Cofecon realizou debate sobre a política econômica pós-pandemia
Como tradicionalmente acontece durante as sessões plenárias, nesta quinta-feira (24) o Conselho Federal de Economia realizou um debate de conjuntura. Os economistas Esther Dweck e José Luís Oreiro foram os convidados para discutir a política econômica pós-pandemia, proporcionando um evento de grande qualidade técnica, que foi transmitido ao vivo pelo canal do Cofecon no YouTube.
Ao abrir o evento, o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, criticou a emenda do teto dos gastos afirmando que já em sua exposição de motivos havia uma concepção equivocada do orçamento público, na qual ele era comparado ao orçamento familiar. “É exatamente o contrário, tendo em vista o papel histórico dos Estados nacionais frente às economias dos países relevantes, e especialmente diante da maior crise que, por acaso, é este momento que nós estamos vivendo”, argumentou o presidente.
Oreiro foi o primeiro a realizar sua exposição e iniciou apontando para o fato de que, embora não se deva achar que a dívida pública possa crescer sempre, também não existe um número a partir do qual o país obrigatoriamente entre numa espécie de buraco negro. “Se a política macroeconômica não for mudada, nós poderemos passar duas décadas estagnados”, apontou o economista, mostrando que a queda acumulada desde 2015/16, com a insuficiente recuperação em 2017/19 e a queda projetada para 2020 representam, conjuntamente, uma perda de 11,96% do PIB em relação a 2014.
Oreiro também discutiu a utilização da capacidade produtiva (abaixo de 76%) – o que passa, também, pelo desemprego. “Com esta capacidade ociosa, os empresários não têm nenhuma razão para investir. Uma recuperação puxada pelo investimento privado seria muito pouco provável, e com a crise do coronavírus a situação ficou ainda pior. Nossa política macroeconômica está sendo orientada por uma visão pré-keynesiana”, afirmou Oreiro, que é ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira. “A crise de 2015 e 2016 deixou um legado permanente de desemprego mais alto, girando em torno de 12%”.
Após apresentar alguns gráficos sobre a taxa de investimentos, o economista argumentou que o Brasil não tinha um problema fiscal antes da crise de 2015/16. “O aumento da dívida não foi resultado da gastança do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Foi produto da crise. Tínhamos uma dívida bruta de 52% do PIB em 2014, que passou a mais de 70% em 2017 e 2018”. Na visão de Oreiro, em 2015 o governo brasileiro fez tudo o que não deveria fazer. Ao falar contra o teto de gastos, exibiu um gráfico mostrando como as despesas obrigatórias se mantiveram constantes, enquanto as discricionárias caíram.
A agenda econômica pós-pandemia, na visão dele, exige o aumento do investimento público, enquanto a demanda privada deverá continuar deprimida em 2021. “Se o crescimento do produto for suficiente, o país pode operar com déficit primário e ainda assim reduzir a relação dívida/PIB”, explicou. Enquanto alguns economistas argumentam que o desequilíbrio fiscal poderia elevar os juros, mesmo num contexto de ociosidade elevada, Oreiro argumenta que a taxa de juros é um fenômeno monetário, sempre. “O Banco Central pode reduzir os juros de longo prazo de duas formas: sinalizando uma preocupação maior com a atividade econômica do que com a inflação e intervir diretamente comprando dívida de longo prazo no mercado secundário e vendendo títulos de curto prazo”, finalizou..
Esther Dweck iniciou sua fala apresentando três cenários: um otimista, no qual o PIB deste ano cairia 3%; um pessimista, com queda de 11%; e um intermediário, com queda de 6%, que é o que vem se desenhando. “Vínhamos com uma taxa de crescimento baixa e declinante, e isso era agravado por um aumento da desigualdade. O cenário pré-pandemia já era muito ruim. Metade dos estados brasileiros já tinham mais trabalhadores informais do que formais”, apresentou a economista, ressaltando que há 13,5 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza.
Ao criticar o teto de gastos, Dweck argumentou que durante a pandemia ficou nítida a importância do papel do estado, destacando o Sistema Único de Saúde, o papel das universidades no combate à pandemia e a importância do investimento público e do saneamento. “O mundo caminha para que o papel do estado seja repensado, no sentido de ser fortalecido”. Em seguida, ao falar da desigualdade, apresentou gráficos sobre o índice de Gini e ações do governo que contribuem para reduzir ou aumentar o índice – entre elas, a tributação regressiva é o destaque negativo. “Num país tão desigual é preciso completar, e não destruir, o estado de bem-estar social”, acrescentou.
Esther fez uma crítica às políticas de austeridade, argumentando que na recuperação da crise de 2008, a maioria dos países retornou muito rápido à austeridade: “Este grande erro não pode se repetir, nem no Brasil, nem no resto do mundo. O próprio FMI já recomendou que os países mantenham os estímulos fiscais”. No Brasil, entretanto, três regras (a regra de ouro, a lei de responsabilidade fiscal – LRF e o teto de gastos), na visão da economista, criminalizam a política fiscal. “A regra de ouro e a LRF estão sendo abandonadas em 2021 e o teto de gastos passaria a ser a âncora fiscal. Qual é o problema? A regra de ouro nunca conseguiu manter os investimentos. A LRF tende a gerar o ajuste fiscal autodestrutivo. E o teto de gastos é muito mais grave, gera uma queda no gasto real per capita, num país que já tem um gasto per capita baixo”.
Como alternativas, Dweck propõe uma reforma tributária progressiva para recompor e ampliar a carga tributária; um novo pacto federativo com mais solidariedade fiscal para reduzir as desigualdades regionais; a alteração da regra de ouro; a alteração da regra de superavit primário por uma regra anticíclica; e deixar claro que, em caso de descumprimento das regras fiscais, não há sanção, não há crime, mas há uma necessidade de explicações.
Ao finalizar o debate, o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, afirmou que “assim como existem visões equivocadas e fake news sobre vários temas, na economia também prevalecem alguns mitos”. Já o conselheiro coordenador da Comissão de Política Econômica, Fernando Aquino, afirmou que, com o auxílio emergencial, houve um estímulo de demanda e a economia respondeu. “Temos que continuar a crescer. Vemos no Presidente da República uma disposição de fazer política de incentivo à demanda, a despeito do atual Ministro da Economia”. Em seguida, questionou se os debatedores esperam uma recuperação em V.
“Eu não acredito”, respondeu Oreiro. “Quando se cai muito, qualquer crescimento em cima de uma base baixa parece espetacular, mas não será uma recuperação em V. O setor de serviços continua fortemente impactado. Parte significativa da recuperação deve-se ao auxílio emergencial, que neste mês será reduzido à metade, e os critérios até o fim do ano são mais duros. Várias empresas faliram. Para 2021, se não houver estímulos, vai ser um desastre inimaginável”.
Dweck concorda com Oreiro. “O símbolo da recuperação é uma raiz quadrada espelhada. Não só já estamos reduzindo os estímulos neste ano, mas voltaremos à política anterior depois de 31 de dezembro. É impossível manter o ritmo de recuperação e é preocupante o caos econômico e social que isso vai gerar. Precisamos do investimento público para acelerar o crescimento. Não adianta suspender o teto por um ou dois anos; quando ele voltar, os problemas voltam”.