Economistas comentam números do Censo de 2022

  • 7 de julho de 2023
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Conselheiro federal Júlio Miragaya e ex-conselheiros Roberto Piscitelli e Newton Marques participaram de programa da Rádio Justiça 

Os economistas Júlio Miragaya, Roberto Piscitelli e Newton Marques foram entrevistados na última terça-feira (04) pelo programa Revista Justiça, da Rádio Justiça, para falar sobre os dados do Censo de 2022. Eles falaram sobre os questionamentos em relação aos números apresentados, as dificuldades para a realização da pesquisa e a situação do Distrito Federal, uma vez que as informações divulgadas mostram que a capital federal passou a ser a terceira maior metrópole do País. O programa pode ser assistido AQUI.

Números do Censo são questionados 

Existem questionamentos quanto aos resultados apresentados e há cerca de 700 municípios querendo entrar na justiça porque terão menos dinheiro em caixa. “Eles recebem o Fundo de Participação dos Municípios de acordo com a população. Se eles tiverem uma população menor, terão prejuízo”, explicou Marques. “Não é a primeira vez que isso acontece”, frisou Miragaya. “Não foi a pandemia que impediu a realização do Censo. Eu acompanhei este processo e realmente não havia recursos. Mesmo sem pandemia, não teria havido o recenseamento em 2020, a seleção de pessoal não havia sido feita. Toda a parte organizativa leva de um ano a um ano e meio e não havia sido realizada”.  

Miragaya também apontou para o percentual de recusa de respostas (1,5%) e de não respostas (4%): “Isso afeta demais a qualidade. Quando falamos de negacionismo estatístico estamos falando de pessoas que não veem importância na estatística, porque recusam o papel do Estado”. “Levamos 12 anos para realizar o Censo e houve uma verdadeira campanha de descrédito em relação aos levantamentos e à competência técnica da equipe”, completou Piscitelli. “Há um prejuízo importante para todos os estudos e pesquisas que vierem a ser realizados nos próximos dez anos”. 

Miragaya citou o caso do município de São Gonçalo do Amarante, na região metropolitana do Rio de Janeiro. “A projeção era de que o município tivesse 1,1 milhão de habitantes e o resultado foi de 892 mil. Os dados de que a prefeitura dispõe mostram que esta redução não aconteceu, seja no número de habitações, seja na população atendida nos hospitais e escolas públicas”, ressalta. “Há uma contradição entre os dados administrativos da prefeitura, que mostram um pequeno aumento, e os dados censitários que mostram uma redução drástica”. Ele também questiona o número oficial (203,1 milhões), afirmando que vários organismos internacionais trabalham com números entre 208 e 212 milhões. 

Sendo assim, a divulgação dos dados teria ocorrido de forma precipitada? “Ontem eu estava ouvindo uma entrevista da coordenadora técnica do IBGE na Bahia e ela destacou a rapidez com que os primeiros dados foram disponibilizados”, comentou Piscitelli. “De fato, há uma estranheza na comparação dos dados disponibilizados com as projeções. Já era esperada uma desaceleração na taxa de crescimento populacional, mas os números vieram com muito mais diferenças, o que pode trazer grandes prejuízos ao planejamento urbano e regional. Estamos falando de situações que podem afetar pequenos e grandes municípios”. Ele chamou a atenção para o fato de que 45% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes. 

“A população cresceu 6,5% em dez anos, mas o número de domicílios cresceu 34% e o de domicílios não ocupados cresceu 87%. São números totalmente desproporcionais em relação ao crescimento populacional. São 11 milhões de domicílios não ocupados. Acredito que alguns desses milhões não foram entrevistados e possuíam moradores”, acrescentou Miragaya. “São casas de praia? São o quê? Não há justificativa nenhuma para um número tão elevado, que deveria ser feito com mais cautela”, ponderou Marques. “Somando o número de domicílios particulares permanentemente vagos com aqueles considerados de uso ocasional, são 18 milhões de domicílios, o que corresponde a 20% do total levantado pelo Censo. É realmente um número espantoso”, observou Piscitelli. 

E qual será a solução para estes dados? “Será que vamos ter que fazer outro recenseamento? Ou cruzar essas informações com a dos Tribunais Eleitorais, ou do IPTU? Vamos ter que dar tempo para o IBGE buscar estas contradições”, ponderou Marques. “O contingente qualificado para votar na última eleição aumentou em 11,5%. Por mais que o número de crianças tenha diminuído, não justifica uma diferença tão grande, de quase 12% para 6% da população”, argumentou Miragaya. 

“Todos nós estamos exaltando o esforço dos técnicos do IBGE, e temos que reconhecer que parte destes problemas que nós estamos comentando vêm do fato de o governo federal, na gestão do ex-presidente, não prover os recursos necessários à realização dos trabalhos. O IBGE teve dificuldade de recrutamento de pessoal e retenção de pessoas contratadas”, apontou Piscitelli. 

Acerca da tendência de envelhecimento da população, Miragaya observou que demandará mais serviços de saúde e menos de educação fundamental, e afetará também a Previdência. “A sociedade sustenta estas políticas públicas com os impostos. O que tem que ser pensado agora, com a reforma tributária, é tirar o peso do chamado andar de baixo e colocar o peso no andar de cima. Nossa tributação não tem progressividade”, ponderou Marques.  

Distrito Federal 

O Censo mostrou que Brasília tornou-se a terceira maior metrópole do Brasil, com 2,8 milhões de habitantes. Miragaya abordou o crescimento de regiões como Sol Nascente, Itapoã e Paranoá. “Há um crescimento acentuado nestas áreas, mas ao mesmo tempo a pesquisa apura quase 300 mil pessoas a menos do que o projetado, então temos este estranhamento”, observa. “A demanda por serviços públicos continua aumentando, em particular onde essa população cresceu mais acentuadamente, e nos preocupa a questão do financiamento destas políticas”. 

Cerca de 40% do orçamento do Distrito Federal vem do Fundo Constitucional – que faz parte das discussões do novo arcabouço fiscal. “O orçamento per capita no DF é de 18 mil reais. No maranhão é de 3,5 mil reais. Eu te pergunto, o parlamentar do Maranhão acha justo que o estado dele tenha um orçamento cinco vezes menor?”, questiona Miragaya. “Escrevi um artigo recente dizendo que a melhor defesa do Fundo Constitucional é o compartilhamento deste recurso com os municípios do entorno, porque neles a arrecadação per capita é menor do que no Maranhão. Qual a justificativa de ter tanto recurso aqui e uma precariedade total em volta? Hoje o entorno tem 1,2 milhão de habitantes em 12 municípios e essas regiões são quase bairros de Brasília”. 

Piscitelli, por sua vez, ponderou que nos estados vizinhos há uma omissão em relação aos municípios limítrofes e que os recursos do Fundo Constitucional não são estritamente relacionados às necessidades da população local e sim ao atendimento à administração federal e representações estrangeiras. “Existem despesas curtas que são inerentes à condição de capital da república. A comparação do orçamento per capita é muito contundente, mas é preciso cuidado porque há uma certa incompreensão quanto à função que o Distrito Federal tem”, argumentou. “A quase totalidade das despesas deste fundo são despesas de custeio, de pessoal, e não se mexe de uma hora para outra sem causar uma verdadeira revolução na manutenção do serviço”. 

“Se nós não resolvermos a questão do entorno, vai ser crescente a demanda por políticas públicas aqui no DF. Na prática, teremos uma população flutuante de 1,5 a 2 milhões de pessoas pressionando os serviços públicos”, observou Marques. “É uma discussão polêmica, porque nós achamos bom ter serviços melhores. Temos que procurar a solução como economistas que somos”. 

Os entrevistados 

Júlio Miragaya é conselheiro federal e ex-presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). Roberto Piscitelli é consultor legislativo na Câmara dos Deputados e foi professor da Universidade de Brasília. Ex-conselheiro federal, atualmente integra a Comissão de Política Econômica do Cofecon. Newton Marques trabalhou por mais de 30 anos no Banco Central e atualmente é consultor. Também foi conselheiro federal. 

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