Discurso de Posse do presidente do Cofecon, Paulo Dantas da Costa

Confira as palavras proferidas por Dantas em solenidade de lançamento do ano temático “Memórias e futuro da economia brasileira” e posse dos novos dirigentes

Boa noite a todas e todos. Tenho a honra de saudar os membros desta muito qualificada mesa, nas pessoas da minha vice presidente Flávia Vinhaes, do conselheiro João Manoel e da presidente do Corecon do Corecon Bahia, Isabel.

Saúdo e agradeço a presença das autoridades cujos nomes já foram mencionados, em especial os dirigentes de outros órgãos profissionais.

Quero saudar os presidentes dos conselhos regionais, os conselheiros federais e regionais e os funcionários dos nossos órgãos.

Saúdo com muita satisfação os meus amigos economistas e não economistas de outros estados, que aqui vieram para esta solenidade. E também os que nos assistem de forma virtual, por meio do nosso canal do YouTube.

Registro aqui um agradecimento todo especial aos colegas do plenário, que deram a mim e à economista Flávia Vinhaes a tarefa de conduzir o Cofecon durante o ano de 2024.

Temos objetivos importantes para realizar neste ano de 2024 e discutiremos alguns deles na sessão plenária que realizaremos amanhã, junto aos conselheiros federais e aos presidentes dos conselhos regionais de economia, quando apresentaremos nosso plano de trabalho.

Um item deste plano que se reveste de especial importância é o projeto “memórias e futuro da economia brasileira”, que teve seu lançamento nesta noite e que realizaremos ao longo de 2024. No transcurso de mais de quinhentos anos de história, passamos por diversos ciclos econômicos que vão do açúcar ao ouro, da borracha ao café, da industrialização à desindustrialização, à reindustrialização e mais recentemente à neoindustrialização, entre tantos outros.

Neste período, não faltaram iniciativas para desenvolver o nosso país. Algumas delas prosperaram, enquanto outras não apresentaram os resultados esperados, e alguns dos problemas econômicos históricos persistem até os nossos dias.

Por isso, conhecer a história daquilo que vivemos é fundamental para que possamos compreender o processo de construção que resultou no estágio atual da economia brasileira.

Mas, apenas contar a história não é suficiente.

Por isso o projeto recebeu o nome de memórias e futuro da economia brasileira.

Podemos identificar o registro do que aconteceu até aqui, e muitos profissionais têm tomado para si esta tarefa. Entretanto, cabe a construção das soluções que nós, economistas, podemos indicar para o avanço da economia brasileira.

A sociedade espera muito de nós, tanto dos economistas quanto dos nossos órgãos de classe.

Em relação ao momento econômico que estamos vivendo nesta virada de 2023 para 2024, gostaria de mencionar alguns dos aspectos mais importantes da economia.

A inflação está sob controle. Fechamos o ano de 2023 com o IPCA variando 4,62% e as projeções para 2024 estão na ordem de 3,81%.

O nível de investimentos melhorou, embora ainda precisemos avançar neste particular. Temos um volume considerável de reservas internacionais, algo na casa dos 350 bilhões de dólares, o que é algo muito positivo para a estabilidade da economia brasileira. Este lastro internacional nos dá uma posição privilegiada em comparação com os nossos pares emergentes.

E tivemos em 2023 um crescimento próximo à marca de 3%, um número muito superior às projeções que haviam no início do ano passado.

Assim, podemos afirmar que os dados mais importantes da economia brasileira são positivos.

Mesmo assim, é necessária a ressalva. Embora tenhamos bons indicadores, sempre há um senão a ser considerado, cabendo destacar algo muito importante, que são as condições de vida da população brasileira, que deixam muito a desejar.

Apesar daqueles dados macroeconômicos positivos, nós, economistas, sabemos que há uma quantidade bastante significativa de problemas que afetam diretamente as pessoas que estão nas classes sociais menos privilegiadas.

Embora os números do desemprego sejam os melhores num período de quase dez anos, ainda temos mais de oito milhões de trabalhadores desempregados, além de muitos outros em situação de subemprego e na informalidade.

O endividamento das famílias tem atingido números preocupantes, sendo que mais de três quartos de todas as famílias no brasil estão endividadas, e a inadimplência atingiu um nível recorde.

Sabemos que estes dados afetam mais fortemente as camadas de renda mais baixa. Estes dados são apenas alguns exemplos que evidenciam que muito ainda precisa ser feito em favor dos pobres brasileiros.

Neste particular, é preciso que o estado adote iniciativas que venham contemplar estas questões. Por isso, precisamos continuar lutando por um estado que seja capaz de cumprir suas funções.

Do estado, sim, que numa sociedade como a brasileira, que convive com um padrão de capitalismo com algumas marcas de atraso, carece, e muito, de uma atuação expressiva do estado.

Observado esse contexto, entendo como necessário destacar que as dificuldades enfrentadas pelos menos privilegiados brasileiros também são enfrentadas por outros povos.

Como exemplo disso, destaco que em 1993 o fotógrafo sul-africano Kevin Carter fez uma foto histórica no Sudão.

Ele retratou uma criança negra, arqueada de cansaço, com debilidade física e fome, à beira da morte, observada por uma ave de rapina à espera do último suspiro para se banquetear com o que resta de um corpo que integra a estatística da riqueza negativa no mundo global. Carter fez a foto e afastou a ave. No ano seguinte, ganhou o prêmio Pullitzer, mas entrou num estado depressivo e cometeu suicídio.

A criança, cujo nome era Kong Nyon, sobreviveu à fome, mas veio a falecer anos mais tarde, por volta de 2006 ou 2007, de uma enfermidade que os habitantes da aldeia somente conseguiam definir como febre. Aquela imagem é lembrada como um emblema da miséria. Era uma criança sudanesa, mas poderia ser de qualquer outro país pobre, inclusive do brasil, pois apesar dos avanços, tristemente, ainda constatamos focos de pobreza extrema.

Ou seja, a questão da pobreza passou a ser tratada no plano global. No encerramento da 18ª cúpula de chefes de estado e de governo do G-20, em 12/09/2023, nova Delhi, capital da índia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu a presidência do grupo, defendeu três prioridades: a inclusão social e a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza; o enfrentamento das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômica, social e ambiental; e a defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente.  No seu discurso na 78ª assembleia geral da ONU, 19/09/2023, o presidente voltou a expressar a mesma visão do mundo. No contexto apresentado pelo presidente brasileiro nas duas ocasiões, cabe aqui evidenciar os aspectos da pobreza, da fome e das instituições de governança global.

Parte das questões já haviam sido discutidas em setembro de 2015, em Nova York, quando os chefes de 193 estados-membros da ONU aprovaram a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, composta de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) com os quais imaginaram resolver graves problemas até o ano 2030, a exemplo do “objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” e do “objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. As proposições do presidente Lula em “defesa da reforma das instituições de governança global, que reflita a geopolítica do presente” estão em linha com as atuais necessidades econômicas globais, em especial para dar conta das soluções daqueles dois importantes objetivos traçados pela “agenda 2030” de acabar com a fome e a pobreza. Para tal finalidade, a mesma “agenda 2030” deixou indicado o inaplicável esquema de financiamento dos projetos, contando com recursos correspondentes a 0,7% do PIB das grandes nações, mais 0,15 a 0,2% dos países em desenvolvimento, ou seja, recursos nacionais originados dos respectivos orçamentos. A ideia não tem se mostrado eficaz, dado que, transcorridos oito anos, nada significativo foi realizado. As soluções para as questões relacionadas à fome e à pobreza necessitam de um elevado aporte de recursos financeiros, tendo em mente que não se deve contar com a generosidade das nações mais ricas para solução permanente e/ou continuada dos problemas, como previsto na “agenda 2030”.

Em vista disso, cabe imaginar outras opções de financiamento, incluída a muito promissora possibilidade da implantação de um tributo internacional com boa base de incidência, com características essencialmente internacionais, uma vez que o fato gerador a ele relacionado envolve agentes internacionais residentes ou estabelecidos em países diferentes. A hipótese que se encaixa nessa configuração é um tributo internacional sobre todas as transações cambiais, a ser arrecadado em âmbito global, fora dos orçamentos nacionais.

Os que estudam a matéria, desde James Tobin, no começo dos anos 70, com a sua Tobin Tax, já têm delineado o conjunto de elementos que configurariam um tributo sobre transações cambiais: hipótese de incidência, fato gerador, sujeito passivo, alíquota, base de cálculo, local da operação, o lançamento e a arrecadação, e o sujeito ativo da potencial relação fisco/contribuinte, que pode ser definido por meio de importantíssimo tratado envolvendo todos os países, observados parâmetros para uma nova governança internacional, como proposto pelo presidente Lula.

A indicada nova governança mundial poderia atuar na atividade financeira internacional buscando tributar o extraordinário fluxo financeiro global, como hipótese de incidência, cujo fato gerador seria a realização de operações cambiais internacionais, tendo como sujeito passivo (o contribuinte) apenas o remetente do recurso. A base de cálculo seria o valor de cada operação, sobre o qual incidiria uma alíquota de 0,1% (muito se fala em alíquotas de 0,01% a 1%).

O lançamento e a arrecadação ficariam a cargo do necessário sujeito ativo que, no contexto de uma nova governança econômica global, poderia ser, sugestivamente, a própria ONU, pela instituição de um alto comissariado da entidade, destinado a gerir todo processo, incluída a definição dos destinatários, sejam países ou entidades (ACNUR, FAO, OMS, entre outras), presumindo-se a necessidade da pactuação de tratado com ampla participação para tal fim.

A tributação aqui proposta não afetaria a livre movimentação de capitais, gerando arrecadação completamente fora dos orçamentos nacionais, uma vez que as operações têm características puramente internacionais.

Além dos fins econômicos, a adoção de um mecanismo tributário internacional poderia contribuir significativamente no enfrentamento ao movimento de dinheiro sujo no mundo e o consequente esvaziamento dos paraísos fiscais, favorecendo, ainda, no combate à guerra fiscal, que existe entre países da Europa, na disputa por capitais financeiros em seus territórios. A proposta é de que todas as operações cambiais sejam alcançadas pela tributação, inclusive as realizadas por bancos centrais.

O valor estimado para as poupanças internacionais é da ordem de US$ 550 trilhões, o que representa 5,4 vezes o valor do PIB mundial, estimado pelo FMI em US$ 101 trilhões para o ano de 2022. Nesse contexto, o bis – banco de compensações internacionais informa que um volume diário de operações cambiais da ordem de US$ 7,5 trilhões diários (valor médio das operações ocorridas em abril/2022), valor considerado modesto por alguns, a uma alíquota de 0,1%, resultaria numa arrecadação diária de US$ 7,5 bilhões, ou US$ 1,875 trilhão/ano, em 250 dias úteis, a ser aplicado pelo sujeito ativo nas nações mais pobres do mundo em ações nas áreas da educação, saúde, habitação, saneamento, questões climáticas e, principalmente, no combate à fome e à pobreza.

O fato é que a intensa internacionalização das relações econômicas resultou na criação de um ambiente propício para adoção da ideia. Além do que é fundamental uma resposta concreta para consecução dos objetivos 1. Acabar com a pobreza até 2030 e 2. Acabar com a fome até 2030, que foram pactuados por 193 chefes de estados-membros da ONU quando da aprovação da “agenda 2030”.

Encerro esta minha fala sem deixar de registrar que muito do que aqui destaquei também abordei na minha fala de abertura do 25º CBE, em novembro passado, em são luís do maranhão. Não por acaso, mas, pela absoluta importância que dou aos temas.

E para finalizar mesmo, informo às economistas e aos economistas que o Cofecon continua as tratativas com o ministério do trabalho visando a modernização da lei de regência da profissão de economista no brasil.

Muito obrigado.

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