Artigo – Irmãs siamesas
“Este não é mais um relatório sobre pobreza, mas a radiografia de uma região onde pessoas muito ricas convivem com outras muito pobres na área mais desigual do mundo”. Assim inicia o prólogo do excepcional relatório “Privilégios que negam direitos: desigualdade extrema e captura política na América Latina e no Caribe”, elaborado pela Oxfam, organização com atuação mundial. De fato, a riqueza e a pobreza são irmãs siamesas, uma não vive sem a outra.
Na América Latina e Caribe, região de 620 milhões de habitantes, os contrastes são profundos, coexistindo uma casta de privilegiados, incluindo alguns milhares de super-ricos, com uma enorme massa de pobres e miseráveis. Não obstante alguns avanços, com 60 milhões de pessoas saindo da pobreza nos últimos dez anos, o fato é que, segundo o relatório, mais de 165 milhões permanecem nesta condição.
A razão de tão avassaladora pobreza é a enorme concentração da renda e da riqueza em mãos de uma minoria. Estas elites, ao capturarem politicamente o Estado, instalam políticas públicas que não beneficiam a maioria, mas são eficientes para maximizar seus lucros. Trata-se da proposição de um Estado Mínimo apenas para os mais pobres (menos recursos para a educação, saúde, transporte, habitação, saneamento etc), de forma que os recursos sejam direcionados para ampliar a riqueza dos mais abastados.
Segundo a Oxfam, os 1% mais ricos da população concentram 41% da riqueza regional ao passo que os 50% mais pobres detém parcos 3,2%. O patrimônio desses 310 milhões de latino-americanos pobres é, pasme-se, inferior ao dos 30 maiores bilionários da região. A extrema acumulação de riqueza não decorre, como afirmam os cínicos e acreditam os mais ingênuos, do trabalho, do acaso e tampouco da vontade divina, mas da ação de uma elite que não vacila em se apropriar do Estado e suas instituições para preservar e ampliar seus privilégios.
Júlio Miragaya, presidente do Conselho Federal de Economia.