá e bolsista produtividade em pesquisa do CNPQ.
1.Introdução
A literatura pós-keynesiana (Kaldor, 1966; Thirlwall, 1979), os estruturalista latino-americanos (Prebish, 1949) e os neoshumpeterianos (Dosi, 1988; Nelson & Winter, 1982) há muito tem enfatizado o papel da mudança estrutural e do avanço tecnológico para o crescimento econômico. De acordo com as principais ideias expressas nessa literatura, a indústria manufatureira é um setor relevante para conduzir e sustentar o crescimento por diversas razões, a saber, i) a sua capacidade de gerar e propagar mudanças tecnológicas; ii) seu maior potencial de crescimento da produtividade relativamente a outros setores; iii) a geração de externalidades positivas e sinergias e a iv) sua contribuição para a sustentabilidade do balanço de pagamentos e ganhos de comércio.
Apesar disso, nas últimas décadas, tem se observado uma tendência em geral declinante tanto da participação do valor adicionado do setor manufatureiro no valor agregado total, quanto do emprego da indústria manufatureira no emprego total. Embora, em muitos países, particularmente nas economias avançadas, esse fenômeno possa ser uma consequência natural do processo de desenvolvimento, outras razões ajudam a explicar a desindustrialização, especialmente nas economias em desenvolvimento.
Este artigo analisa a temática da desindustrialização em curso nas últimas décadas, apresentando uma discussão sobre seu conceito e suas causas, além de evidências empíricas sobre ela. Para tanto, a seção 2 traz uma síntese dos conceitos de desindustrialização e discute algumas de suas causas. A seção 3 apresenta tendências recentes da queda da participação relativa da indústria ao redor do mundo, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos de valor adicionado e emprego industrial. Finalmente são apresentadas algumas considerações finais.
2. O conceito de desindustrialização
Segundo Palma (2005) um dos mais notáveis fatos estilizados do pós-guerra é o rápido declínio do emprego industrial na maioria dos países industrializados e em muitos países em desenvolvimento. Embora no longo prazo a estrutura do emprego tenha mudado substancialmente, as alterações relativas no emprego, na escala e na velocidade que ocorreram nesse período, constitui um fenômeno sem precedentes. A fase mais recente dessas mudanças surge com o emprego na manufatura começando a declinar, em termos relativos e absolutos, enquanto o setor de serviços passa a ser a principal fonte de absorção do trabalho. Essa fase é comumente conhecida como a desindustrialização.
O autor destaca a doença holandesa como sendo uma das fontes da desindustrialização, que ocorre quando há a transição de economias com superávit na indústria de transformação para superávits nos setores primários e de serviços. Ela ocorre por três razões diferentes: i) a descoberta de recursos naturais, por exemplo, como a que aconteceu na Holanda; ii) o desenvolvimento de atividades exportadoras de serviços, principalmente o turismo e as finanças, como é o caso da Grécia e iii) as mudanças na política econômica (por exemplo mudanças nas taxas de juros e de câmbio) que levam o país à tradicional posição de vantagem comparativa estática, citando-se como exemplos o Chile, Brasil e a Argentina.
Palma (2005) explica que esse tipo de desindustrialização deve ser distinguido do processo normal de desindustrialização, como os ocorridos em muitos países industrializados após terem atingido a renda per capita associada ao ponto de inflexão da relação entre emprego na manufatura e renda per capita. Nesses países industrializados, o que ocorre é um processo de pós-industrialização, no qual as economias maduras sofrem com mudanças no emprego da manufatura em direção a outras atividades, principalmente serviços, o que é um resultado normal de seu processo de desenvolvimento econômico.
Tregena (2009) complementa que definir a desindustrialização apenas como a queda na participação do emprego da manufatura no total do emprego é um conceito restrito, uma vez que negligencia as tendências na participação da produção industrial no total da produção da economia. Tal entendimento poderia levar a interpretações equivocadas, por exemplo, no caso de uma queda na participação do emprego industrial paralelamente a um crescimento da produção industrial com aumento da parcela da manufatura no PIB, não necessariamente prejudicaria a capacidade da manufatura de puxar o crescimento de longo prazo da economia.
3.Algumas evidencias sobre a trajetória do setor manufatureiro na economia global
Considerando apenas o setor manufatureiro, o gráfico 1 evidencia as trajetórias distintas entre os grupos regionais. De 1970 a 2015, com exceção das regiões asiáticas, houve uma redução generalizada da participação do setor manufatureiro no valor adicionado total. Nesse período, a participação relativa dentro do grupo dos países desenvolvidos reduziu-se em 8,5%, na América Latina em 19,8%, Norte da África 11,8% e África Subsaariana em 7,0%. Nas economias em transição houve declínio de 33,5% em 2015 relativamente ao ano de 1990. Por outro lado, a participação do setor manufatureiro elevou-se consideravelmente nos grupos de países do Leste Asiático (120,6%), Ásia Ocidental (60,8%), Sudeste Asiático (50,2%) e Sul da Ásia (42,6%). Como resultado desse processo, a participação da indústria de transformação nos países do Leste e Sudeste asiático encontra-se hoje bastante superior àquela dos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que se observa uma redução do “gap industrial” das demais economias em desenvolvimento e em transição vis-à-vis as economias avançadas, embora essa convergência tenha ocorrido dentro de uma tendência de declínio generalizado do setor manufatureiro.
Em relação ao emprego no setor manufatureiro, o quadro é ligeiramente distinto daquele observado na participação do valor adicionado do setor. No grupo de países desenvolvidos, a outra face da desindustrialização mostra-se bem mais acentuada. Conforme a Tabela 1, na América Latina, o emprego no setor manufatureiro tem recuado desde a década de 1980, quando assinalava 15,7% do total, chegando a 12,2% em 2015. Note-se que em algumas economias na região esse processo têm se dado de forma mais lenta (Brasil e México) e em outros de forma muito acelerada (Argentina e Chile).
A queda do emprego industrial também é significativa a partir dos anos 1980 nos países desenvolvidos, na África do Sul, ao passo que nos demais países da África e na Índia houve relativa estabilidade do setor, com ligeiro crescimento no período. Em contraste, no Leste e Sudeste asiático nota-se um forte crescimento do emprego nas manufaturas, embora economias atualmente mais maduras como Coreia do Sul e Cingapura afetem negativamente o comportamento das médias regionais especialmente a partir dos anos 1990, como evidencia a Tabela 1.
Essa redução da participação da indústria no PIB e do emprego industrial no emprego total pode ser uma consequência natural do processo de crescimento das economias, isto é, conforme os países crescem é normal o aumento do setor de serviços em detrimento da participação do setor industrial. Outras variáveis ligadas a estabilidade macroeconômica, como por exemplo, as taxas de juros e as taxas de câmbio, são fatores que podem contribuir para o desempenho do setor industrial, em especial nos países em desenvolvimento, sendo que os efeitos dessas variáveis macroeconômicas sobre a indústria podem ser exacerbados pelo grau de abertura das economias ao exterior. Outro fator relevante é a possível ocorrência de doença holandesa, que poderia estar relacionada, por exemplo, a um aumento da exportação de produtos primários. Também merece destaque para o caso das economias desenvolvidas o fenômeno da deslocalização da indústria, mais especificamente o fato de que muitas grandes empresas de economias desenvolvidas estão alocando suas plantas em economias em desenvolvimento com menores custos de produção. Por fim, a intensificação da desindustrialização poderia resultar de políticas inadequadas e uma mudança estrutural negativa que se manifesta pelo aumento da financeirização da economia em detrimento do setor real.[1]
4. Considerações finais
Os dados evidenciam que o fenômeno da desindustrialização é uma característica da maioria das economias desenvolvidas e em desenvolvimento, sendo exceção as economias do leste asiático. Não necessariamente a desindustrialização faz parte do processo natural de desenvolvimento das economias e, sendo assim, pode trazer consequências importantes para suas trajetórias de crescimento e desenvolvimento econômico pela importância do setor industrial para o crescimento das economias. Sendo assim, é preciso examinar mais atentamente as causas e os custos da desindustrialização, tanto nas economias desenvolvidas como nas economias em desenvolvimento.
Referências
ARAUJO, E.; ARAÚJO, E. ; PUNZO, L. ; PERES, S. Uma investigação sobre os determinantes da desindustrialização: teorias e evidências para países desenvolvidos e em desenvolvimento (1970-2015). In: Anais do XI Encontro da Associação Keynesiana Brasileira, 2018.
DOSI, G. The nature of the innovative process. In DOSI, G. et al (eds). Technical Change and Economic Theory. London Pinter Publishers, 1988.
GGDC. Groningen Growth and Development Centre. GGDC-10 Sector Database. Available in: https://www.rug.nl/ggdc/productivity/10-sector/. Acessed on 03/02/2019.
ILOSTAT. International Labour Organization. Key Indicators of Labor Market. Available in: https://www.ilo.org/ilostat/faces/ilostat-home/home?_adf.ctrl-state=17k9dwooqa_4&_afrLoop=275850321031710#!. Acessed on 02/28/2019.
KALDOR, N., 1966. Causes of the Slow Rate of Economic Growth of the United Kingdom. An Inaugural Lecture. Cambridge University Press, Cambridge.
NELSON, R.;WINTER, S.G. An Evolutionary Theory of Economic Change. Cambridge, Harvard University Press, 1982.
PALMA, J.G. (2005), ‘Four sources of “de‐Industrialisation” and a new concept of the “Dutch disease”’, in J.A. O’campo (ed.) (2005), Beyond Reforms: Structural Dynamics and Macroeconomic Vulnerability, New York: Stanford University Press and World Bank.
PREBISCH, R. O desenvolvimento da América Latina e alguns de seus principais problemas. In: BIELSCHOWSKY, R. (Org). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, [1949] 2000.
THIRLWALL, A. P. The balance of payments constraint as an explanation of international growth rates differences. Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, v. 32, nº. 128, p. 45-53, 1979.
TREGENNA, F. (2009). Characterizing deindustrialization: an analysis of changes in manufacturing employment and output internationally. Cambridge Journal of Economics, Vol. 33.
UNCTAD. United Nations Conference on Trade and Development. Trade and Development Report, 2017: Structural transformation for inclusive and sustained growth. United Nations publication. Sales No. E.16.II.D.5. New York and Geneva.
[1] Sobre as causas da desindustrialização nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento ver Araújo et al. (2018).