Artigo – Convergências – os desafios da profissão de economista

  • 27 de maio de 2016
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Graças, em parte, ao inesperado sucesso da palestra sobre Criatividade e Economia Criativa por ocasião do Congresso Brasileiro de Economia de 2013 realizado em Manaus, fui convidado pela Comissão Organizadora do X Encontro das Entidades de Economistas da Amazônia Legal (ENAM), também em Manaus, para proferir a palestra de encerramento sobre o tema “A formação dos Economistas para aproveitar as oportunidades no cenário de crise econômica: currículo e mercado de trabalho”.

Como o convite foi feito com mais de três meses de antecedência, coloquei o tema no meu radar e passei a acompanhar os acontecimentos a fim de preparar uma palestra bem atualizada.

À medida que a data do evento se aproximava, fui considerando o que incluir na minha exposição, consciente do fato de que seria impossível cobrir todas as variáveis passíveis de serem focalizadas, de forma a abranger tanto aspectos ligados à formação do Economista, como aspectos relacionados ao exercício da profissão nas múltiplas ocupações que o Economista está apto a exercer.

Simultaneamente, pensava, com indisfarçável preocupação, na responsabilidade de falar no encerramento do evento, sabendo da expectativa dos organizadores e de parte da plateia, decorrente da excitação provocada por um tema diferente do que deveria ser agora abordado.

Nesse interregno, mantendo o hábito de ser um leitor voraz, tive a oportunidade de me defrontar com alguns livros cujo conteúdo acabou convergindo, surpreendentemente, para o tema da palestra.

Entre esses livros, gostaria de destacar cinco, que, por motivos diferentes, agregariam valor aos tópicos que eu abordaria na palestra.

O primeiro, Uma senhora toma chá…, versa sobre a evolução histórica da Estatística, na qual me chamou especial atenção a menção à tese de doutorado de John Maynard Keynes, tido por muitos como o maior economista do século XX.

O segundo, Atitudes para alcançar o êxito profissional em tempos de crise, aborda uma série de temas sobre os quais eu também costumo me debruçar em minhas leituras e pesquisas, tais como liderança, tomada de decisão, capacidade de assumir riscos e outros que são indispensáveis para o êxito de qualquer profissional no mundo contemporâneo.

De todos eles, no entanto, o tema que mais me chamou atenção dos que são focalizados no livro foi o da mudança. Estar preparado para se adaptar às mudanças que ocorrem num ritmo frenético nos dias de hoje é fundamental. Fazer tal afirmação não constitui novidade alguma e reconhecer a validade dela é provavelmente um consenso. Entretanto, muita gente que concorda com essa afirmação não está preparada para mudar e, vendo-se diante da necessidade de fazê-lo, resiste vigorosamente, consciente ou inconscientemente. Tal resistência pode ser explicada de diversas maneiras, sendo uma delas a dificuldade de aceitar as mudanças de paradigmas, conceito consagrado por Thomas Kuhn em A estrutura das revoluções científicas.

O terceiro, Os números do jogo, mostra como a estatística ocupa um papel cada vez mais relevante no universo do futebol de alto rendimento tendo por base pesquisas extraordinárias elaboradas, na sua grande maioria, por Economistas, quer atuando como consultores individuais, quer em empresas de consultoria.

O quarto, A evolução do pensamento econômico: risco e retorno em ciclos econômicos, examina a história do pensamento econômico dos primórdios da teorização, com os Mercantilistas, até as mais recentes correntes de pensamento econômico, enfatizando a complexidade crescente verificada ao longo do processo evolutivo, à medida que as condições tecnológicas foram permitindo, com a incorporação de modelos quantitativos cada vez mais sofisticados, que extrapolam o pensamento linear, que era o paradigma exclusivo da teoria econômica até a metade do século XX, para incluir também modelos que se baseiam no pensamento não linear, envolvendo as Teorias do Caos e da Complexidade. Isso abre ao Economista a possibilidade de “pensar fora da caixa”, explorando o potencial criativo presente em todos nós, graças à utilização combinada do hemisfério esquerdo do cérebro, responsável pelo pensamento linear, e do hemisfério direito, responsável pelo pensamento não linear, como se vê na tabela 1.

Tabela 1 – Correlações entre hemisférios cerebrais e modelos de pensamento

 

Hemisfério esquerdo Hemisfério direito Referencial teórico
Pensamento Linear Pensamento Não Linear  
Pensamento Vertical Pensamento Lateral Edward De Bono
Pensamento Convergente Pensamento Divergente P. J. Guilford e Alex Osborn
Pensamento Reprodutivo Pensamento Produtivo Tim Hurson

Elaboração do autor

Ilan Gleiser, o autor, reproduz uma comparação de W. Brian Arthur, professor de economia do Instituto de Santa Fé, no Novo México, a meca do estudo de sistemas complexos. A referida comparação, elaborada em 1979, pode ser vista na tabela 2.

Tabela 2 – W. Brian Arthur e a comparação entre a velha e a nova economia

Velha economia Nova economia
Retornos decrescentes Grande uso de retornos crescentes
Baseada na física do século XIX (equilíbrio, estabilidade, determinismo) Baseada na biologia (estrutura, padrão, auto-organização)
Pessoas idênticas Indivíduos diferentes
Elementos são quantidades e preços Elementos são padrões e possibilidades
Não se considera a dinâmica na medida em que a economia sempre tende ao equilíbrio Economia está no limiar do caos; estruturas em constante mutação
Economia é estruturalmente simples Economia é estruturalmente complexa

O quinto e último livro, que pode ser associado à epígrafe deste artigo, intitulado Estamos aqui, contém o empolgante relato de uma jornalista formada pela Universidade de Brasília, que, ignorando os limites do seu próprio corpo, empreendeu uma viagem de dois meses a quatro países do leste africano, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul e Uganda, para conhecer de perto as realidades de vítimas de conflito, refugiados e meninos-soldados. Acompanhada apenas por seu par de muletas, por ter contraído mielite aguda aos seis anos de idade, perdendo assim o movimento das pernas, ela passou dois meses enfrentando condições totalmente adversas para realizar dois grandes sonhos: viajar para lugares fora dos roteiros tradicionais e contar histórias que nunca foram contadas.

Pronto: com estas leituras e o material previamente acumulado para o meu livro Como enfrentar os desafios da carreira profissional, o arcabouço da palestra estava completo.

Como?

A leitura desses livros me permitiu incorporar à minha apresentação algumas questões fundamentais, que envolvem tanto a formação quanto o exercício da profissão do Economista.

1ª. Uma sólida formação decorrente de um curso que alia em suas diretrizes curriculares conteúdos relacionados à história (História Econômica Geral, História do Pensamento Econômico, Formação Econômica do Brasil e Economia Brasileira Contemporânea), aos métodos quantitativos (Matemática, Estatística e Econometria), e à teoria econômica (Teoria Econômica, Economia Política, Macroeconomia, Microeconomia, Economia Internacional, Desenvolvimento Socioeconômico e Economia Monetária). Além desses conteúdos, de caráter compulsório e que correspondem a 50% da carga mínima obrigatória, as instituições de ensino podem acrescenta outros conteúdos, divididos entre disciplinas complementares e eletivas, e que vão explorar as especificidades e vocações regionais de cada curso.

2ª. Sem deixar de reconhecer que esse tipo de formação exige muito dos estudantes, razão pela qual não são muitos os que se interessam pelo curso, sem contar outros tantos que o abandonam antes de concluí-lo, há também que reconhecer que aqueles que enfrentam o desafio e seguem até o final do curso, saem com uma formação diferenciada, que lhes fornece um amplo repertório que, se bem aproveitado, transforma-os em profissionais super requisitados.

3ª. Essa formação sólida e esse repertório abrangente permitem que os Economistas possam optar por atuar em muitas áreas, bastante diversificadas entre si, o que gera amplas oportunidades para que encontrem ocupações em atividades que lhes trazem satisfação. Estudo realizado pelo Prof. Roberto Macedo dá ênfase a esse ecletismo da profissão de Economista, que fazem com que ele seja um dos profissionais capazes de atuar num volume mais amplo de ocupações, como se vê na tabela 3.

 

Tabela 3

Dispersão Ocupacional

Número de Ocupações que Alcançaram Cerca de 70% dos

Entrevistados, por Curso de Graduação ou Profissão Declarada – 2010

Curso/Profissão Número Curso/Profissão Número
Odontologia 1 Engenharia Civil 12
Farmácia 2 Matemática 13
Medicina 2 Agronomia 13
Biologia 3 Biblioteconomia 14
Enfermagem 3 Física 17
Artes 4 Contabilidade 21
História 4 Teologia 23
Serviço Social 6 Engenharia Mecânica 25
Sociologia 6 Química 25
Filosofia 7 Engenharia Química 26
Arquitetura 8 Estatística 27
Veterinária 8 Economista 30
Psicologia 10 Administração 35
Direito 11 Engenharia Elétrica 37

Requer empenho e esforço? Sem dúvida.

Porém, como diz o dito popular, “o dicionário é o único lugar em que o sucesso vem antes do trabalho”.

Luiz Alberto Machado, conselheiro do Conselho Federal de Economia

Referências bibliográficas

ANDERSON, Chris e SALLY, David. Os números do jogo: por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado. Tradução de André Fontenelle. São Paulo: Paralela, 2013.

CLARO, Marcela. Atitudes para alcançar o êxito profissional em tempos de crise. São Paulo: Trevisan Editora, 2016.

GLEISER, Ilan. A evolução do pensamento econômico: risco e retorno em ciclos econômicos. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1982.

MACHADO, Luiz Alberto. Como enfrentar os desafios da carreira profissional. São Paulo: Trevisan, 2012.

PAULA. Jéssica. Estamos aqui: histórias das vítimas de conflito no leste africano. Itu, SP: Editora Schoba, 2015.

SALSBURG, David. Uma senhora toma chá… – como a estatística revolucionou a ciência no século XX. Tradução de José Mauricio Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

[1] [1] Mediano. Tibless (CD Afro-Beat-Ado)

Luiz Alberto Machado – Economista, professor da FAAP e conselheiro federal do Cofecon.

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