Lacerda: “Reforma tributária sobre a renda é possível, mas não será obra do acaso”
Em entrevista ao programa Faixa Livre, conselheiro federal discutiu desoneração da folha, arcabouço fiscal, subsídios e a necessidade de enfrentar a segunda fase da reforma tributária
O conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda foi entrevistado nesta terça-feira (30) no programa Faixa Livre, que vai ao ar pelo YouTube. Na ocasião, foi discutida a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores econômicos e dos municípios de menor porte – assunto que foi levado ao Supremo Tribunal Federal – além de outros temas como o arcabouço fiscal, os subsídios e a segunda fase da reforma tributária. A entrevista pode ser assistida clicando AQUI.
O primeiro tema foi a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores, e que beneficia também os municípios de menor porte. O governo levou o caso ao Supremo Tribunal Federal. “Faz parte do jogo democrático. Os poderes são independentes e a última palavra é do Judiciário. É possível retomar as negociações com o Legislativo, mas o que temos no momento é este impasse”, comentou o economista. “Um grande jornal entrevistou os grandes empresários e eles foram unânimes em apontar a questão fiscal como o ponto mais delicado da economia. Não é possível os empresários irem à mídia e pedirem equilíbrio fiscal e ao mesmo tempo agirem para obter vantagens e desonerações. O equilíbrio fiscal não pode ser simplesmente a redução dos gastos do governo”.
O governo federal tem buscado recursos a fim de obter um equilíbrio que permita cumprir o arcabouço fiscal – e o questionamento a este regramento também esteve presente no debate. “Muitos colegas apontavam problemas no arcabouço já no seu nascedouro. Mas vamos aos fatos: primeiro, ele veio para substituir a Emenda 95, o teto de gastos, que tinha como principal viés limitar os investimentos. Chegamos a 2022 com o menor nível de investimento público desde 1947, o que é uma tragédia”, argumentou Lacerda. “Ainda estamos longe do ideal. No ano passado foram cerca de 70 bilhões de reais em investimentos do governo federal, contra 20 bilhões em 2022. Mas a busca pelo equilíbrio fiscal depende de outras variáveis, dentre elas a política monetária. E todos nós sabemos que nossa política monetária é muito conservadora. O arcabouço tem, sim, limitações, mas deve ser visto como um processo. Há que se buscar uma saída e flexibilização para que ele preserve o que conquistou e não represente um contingenciamento em áreas fundamentais como saúde e educação”.
Perguntado se a reoneração da folha não prejudicaria muito os municípios menores, Lacerda defendeu uma reforma tributária que corrija uma série de distorções existentes no modelo praticado no Brasil. “A reforma tributária que está apresentada representa um avanço inegável, porque se conseguiu pautar o tema e colocá-lo em discussão. Por outro lado, há soluções de médio e longo prazo, com uma transição. Como conciliar a situação imediata dos entes federativos e a necessidade de transformação de vários pontos? Esta é a questão crucial”, abordou o economista. “Ao desonerar setores, são criados privilégios e os benefícios não voltam para a sociedade. Temos cerca de 500 bilhões de reais ao ano que são os gastos tributários, isenções e subsídios. Não sou necessariamente contra, desde que sejam precedidos de um estudo de viabilidade econômica e que deem um retorno em benefício de todos. O que temos no Brasil é uma distorção que leva ao acirramento da desigualdade”.
O ex-presidente do Cofecon fez uma crítica específica à regressividade existente no modelo tributário praticado no Brasil. “Outro ponto crítico é enfrentarmos a segunda fase da reforma tributária, que não está em jogo neste momento, que é a reforma do imposto direto. A tributação indireta tende a ser injusta, porque onera o mais pobre. E quem paga imposto no Brasil é o pobre e a classe média. Se olharmos para os super ricos, a tributação é regressiva, e várias brechas de planejamento tributário e elisão fiscal permitem que eles se beneficiem de uma taxa de juros que é a mais elevada do mundo”, afirmou o economista. “Os juros altos têm um viés contrário ao investimento produtivo, à produção, à contratação e ao pagamento de salários, e beneficia a classe privilegiada dos rentistas, que é desonerada e paga menos impostos que qualquer um dos mortais trabalhadores. É preciso corrigir este processo para que o Brasil tenha uma situação de sustentabilidade da arrecadação que nos tire deste impasse”.
Esta segunda fase da reforma tributária, defende Lacerda, precisa ser colocada em discussão. “Temos sindicatos e entidades da sociedade que representam o coletivo. Eu mesmo fui presidente do Conselho Federal de Economia e sou ainda conselheiro. Isso tem que entrar em nossa pauta para formarmos opinião”, acrescentou. “Não é fácil, mas precisamos fazer ouvir nossa voz. Uma reforma tributária sobre a renda, neste governo, é possível, mas não será obra do acaso nem só do governo federal. Vai encontrar resistências no Congresso e em vários setores. Nós, que estamos comprometidos com o desenvolvimento, temos que colocá-la na nossa pauta e fazermos pressão para que aconteça”, finalizou.