Daniela Prates e Lena Lavinas debatem conjuntura

  • 22 de março de 2019
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Como já é tradição durante as reuniões do Conselho Federal de Economia, foi realizado nesta sexta-feira (22), por ocasião da 689ª Sessão Plenária, um debate de conjuntura. O tema, desta vez, foram as perspectivas para a economia brasileira em 2019. As debatedoras foram as economistas Daniela Prates e Lena Lavinas. Clique aqui para assistir ao vídeo, na íntegra, do debate.

Daniela falou primeiro e iniciou falando que o debate econômico no Brasil está muito pobre. “Só se fala sobre a previdência, e parece que a reforma vai resolver todos os problemas”, afirmou. “Mas a ideia chave que eu quero transmitir é que há uma importante sinergia entre a política macroeconômica, as demais políticas econômicas e a política social”.

A economia caracterizou a economia brasileira como periférica, sujeita a assimetrias produtivas e tecnológicas, monetárias e financeiras. Falou sobre o “privilégio exorbitante” dos Estados Unidos por terem uma moeda chave nas trocas internacionais e colocou que a capacidade brasileira de atrair fluxos de capitais é pequena. “O problema se agrava quando a esta simetria monetária se acoplam as assimetrias financeiras”, analisa Daniela. “Para conseguir atrair fluxos de capitais, temos que oferecer um diferencial na taxa de juros. Hoje não estamos mais no primeiro lugar do ranking de juros reais, mas ainda temos um diferencial”.

Ao falar sobre política monetária, cambial e fiscal, apontou a monetária como a que está se saindo melhor. “Em função de choques favoráveis nas commodities, estamos com a inflação baixa e a taxa de juros também. Isso é importante, embora não suficiente, para retomar o crescimento”, avalia. “A política financeira está sendo desmontada. Sem o banco público a Alemanha não seria o que é hoje. A China, então, nem precisamos falar. No Brasil estão desmontando isso achando que o mercado de capitais vai resolver. Não vai”.

Como o Brasil poderia se tornar menos vulnerável às pressões de apreciação e depreciação cambial? “Adotando regulação sobre fluxo de capitais e derivativos”, respondeu Daniela, comentando em seguida o exemplo da Coreia do Sul, que, por ser membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não pode adotar controle de capitais – apenas regulação macroprudencial. “O Brasil tem que adotar controle de capitais. Eu estou em pânico (com a possibilidade de entrada do Brasil na OCDE), porque nós vamos perder ainda mais instrumentos de política, e ainda estamos dando como troca perder algumas vantagens na Organização Mundial do Comércio, que ainda dão algum grau de liberdade para a política comercial e industrial”.

Daniela Prates é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo – USP (1992), mestrado (1997) e doutorado (2002) em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, com bolsa da Capes (de maio de 2000 a maio de 2001) na Universidade de Paris 13. É professora associada da Unicamp, ministrando disciplinas nas áreas de Economia Internacional e Macroeconomia Aberta na graduação e na pós-graduação, sendo responsável pela disciplina de Economia Internacional no Mestrado de Teoria Econômica. É editora-chefe da revista Economia e Sociedade.

Lena Lavinas abriu sua fala trazendo uma análise de Christine Lagarde, presidente do Fundo Monetário Internacional, sobre o impacto que a eliminação das diferenças de gênero poderia ter na economia mundial. “Isso permitiria um crescimento da ordem de 35% nas economias de muitos países em desenvolvimento se a gente anulasse as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho”, afirmou. “O sexismo é um fator que freia o crescimento da produtividade, promove o desperdício de talentos e compromete a emergência de novas formas de produzir e de trabalhar, justamente o que se mostra urgentemente necessário em meio à transição tecnológica, energética e de preferências que trazem os millenials, entre elas a transição ecológica”.

A atual conjuntura, na visão de Lavinas, é de uma série de retrocessos nos indicadores sociais – especialmente depois da recessão vivida em 2015/2016: “A pobreza extrema voltou a patamares prevalecentes no início do milênio, anteriores à criação do programa Bolsa Família; cerca de 15 milhões de pessoas vivem na indigência, nível igual ao de 2004 e o dobro de 2014; a taxa de mortalidade infantil reverteu a tendência de queda; o Brasil voltou a entrar no mapa da fome; de 2016 para 2017 o percentual de crianças menores desnutridas aumentou 2%; o desemprego não cedeu e permanece superior a todas as médias anuais compiladas desde 1991”.

A economista apontou para um quadro que classificou como ainda mais sombrio e ameaça a recuperação: o endividamento das pessoas. “São 63 milhões de inadimplentes, quase 40% da população adulta”, avaliou. “Elas estão se endividando para comer, e comendo mal, porque a insegurança alimentar está aumentando. A saga dos negativados é interpretada como falta de educação financeira e planejamento. Mas sabemos que isso reflete uma mudança estrutural, em que o crédito torna-se uma forma de acesso a bem-estar, educação superior e remédios, e não apenas aquisição de bens duráveis ou moradia. Viver endividado é norma no capitalismo financeirizado”.

Com todos estes dados, o futuro enxergado pela economista não é promissor. “Primeiro, pelas consequências deletérias da PEC do teto de gastos. A política social vai se tornar um colateral, que vai garantir benefícios mínimos. Aqueles que aspiram a ter uma saúde melhor terão que ir ao mercado financeiro, ao mercado de seguros”, finaliza.

Lena Lavinas é graduada em Economia pelo Institut d’Etudes pour le Développement Economique et Social – Université Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1976), e obteve seu mestrado (1979) e doutorado (1984) no Institut de Hautes Etudes d’Amérique Latine – Universite Paris III (Sorbonne-Nouvelle). Foi fellow do Wissenschaftskolleg zu Berlin (Institute for Advanced Study) entre 2016 e 2017. É professora titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, lecionando na graduação e na pós-graduação, nas disciplinas de Economia do Bem-estar e Avaliação de Políticas Públicas e Programas Sociais.

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