Lugar de mulher é na ciência, tecnologia e informação

  • 20 de setembro de 2024
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No Seminário da Mulher Economista e Diversidade, Érika Leal, Juliana Duffles, Márcia Rapini e Tania Teixeira discutem como a pandemia, a maternidade e outras questões afetam a participação feminina na pesquisa

Érika viu as fotos de ex-professores na parede da faculdade e notou a predominância masculina. Juliana comentou que a desindustrialização afeta o SUS. Márcia se questionou se as mulheres estavam conseguindo realizar atividades de pesquisa durante a pandemia. Tania se pergunta se a ciência só tem lugar para mulheres sem filhos. Todas estas questões fizeram parte da terceira mesa do 2º Seminário Mulher Economista e Diversidade, que teve mediação de Beatriz Cavalcante e comentários de Teresinha de Jesus Ferreira da Silva e foi realizada no dia 13 de setembro na Universidade Federal de Minas Gerais. O vídeo pode ser assistido AQUI.

O seminário foi organizado pela Comissão Mulher Economista e Diversidade do Cofecon, coordenada pela conselheira Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, em parceria com o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, presidido pela economista Valquíria Assis, e com outros Corecons.

Érika Leal

Érika Leal, professora do Instituto Federal do Espírito Santo e doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, falou do momento enquanto se dirigia ao evento. “Vim andando pelo corredor, vendo as fotos de ex-professores, e há uma predominância masculina. Hoje, diante de um auditório majoritariamente feminino, já começamos a entender quão simbólico é este momento que estamos vivendo”, apontou. Destacou também a importância de homenagear figuras femininas como a professora Maria da Conceição Tavares. “Ouvimos por muitos anos que esse não era o nosso lugar, que economia era coisa de homem, porque era muito difícil”.

A palestrante trouxe dados sobre a participação das mulheres nas esferas de poder da ciência e inovação. Apesar de avanços significativos em termos de titulação, com mais de 56% dos títulos de mestre e doutor concedidos a mulheres em 2021, Leal ressaltou que essa presença feminina não se traduz nos cargos de liderança e nos financiamentos. “Quando falamos de poder, a história é outra. De 51 até 2018, não houve uma mulher sequer na presidência do CNPQ”, observou. “Nas universidades federais, em 2018, tínhamos apenas 28% de mulheres nos cargos de reitora. Vimos um retrocesso terrível numa decisão recente no Espírito Santo, a primeira reitora eleita não tomou posse. Na Academia Brasileira de Ciências, em mais de um século, somente em 2022 a primeira mulher, Helena Nader, chegou à presidência”.

Ao abordar os editais de inovação, Érika Leal apresentou dados que revelam uma diferença ainda mais gritante. “Nos editais voltados para inovação, especialmente aqueles com maior complexidade e financiamento, a participação das mulheres cai drasticamente”, explicou. Ela também compartilhou a experiência da professora Cristina Engel, primeira mulher a presidir a Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES). Sob sua liderança, foi lançado o edital “Mulheres na Ciência”, que apoiou exclusivamente mulheres pesquisadoras, com 1,5 milhão de reais investidos em 2022 e mais 51 projetos financiados em 2023. “Quando temos mulheres no poder, as políticas começam a ser feitas para todos, e não apenas para eles”, afirmou.

Juliana Duffles

A pesquisadora Juliana Duffles, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mencionou uma visão integrada sobre as ciências. “Sou economista. Sempre estudei política social. Em geral, os mundos da política social, industrial e de ciência e tecnologia são apartados. O que fazemos na Fiocruz é ter uma visão integrada. Não podemos enxergar as transformações sociais descoladas da lógica econômica produtiva e da ciência, tecnologia e inovação”, comentou. “A Fiocruz nasceu como fabricante de soros e, desde o início, se consolidou como uma base produtiva que contribuiu para a saúde pública”.

Duffles sublinhou a importância de um desenvolvimento que não se restringe ao crescimento econômico, mas também às transformações sociais. Para isso, citou referências teóricas como Schumpeter, Marx, Celso Furtado e Keynes, que embasam o conceito de complexo econômico industrial da saúde, uma política pública que busca fortalecer a base produtiva e tecnológica do Sistema Único de Saúde (SUS). “Nós precisamos pensar a estrutura produtiva e tecnológica que dará suporte a uma sociedade mais justa, capaz de oferecer um sistema universal de saúde”, disse.

Segundo a economista, o Brasil possui o maior sistema universal de saúde do mundo, o SUS, que movimenta quase 10% do PIB e emprega cerca de 10% da população ocupada no país. “É um sistema produtivo que exige altíssima inovação. Além de ser chave para o desenvolvimento econômico, o complexo econômico da saúde é vital para a soberania nacional”, declarou. Ela ressaltou, no entanto, que a fragilidade industrial e tecnológica do Brasil prejudica o SUS, tornando-o dependente de importações de equipamentos e insumos. “Nos últimos 40 anos, o Brasil passou por um processo intenso de desindustrialização, e isso reflete diretamente na capacidade do SUS de fornecer saúde universal”, alertou.

Márcia Rapini

A professora Márcia Rapini, que neste ano recebeu do Corecon-MG o prêmio Mulher Economista, falou acerca do trabalho que realizou sobre as mulheres na pandemia. “Durante o lockdown em Belo Horizonte, que durou 1 ano e 10 meses, eu tinha meus filhos em casa e me perguntei: será que as mulheres estão conseguindo fazer pesquisa?”, questionou. Rapini detalhou como seu trabalho, iniciado na pandemia, buscou mapear as iniciativas das universidades públicas e o financiamento direcionado a projetos relacionados à Covid-19. “O financiamento que chegou permitiu respirar, tirar projetos da gaveta e reorientar para as questões da Covid” explicou, evidenciando a capacidade acumulada das universidades federais em enfrentar a crise.

Um dos dados mais impactantes apresentados foi a diminuição da participação das mulheres na apresentação de projetos durante o primeiro semestre de 2020. “As mulheres só conseguiram se organizar e enviar mais propostas de projetos a partir de 2021,” afirmou Rapini. A pesquisa mostrou que apenas 4,1% das pesquisadoras com filhos conseguiam trabalhar normalmente, enquanto 28% das mães com filhos até 6 anos publicavam regularmente, em comparação com 52% dos pais na mesma situação.

O estudo também revelou que as mulheres se destacaram em projetos de financiamento que não eram especificamente direcionados à Covid, mostrando que, mesmo em um cenário de escassez de recursos, elas buscaram alternativas para garantir seu espaço na pesquisa. “As desigualdades já existentes foram acentuadas durante a pandemia, e as questões com que as mulheres se preocupam ficaram fora do radar,” afirmou Rapini. “A pesquisa deve refletir as preocupações e realidades de todos os gêneros, pois a subrepresentação leva à lacunas no entendimento dos impactos da Covid-19,” finalizou a economista, fazendo um chamado à ação por maior inclusão e diversidade na pesquisa científica.

Tania Teixeira

A conselheira federal Tania Teixeira começou trazendo a participação feminina no âmbito do Sistema Cofecon/Corecons. “Numa representação de classe profissional como a nossa, a gente observa uma participação também difícil. Temos tentado de forma muito decisiva ampliar a participação da mulher nos fóruns decisórios, seja nos Corecons, seja no Cofecon”, apontou a economista, que é ex-presidente do Corecon-MG. “Hoje temos um número muito mais significativo de mulheres, professoras, pesquisadoras, profissionais, que estão buscando ampliar essa participação de forma qualitativa. O lugar da mulher é onde ela quiser”.

Tania levantou preocupações sobre a desigualdade de gênero. “É preciso questionar por que existem tão poucas mulheres na ciência e refletir sobre os entraves que dificultam sua participação efetiva no conhecimento”, destacou. Também mencionou sua experiência acadêmica na Europa, onde, mesmo em um ambiente mais incentivador, as mulheres enfrentam desafios semelhantes. “A pergunta que fica é: a ciência só tem espaço para mulheres que não têm filhos?”, questionou, enfatizando a necessidade de repensar o papel da maternidade na carreira científica.

Ela também apontou dados alarmantes sobre a presença feminina na pesquisa. “As mulheres representam apenas 30% dos investigadores no setor privado e um terço na comunidade docente”, afirmou. “Precisamos estar dentro dos núcleos de inovação, contribuindo para a construção do conhecimento. Não podemos deixar que as desigualdades nos governem”, concluiu, enfatizando a necessidade de ações concretas para promover a equidade.

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