Geopolítica e economia internacional em debate

  • 19 de agosto de 2022
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Desde o final dos anos 80, o mundo vive um processo conhecido como globalização. Porém, recentemente, as mudanças ocorridas na economia mundial depois da pandemia de Covid-19 e da guerra Rússia-Ucrânia levaram a questionamentos sobre um refluxo, e até mesmo a uma mudança de paradigma, em que o preço daria lugar à segurança de fornecimento. Diante disso, o Brasil tem que retomar seus projetos de desenvolvimento e de inserção internacional, ambos muito ligados entre si – e este último começa pela relação com os países vizinhos, que é uma questão que possui aspectos bastante delicados. 

Para discutir estes assuntos, bem como seus impactos na economia brasileira, a Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis) e o Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), com apoio da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, do Sindilegis e do Cofecon, realizaram um encontro sobre geopolítica e economia internacional. O evento ocorreu no Plenário 13 da Câmara dos Deputados e contou com a presença do presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, e do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. 

Lacerda abordou a globalização à luz dos fatos mais recentes, discutindo a recente tendência de reversão deste processo. Para o economista, a maior interrelação entre os países não é algo inédito na história econômica mundial, mas o período posterior aos anos 80 é caracterizado por três fenômenos interligados, sendo o primeiro deles a financeirização. “A mudança no padrão da globalização e da financeirização se dá no mercado financeiro tendo a sua própria dinâmica de acumulação – o que os marxistas chamam de capital fictício, na medida em que ele se autorreproduz independente de sua passagem pelo processo produtivo. O volume de ativos financeiros globais e o PIB global, que caminhavam juntos até o início da década de 1980, se deslocaram de forma muito intensa”, explicou o presidente do Cofecon. 

A segunda mudança ocorreu com o acúmulo de reservas internacionais. O dólar já teve uma participação de 80%, em 1999, enquanto atualmente ela caiu para 60% – mas, em números absolutos, o volume cresceu muito (de 1 trilhão para 16 trilhões de dólares). “O Fundo Monetário Internacional deixou de exercer sua própria função de emprestador de última instância. É claro que os países em crise ainda recorrem ao FMI, a Argentina acabou de passar por isso, mas o fato é que todos os países que puderam, inclusive o Brasil, acumularam reservas cambiais como uma maneira de enfrentamento da volatilidade e da expansão dos capitais financeiros”, argumentou Lacerda. 

O terceiro pilar da globalização se dá no campo produtivo, com as empresas transnacionais e o investimento estrangeiro direto – algo que não é novo, mas foi intensificado no período. “O mesmo volume de capitais que intensificou a especulação, por outro lado, gerou financiamento para a expansão capitalista. São trilhões de dólares de investimentos realizados por empresas fora dos seus países de origem”, comentou Lacerda. Além disso, muitos dos investimentos em inovação são feitos em parceria com os Estados nacionais. 

A partir desta caracterização, o presidente do Cofecon discutiu se há uma nova fase na globalização após a pandemia de Covid-19 e a guerra Rússia-Ucrânia, onde o paradigma já não seria o preço, mas a segurança de fornecimento. “A globalização tem um fundamento neoliberal de que você não precisa produzir, você pode comprar, adquirir de um terceiro. Mas muitas vezes, mesmo tendo recursos, e mesmo comprando, não há segurança do fornecimento. O Brasil experimentou isso no início da pandemia. Como deixamos de produzir até mesmo equipamentos pouco sofisticados de proteção individual, nos vimos numa situação em que, mesmo pagando adiantado, não recebíamos os equipamentos em tempo hábil. E o produto mais caro é aquele que você não tem”, explanou Lacerda. Assim, em função das novas circunstâncias, a literatura tem usado os termos desglobalização ou reglobalização.  

Neste contexto, ao discutir de que forma o processo impacta a economia brasileira, o presidente do Cofecon questionou o tripé macroeconômico: equilíbrio fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante, começando por este último. “O câmbio flutuante deve ser mantido, mas sob determinadas condições. Deixar um câmbio livre num quadro tão intenso de movimentação de capitais implica numa grande volatilidade. Nenhuma moeda flutua tanto quanto o real”, pontuou Lacerda. “Isso gera um desequilíbrio nas decisões empresariais, no cálculo de viabilidade econômica e dificulta as decisões envolvendo a parte comercial e financeira. O melhor negócio que um especulador pode fazer é arbitragem entre câmbio e juros no Brasil, o que permite ganhos fantásticos em pouco tempo, sem nenhum benefício para o País.” 

Na área da política monetária, o presidente do Cofecon criticou a alta dos juros – 11 pontos percentuais em 15 meses. “O Brasil, de longe, é o campeão mundial de taxas de juros. Temos um custo de financiamento da dívida pública que este ano chegará a R$ 700 bilhões. É 7% do PIB, o que torna o Brasil um ponto fora da curva em termos de gastos com o pagamento de juros. Portanto, o tripé macroeconômico está trôpego e precisa ser enfrentado.” 

Outra crítica de Lacerda foi ao que chamou de apequenamento da visão de política econômica, com a fusão de vários ministérios formando o Ministério da Economia. “Ele perdeu sua capacidade de formulação, implementação, articulação e intercâmbio com os agentes econômicos. Precisamos de uma nova governança do ponto de vista da estrutura econômica e, principalmente, da retomada de um projeto de desenvolvimento. O Brasil só tem política econômica de curto prazo, e com todas as debilidades que já citei. Não é possível, diante dos desafios imensos que se apresentam, especialmente para um país como o nosso, que é sabidamente o de maior concentração de renda no mundo.” 

Por fim, Lacerda falou sobre a importância das eleições que ocorrerão em outubro. “Nós, economistas, podemos contribuir quanto às alternativas técnicas, mas as decisões e implementações ocorrem no campo da política. Ali se dá a correlação de forças que se define não só via eleição, mas principalmente via governança e governabilidade. A implementação da mudança econômica depende da política. Daí a importância das eleições gerais deste ano, não só no Executivo, mas tão importante quanto, no Legislativo. E não só no âmbito federal, mas também nos estaduais.” 

O vídeo do evento pode ser acessado clicando AQUI.
 

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