Em audiência na Câmara, Lacerda fala sobre indústria brasileira

  • 9 de novembro de 2021
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O presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, participou de uma audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados na manhã desta terça-feira (09). O evento foi transmitido ao vivo pela internet e teve como tema “Indústria 4.0, Transformações na Economia Global e Desenvolvimento Econômico”.

Lacerda foi o primeiro a falar e caracterizou a Indústria 4.0 e as transformações na economia global como um desafio e uma oportunidade para o Brasil, que tem uma longa experiência na área de industrialização. Contudo, não é de hoje que o setor vem sofrendo uma crise no País. “A pandemia afetou muito, mas, mesmo antes dela, a estagnação industrial já durava mais de uma década”, comentou o presidente, enquanto ilustrava com gráficos de desempenho. “O nível de produção em 2019 era muito semelhante ao de 2008. Um processo de longa estagnação. O consumo continuou crescendo, praticamente dobrou no período. Este “milagre” somente é possível com o crescimento das importações”.

Lacerda também contestou a visão de que o Brasil tenha uma economia fechada. “Possuímos uma alíquota média de 11%, alguns setores têm tarifas mais elevadas, mas há exceções para baixo. A tarifa real efetiva é próxima de 7%. É uma economia fortemente aberta”, argumentou. “Os que defendem uma abertura unilateral da economia brasileira usam muito o volume de importações e exportações, em porcentagem do PIB, comparando com os dados da Alemanha. Mas, para argumentar que o Brasil tem uma economia fechada porque as importações e exportações representam 15% e 14% do PIB, respectivamente, seria preciso dizer o mesmo dos Estados Unidos (12%) e ninguém dirá que eles são uma economia fechada. Ambas são economias gigantes em que o setor de serviços tem grande representatividade”.

Os dados das exportações mostram que, nas últimas duas décadas, a participação dos produtos básicos subiu de 27% para 52%. Contudo, “o Brasil ficou mais dependente das commodities. Somos superavitários em carnes, agricultura, petróleo e minério de ferro. Nos setores mais intensivos em tecnologia, que exigem maior valor agregado, nossa balança é muito deficitária”, apontou Lacerda.

O presidente do Cofecon também caracterizou o Brasil, do ponto de vista da inserção internacional, vivendo uma assimetria, pois como um país recebedor de investimentos diretos, mas pouco participativo nas cadeias globais de valor quando se trata de inovação. “Essas dimensões interagem entre as políticas públicas e as estratégias empresariais. Seria um equívoco imaginar que só pelas forças do mercado seria possível reverter este quadro”, pontuou Lacerda.

Em seguida, apontou a indústria extrativa mineral e os setores de eletricidade como de bom desempenho, e construção civil e indústria de transformação como áreas em queda livre. “A participação da indústria de transformação em relação ao PIB mergulhou de 27% em meados dos anos 80 para menos de 10% hoje. Este não é um fenômeno internacional. A desindustrialização prematura brasileira não pode ser comparada à norte-americana ou alemã. O Brasil se desindustrializa antes de atingir a maturidade do seu processo industrial”, apresentou o presidente do Cofecon.

Lacerda também comentou uma contradição: na maior crise econômica já vivida pelo Brasil, há uma queda nos investimentos públicos em porcentagem do PIB. “Em 2017 há a lei do teto de gastos, mas que pode ser a ‘lei do teto de investimentos’, que fez com que este caísse para menos da metade. Hoje, a taxa de investimento total do Brasil é de 15%, abaixo até mesmo de países desenvolvidas”, questionou. “Essa combinação de pandemia, crise e desindustrialização levou a um aumento substancial do desemprego, que mais do que dobrou nos últimos 7 anos e atinge, em um conceito mais amplo, um terço da População Economicamente Ativa (PEA)”. E, ao caracterizar desemprego, desalento e subocupação, afirmou que cada desempregado a mais é um consumidor a menos.

Para retomar o crescimento, na visão de Lacerda, é fundamental ter maior inserção internacional e industrial. “O Brasil tem potencial, mas isso não vai acontecer automaticamente. Demandas políticas de competitividade, de tecnologia, de inovação, de infraestrutura, políticas regulatórias e de educação e, no âmbito micro, inovação e produtividade envolvendo a atuação das empresas”, argumentou. Ao falar da não-política industrial e das políticas compensatórias como um equívoco brasileiro, referiu-se ao plano Biden como algo positivo.

Lacerda também criticou a junção de ministérios realizada pelo atual governo com a criação do ministério da Economia. “A despeito do discurso de racionalização, criou-se um ‘elefante branco’ com pouca capacidade de interação e ação junto aos agentes econômicos. Perdeu-se interlocução com setores estratégicos relevantes no sentido de combinar as ações necessárias para reverter o processo de desindustrialização e reprimarização, mas também para fazer frente às grandes transformações em curso”.

O economista argumenta que o Brasil tem vantagens, como economia de escala e escopo, autossuficiência energética e hídrica, biodiversidade e histórico de industrialização. “Ainda temos o maior parque industrial da América Latina. São condições importantes para recriar a inserção autônoma na economia mundial. Mas isso não acontecerá de forma automática, pela ‘livre força do mercado’. É preciso superar a instabilidade das políticas macroeconômicas e reduzir o custo do capital. Estamos diante de um desafio imenso que pode ser superado com a conjugação de forças e da experiência brasileira, juntando setores, mas com uma forte articulação do Estado, que é imprescindível”, concluiu.

Perto do encerramento da audiência, Lacerda ainda respondeu uma pergunta sobre um programa de renda básica universal. “Temos um desemprego estrutural que se soma a um desemprego conjuntural. Explicando um pouco: o estrutural decorre do avanço tecnológico. Um efeito mundial, que já ocorreu em outras fases da nossa história. Agora é de uma forma mais acelerada. Mas há também o desemprego conjuntural, decorrente do não crescimento, da atrofia da indústria no Brasil”, comentou o presidente. “Temos aqui três dimensões para tratar a questão da renda básica universal. A primeira é que o país precisa voltar a crescer para diminuir o desemprego conjuntural. A segunda é que nós precisamos de articulação para fazer frente aos desafios da Indústria 4.0, como foi amplamente debatido aqui. E terceiro, nós precisamos, sim, num país com as desigualdades brasileiras, do ponto de vista da concentração de renda, da disparidade regional, de programas de renda mínima. Permanente, política de Estado”.

Confira, na íntegra, a participação de Lacerda aqui.

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