Lacerda na Rádio Bandeirantes: inflação e crise econômica em pauta
No último sábado, o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, foi o entrevistado do programa Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes, para falar sobre o atual processo inflacionário no Brasil. O programa foi comandado pelos jornalistas Thays Freitas e Agostinho Teixeira. A entrevista aconteceu ao vivo e você pode conferi-la na íntegra clicando aqui.
De início, Lacerda ressaltou que a acentuação da inflação que temos tido no Brasil é um processo que atinge, sobretudo, a população socioeconomicamente mais vulnerável. “O aumento de preços afeta a todos nós, mas principalmente às pessoas de menor renda, porque, para essas pessoas, o peso dos alimentos, da energia elétrica, do gás de cozinha e dos combustíveis no orçamento tende a pesar muito mais. É um processo muito perverso, porque alia a inflação com a acentuação da pobreza e da desigualdade, o que tem sido agravado ainda mais pelos efeitos da pandemia, como o aumento do desemprego. Então é uma combinação muito difícil e, sobretudo, cruel com os menos favorecidos”, apontou o economista.
A jornalista Thays Freitas lembrou que a alta do preço das commodities é um fenômeno que tem sido observado em todo o mundo e questionou até que ponto esse fato tem influenciado no preço dos alimentos que verificamos no Brasil. “É fato que existe essa pressão internacional, com a valorização das matérias-primas, e que isso tem afetado vários países. No caso brasileiro, isso é agravado pela falta de mecanismos de regulação do mercado, principalmente estoques reguladores e combate aos monopólios e oligopólios. Isso certamente agrava o problema inflacionário no Brasil”, explicou Lacerda.
O outro jornalista da bancada, Agostinho Teixeira, trouxe um dado pertinente à discussão: a exportação de carne bovina acabou de bater um recorde histórico para o mês de setembro, com a negociação de 187 mil toneladas. Essa marca, lembra o jornalista, foi alcançada ao passo em que famílias brasileiras têm enfrentado filas em busca de ossos com resto de sebo de carne. Agostinho questionou ao presidente do Cofecon porquê mesmo neste cenário não há um estoque regulador efetivo no Brasil para atenuar o problema da fome e da insegurança alimentar. Perguntou, ainda, se a ausência desse mecanismo é uma decisão política ou se há algum fator que o justifique. “Nos últimos cinco anos, temos experimentado uma política econômica de caráter liberal, que acredita mais no mercado do que na intervenção do Estado para atender as demandas sociais. Então é uma escolha. Essa visão está cada vez mais na contramão das melhores práticas internacionais. É um erro”, respondeu Lacerda ao lembrar que o país já teve, até pouco tempo atrás um instrumento regulador eficiente.
O presidente do Cofecon também criticou as armas com as quais o governo tem tentado combater as pressões inflacionárias no Brasil. “A contenção da carestia generalizada tem se dado excessivamente por meio da elevação de juros, o que é uma ilusão. É claro que os juros têm um impacto sobre o processo inflacionário, mas com efeitos colaterais terríveis, como o encarecimento do crédito para pessoas físicas e jurídicas. Em um momento de estagnação, em que a economia precisa de incentivos, essa política é um contrassenso”, argumentou.
Outro ponto alto da entrevista foi a discussão em torno do papel do Estado na recuperação econômica e no controle da inflação. “A combinação perversa que eu já citei, de carestia generalizada com estagnação econômica, não será resolvida apenas pelas forças do mercado. Precisamos de políticas públicas para reestabelecer o controle dos preços e podemos fazer isso sem inviabilizar o crescimento econômico”, defendeu. Para tanto, Lacerda lembrou que é preciso uma mudança de rota na política econômica do Governo Federal.
“O discurso da chamada austeridade, do aumento da elevação da taxa de juros, há alguns anos ganhou o debate econômico no Brasil. Hoje, ele tem mostrado claramente os seus malefícios, gerando uma situação muito dramática em desfavor da população mais vulnerável”, defendeu Lacerda, citando o aumento da pobreza e as dificuldades da população pobre e de classe média em acessar serviços e produtos básicos no mercado.
O economista abordou ainda a política de preços da Petrobrás, que é determinante para o custo do combustível no Brasil, com consequências em toda a cadeia produtiva nacional. Para ele, “na política em voga, a Petrobras é favorecida, porque a carestia do petróleo no mercado internacional e a desvalorização do real são automaticamente abatidas nos preços. Isso é bom para os acionistas da empresa, que têm seus lucros garantidos. Agora, para a sociedade, isso é muito ruim, uma vez que afeta toda a estrutura de preços no mercado interno. É preciso e é possível encontrar um caminho que seja sustentável para os acionistas e que não penalize tão fortemente os consumidores, lembrando que o maior acionista da Petrobrás é a União”.
Lacerda também criticou o baixo nível de investimentos públicos, fato que vem, como apontou, de uma visão econômica que diminui a importância do papel do Estado na economia. O presidente do Cofecon lembrou que a taxa de investimentos do Brasil está no menor nível da nossa história, exatamente quando o país atravessa uma de suas maiores crises, o que, de acordo com o economista, é um cenário que requer a ampliação dos investimentos públicos. “É uma grande contradição”, resumiu.
O auxílio emergencial foi defendido pelo economista, uma vez que é um importante mecanismo de reversão da forte queda da renda das pessoas e de atenuação dos efeitos do alto índice de desemprego. No entanto, criticou a forma como o Governo Federal tem buscado financiar o projeto. “Um auxílio do Estado para as pessoas mais necessitadas no contexto em que vivemos é necessário. Mas o projeto do governo é claramente eleitoreiro, na medida em que estão criando uma ajuda financeira com base em algum artifício fiscal. Qual outro sentido há em se criar um programa dessa grandeza com uma fonte de recursos provisória?”, questionou Antonio Corrêa de Lacerda.
A junção de diversos ministérios que cuidavam de áreas fundamentais da economia também foi desaprovada pelo presidente do Cofecon. “Veja, não tem como uma única pasta cuidar de temas tão complexos. Fazenda; Planejamento; Indústria e Comércio; Emprego e Trabalho; Previdência… é impossível, você perde capacidade de atuação sobre temas estratégicos. É uma demagogia sem qualquer fundamento”, afirmou o economista.
Ao final da entrevista, Lacerda foi questionado sobre as eleições de 2022. Ele criticou o atual presidente, Jair Bolsonaro, e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, por não terem exposto com clareza em 2018 o plano econômico que pretendiam praticar. Para o pleito do ano que vem, Lacerda enfatizou a necessidade de se estabelecer um debate aprofundado sobre a economia. “É muito importante que todos esses aspectos que estamos discutindo aqui sejam amplamente debatidos entre os candidatos. Isso é fundamental para que a população possa fazer uma escolha consciente e eficiente acerca de como enfrentar os atuais problemas que atravessamos”, destacou.
O programa foi ao ar no sábado (02), ao vivo, com distribuição audiovisual para todo o Brasil, por meio do canal da Rádio Bandeirantes no YouTube. Um dos papeis essenciais do Cofecon é promover o amplo e sadio debate econômico, sendo referência como entidade profissional que contribui de forma decisiva para o desenvolvimento econômico com justiça social. E é com esse propósito que o Conselho tem se empenhado em participar ativamente das discussões econômicas levantadas pela imprensa.