Lacerda: “Crescimento não é espetacular, mas cria ambiente mais favorável”
Conselheiro federal concedeu entrevistas ao programa Jornal Despertador, da TV Democracia, e ao Fechamento, da CartaCapital, e abordou temas de destaque no noticiário econômico
O conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda concedeu duas entrevistas na última quinta-feira (04), nas quais abordou temas destacados no noticiário econômico, como a alta do dólar, o corte de 25 bilhões de reais em gastos obrigatórios anunciado pelo ministro Fernando Haddad para 2025 e o arcabouço fiscal. Pela manhã, ele falou ao Jornal Despertador, produzido pela TV Democracia; mais tarde, falou ao programa Fechamento, da CartaCapital. Ambas as transmissões estão disponíveis no Youtube.
Sobre a alta do dólar ocorrida durante os dias anteriores, Lacerda apontou para questões técnicas. “Ele vem se valorizando nos Estados Unidos porque o juro alto atrai capitais”, comentou na entrevista ao Jornal Despertador. “O que chama a atenção é que o real se desvalorizou muito mais do que a média dos países em desenvolvimento, o que sugere componentes internos. Mas, a meu ver, isso tem pouco a ver com as falas do presidente, e sim com movimentos especulativos, de posições que são tomadas no mercado. Cabe a nós, analistas, exigir ações do Banco Central para diminuir a volatilidade, porque ela é um dos principais preços da economia”.
No tocante à volatilidade e ao aumento do risco Brasil (que passou de 201 pontos em maio para 235 em julho), Lacerda afirmou que não há qualquer fundamento que justifique uma variação tão grande. “O Brasil tem superavit recorde na balança comercial. Há um quase equilíbrio em conta corrente, uma dívida externa pública diminuta e reservas internacionais acima de 370 bilhões de dólares. Os instrumentos estão nas mãos do Banco Central para atuar diretamente no mercado à vista, no mercado futuro e nos swaps cambiais”, afirmou à CartaCapital.
Após chegar a uma máxima de R$ 5,70, o preço do dólar caiu para R$ 5,55 ainda no dia 03 – data anterior às entrevistas concedidas por Lacerda. “Esses movimentos de curto prazo são posições especulativas tomadas por determinados agentes econômicos, o que é parte do jogo. Nos próximos dias haverá muita volatilidade respondendo à expectativa do que será feito na política econômica, fiscal e de juros”, comentou o economista. “O Brasil tem todas as condições de manter uma taxa mais estável, mas isso está sob o domínio do Banco Central”.
Lacerda também criticou, nas duas entrevistas, a cobertura que os assuntos econômicos recebem na imprensa, mencionando que é algo enviesado e de curtíssimo prazo. “A situação fiscal do Brasil é bastante razoável, os indicadores são parecidos com os dos países do G20. Os Estados são deficitários porque têm obrigações que uma família ou uma empresa não possuem”, observou. “O maior componente que afeta as contas públicas é a taxa de juros muito elevada. O Brasil pós-covid, pós efeitos das guerras e climáticos, a exemplo dos demais países do G20, tem déficit, mas é algo absolutamente controlável”.
Acerca do corte de gastos anunciado pelo ministro Fernando Haddad nas despesas obrigatórias de 2025 para cumprir o novo arcabouço fiscal, o conselheiro federal apontou que há espaço para rever benefícios fiscais e isenções a determinados setores e empresas. “Todo subsídio e incentivo tem que ter um retorno econômico e social. Há mais de 500 bilhões de reais ao ano que podem ser revistos. Mas há muita resistência, porque estes setores são hiper representados no Congresso Nacional”, afirmou no Jornal Despertador. “O arcabouço fiscal foi uma resposta para sair da rigidez da Emenda 95. Foi aquilo que se viabilizou dada a correlação de forças do momento. É preciso comunicar com clareza que ao mesmo tempo que existe uma meta de déficit zero, ela tem alguma margem, para preservar na medida do possível os investimentos”.
Ao falar sobre o momento econômico que o Brasil vive, o conselheiro federal apontou para a melhora dos indicadores de emprego e renda. “A reconstrução está em curso, com a recuperação do emprego e da renda, a retomada dos programas sociais, o papel dos bancos públicos, a inflação controlada e uma situação externa como poucas vezes o Brasil teve”, argumentou. “A retomada dos investimentos já acontece em vários setores. No ano passado, no início do ano, as projeções de crescimento eram inferiores a 1%. Crescemos quase 3%. Neste ano teremos uma continuidade. Não é um crescimento espetacular, mas cria um ambiente mais favorável à melhoria da qualidade de vida”. Sobre o mesmo tema, na entrevista à CartaCapital, acrescentou: “Há indicadores positivos, mais emprego, renda e programas sociais. O debate econômico na mídia corporativa está dissociado do dia a dia das pessoas. A vida delas têm melhorado, mas fica a impressão de que tudo se reflete no câmbio, na bolsa”.
O economista classificou de descalabro a proposta de transformar o Banco Central em empresa estatal – assunto abordado na entrevista à CartaCapital. “Criaria uma instância mais paralela do que já é hoje. O Banco Central do Brasil já tem autonomia e, a exemplo do que há mundo afora, precisa agir mais em consonância com o todo da política macroeconômica, especialmente a política fiscal. O que nós temos no Brasil é um BC absolutamente alinhado ao mercado financeiro”, apontou Lacerda. “Se há ruído da parte do governo em relação ao BC, a recíproca é verdadeira. Campos Neto agiu mal colocando em dúvida a sustentabilidade fiscal do país de uma forma exagerada, claramente querendo marcar posição em relação ao mercado financeiro. Isso dificulta a ação da política econômica como um todo”.
Questionado se esperava por uma alta dos juros ainda em 2024, o conselheiro federal respondeu que não. “Nossa taxa já é uma das mais elevadas do planeta e traz consequências enormes para a economia, como o desequilíbrio fiscal. Fala-se muito sobre ele e não se menciona o fato de que as taxas elevadas implicam num dispêndio anual superior a 700 bilhões de reais, ou 7% do PIB, só para o pagamento de juros sobre a dívida pública”, criticou. “Ela também interfere nas demais taxas de juros, o financiamento se torna proibitivo no Brasil, com inadimplência muito elevada entre famílias e empresas”.