Artigo – Tornando as empresas mais equânimes e plurais: Por mais mulheres negras nos cargos executivos e no Conselho de Administração
Por Lia Lopes Almeida – Economista, Consultora em Finanças e Projetos da ConsultD&L. Vice-presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviço do Empreendedorismo Negro (CCISEN) do Estado de São Paulo.
Nos últimos anos estudei sobre a relevância e impacto da governança corporativa no desenvolvimento das instituições.
Em tempos de constante instabilidade econômica e política, vimos mudanças significativas no comportamento dos agentes econômicos e na cultura institucional de organizações públicas e privadas.
Aumentar a accountability, implementar sistemas de compliance, garantir práticas mais transparentes e inclusivas, foram algumas das transformações que observei.
Várias questões surgiram, mas uma me chamou atenção: afinal, como os temas diversidade e inclusão são vistos pelas instituições?
E esta pergunta ficou mais evidente após o discurso de Daniel Solomon em Davos, Suíça, no 50º encontro anual do Fórum Econômico Mundial, que aconteceu entre os dias 21 a 24 de janeiro deste ano.
O presidente do banco Goldman Sachs disse: “Começando em 1º de julho nos Estados Unidos e Europa, não abriremos o capital de uma empresa a menos que haja pelo menos um candidato diverso no conselho, com foco em mulheres. (…) E, em 2021, passaremos a exigir que sejam pelo menos dois membros”.
Solomon informou ainda que, nos últimos dois anos, cerca de 60 empresas que fizeram ofertas iniciais de ações (IPO) tinham seus conselhos de administração compostos somente de homens brancos.
Para o banqueiro, no longo prazo, esta medida impactará no aumento de rendimentos das empresas e de seus acionistas.
Percebi que Solomon falou com base em seu próprio exemplo. Afinal, dos 11 membros do conselho administrativo do Goldman Sachs, 4 são mulheres.
Este posicionamento me mostrou dois fatores importantes: 1) há, por parte de algumas organizações, a preocupação de gerar mais inclusão e diversidade nos setores de comando e gestão de suas empresas e 2) é realmente possível incluir pessoas diversas nesses espaços.
Ademais, me fez conectar esta iniciativa com os dados divulgados em 2018 por uma pesquisa feita pela consultoria McKinsey.
A pesquisa estudou a correlação entre diversidade de gênero e raça com o aumento da lucratividade das empresas.
A conclusão foi: quando as empresas tem diversidade de gênero em suas equipes executivas, elas têm 21% mais chances de obter lucros acima da média das demais empresas que não tem essa diversidade em seus quadros. No caso das empresas que detêm equipes executivas com maior diversidade étnica racial, estas obtêm 33% mais chances de rentabilidade frente às demais.
Em outras palavras: se as empresas incluírem mulheres em altos cargos de chefia, seus ganhos serão potencializados em 1/5 do seu atual faturamento. Se houver a inclusão de negros, este potencial torna-se 1/3 do faturamento.
Logo, você consegue imaginar o potencial que essas empresas podem obter se unirem os dois fatores (gênero e raça)?
E é possível encontrar, em uma única figura, a soma destes fatores: a mulher negra.
Esta conclusão parece simples, mas ela não é trivial. E explico por quê.
Em 2015, pesquisa feita pelo Instituto Ethos mostrou que, quando observado os quadros executivos das maiores empresas do Brasil, 13,6% são compostos de mulheres. Destes, apenas 0,4% são de mulheres negras.
Ou seja, quando Solomon dá ênfase a inclusão de “um candidato diverso, com foco em mulheres”, é necessário colocarmos uma segunda lente para identificar que, dentro do diverso, existe gênero e raça.
Por isso, para entender a relevância das mulheres negras, vou apresentar alguns dados.
Com base na PNAD contínua do IBGE, as mulheres negras (considerando a soma das mulheres autodeclaradas pretas e pardas) constituem 28% da população brasileira.
Atualmente, elas são o maior segmento populacional do país, com quase 60 milhões de pessoas.
Segundo o Instituto Locomotiva, estima-se que as mulheres negras movimentam R$ 704 bilhões por ano, o que representa quase 16% do consumo nacional. Tais resultados foram obtidos analisando os dados de renda e consumo deste grupo.
Para o Instituto, a participação econômica das mulheres negras pode ser ainda maior do que esta apresentada. Valeria considerar a influência delas na gestão domiciliar e no poder de decisão na compra de produtos e serviços para si e seus familiares.
Olhando novamente os dados da PNAD, as mulheres negras são 24% da força de trabalho do Brasil. Elas estão presentes em diversos setores produtivos, mas geralmente trabalham em setores de suporte.
Por isso sua rentabilidade é menor se comparada a outras áreas de atuação.
Exemplo: 20% das mulheres negras trabalham em serviços domésticos, contra 10% de mulheres brancas neste setor.
Desta forma, a renda média das mulheres negras é a menor dentre todas as auferidas no mercado.
Mensalmente, uma mulher negra recebe R$ 1.476,00 e um homem negro recebe R$ 1.849,00.
A mulher branca recebe R$ 2.529,00/mês e o homem branco recebe mais que o dobro da mulher negra, R$ 3.364,00/mês.
Mesmo que homens e mulheres, brancos e negros, tenham o mesmo nível de escolaridade e a mesma colocação profissional, ainda assim as mulheres negras recebem salários menores se comparado aos demais.
Estes dados ilustram a realidade nacional: as mulheres negras estão concentradas na base da pirâmide produtiva, recebem o menor salário e sustentam a estrutura social do Brasil.
Este cenário fica evidente quando tentamos lembrar o nome de mulheres negras brasileiras que estão nos mais altos cargos de chefia em grandes empresas. Você seria capaz de lembrar ao menos 3 nomes?
Isso me fez perceber a complexidade na garantia da diversidade dentro das empresas.
Mesmo com estudos apontando que a inclusão dos fatores gênero e raça potencializam maiores ganhos e geram uma diferenciação de mercado.
Ainda assim, por que as empresas não conseguem garantir a inclusão destes fatores nos quadros executivos e em seus conselhos?
Meu esforço foi pensar em possíveis respostas para essa nova questão.
Entendo que a medida adotada pelo banco Goldman Sachs, na verdade, possibilita ganhos em diversas esferas.
A mais evidente, já anunciada, é o aumento da rentabilidade.
Afinal, garantir um olhar diverso em cargos de chefia propicia a abertura de outras e novas perspectivas, até então não vislumbradas no setor.
A troca de experiências realizadas em grupos heterogêneos tende a mostrar resultados diferentes dos apresentados em grupos homogêneos.
No longo prazo, as mudanças que surgiram das diferenças tornam-se a riqueza atribuída ao aumento de lucratividade.
Observo ainda, dois outros elementos relevantes sobre a inclusão da diversidade entre membros do conselho administrativo.
O primeiro é quanto à estruturação de novas diretrizes e mudança na cultura institucional da empresa.
O conselho tem um papel fundamental na condução da visão de negócio. É o órgão que planeja os próximos passos da instituição. Também analisa os resultados obtidos pela empresa e se preocupa com a imagem e o legado que ela deixará no mundo.
Logo, ao incluir um membro diverso, em específico uma mulher negra, o conselho agrega a sua visão este novo olhar.
O segundo permeia o aumento de produtividade e a valorização dos talentos dos recursos humanos da instituição.
Os conselheiros são pessoas observadas pelos demais integrantes da empresa. Dado o alto nível de responsabilidade atribuído ao órgão, tais membros tornam-se exemplos de inspiração e determinação para todos.
Por isso, a presença de mulheres negras neste ambiente possibilita uma mudança na perspectiva de crescimento e desenvolvimento pessoal dos demais colaboradores.
Ao ver que é possível alcançar o mais alto nível da empresa, outras pessoas se identificam e se sentem estimuladas a melhorarem suas performances na expectativa de um plano de carreira que as valorizem.
Tais elementos, quando relacionados à governança corporativa, possibilitam a criação de uma política institucional, de fato, diversa e inclusiva.
As pessoas que participam da instituição conseguem conectar os valores e princípios presentes na cultura interna da empresa com casos concretos, frutos da execução desta nova política.
Acredito que as empresas são plenamente capazes de dar este passo, rompendo os ciclos viciosos que perpetuam pobreza e escassez e construindo ciclos virtuosos de riqueza e abundância.
Este é o desafio desta década: tornar as empresas equânimes e plurais.
Penso que 2020 começou dando um bom exemplo desta nova realidade.
Fonte:
https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/why-diversity-matters/pt-br
https://www3.ethos.org.br/wp-content/uploads/2014/10/Indicadores-EthosNSR_-2015.pdf
https://www.ilocomotiva.com.br/single-post/uol-a-cor-do-trabalho