Mortalidade e sobrevivência empresarial no Brasil: Reflexões sobre a reestruturação e a recuperação de empresas

  • 29 de outubro de 2024
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Artigo de opinião do economista Pedro Afonso Gomes*, presidente do Corecon-SP, publicado originalmente no Jornal GGN 

Há estatísticas divergentes quanto ao encerramento das atividades de empresas recém-criadas no nosso país: algumas fontes indicam que 40% não resistem cinco anos, após sua constituição; outras indicam que a mortalidade empresarial seria de 89%, nos cinco primeiros anos. É possível discutir os critérios de um e outro levantamento, entretanto o que mais interessa é perguntar o motivo para que esses alarmantes percentuais sejam alcançados e quais seriam as soluções para que tal não ocorresse.

Para que uma empresa vá à insolvência financeira ou econômica não é preciso muito tempo. Basta que seus parceiros percebam que ela não está com a mesma capacidade de honrar pedidos, pagamentos, salários, empréstimos, que eles deixam de atuar com ela ou reduzem suas exposições ao risco. Ao contrário, para construir uma empresa respeitada, leva-se décadas. Por isso, com algum trabalho intenso e competetente, é possível ganhar tempo para o Brasil, os sócios/acionistas, os trabalhadores, os fornecedores, os financiadores, adotando um processo de reestruturação ou de recuperação empresarial, este podendo ser judicial ou extrajudicial.

O sintoma mais evidente de que uma empresa está em dificuldades é o financeiro: atraso ou falta de pagamento a fornecedores, bancos, funcionários e recolhimento de tributos. Certamente, o agravamento da crise também está associado aos altíssimos encargos exigidos pelos financiadores bancários e não-bancários, mas é necessário considerar que o departamento financeiro costuma herdar os reflexos da ineficiência dos setores de compras, produção, logística, vendas, manutenção, gestão de pessoal, etc.

Ser crescentemente ineficiente, em certa medida, é uma característica humana, que pode estar associada à falta ou a falhas do planejamento, como também da condução e dos controles das atividades da empresa, que são relaxados ao longo do tempo. Sob esse enfoque, a reestruturação empresarial não é uma necessidade apenas quando a crise já está instalada, e sim um processo contínuo ou ao menos periódico, enquanto ainda são menos custosos eventuais ajustes.

Além dos problemas internos, as empresas sofrem (ou aproveitam-se) do ambiente econômico, social, político, cultural, tecnológico em que estão inseridas. Instituições empresariais que ultrapassaram décadas e séculos de existência, sucumbiram em virtude de não conseguirem adaptar aos novos tempos e àquilo que o consumidor atual deseja obter. Por exemplo: tendem a desaparecer academias de dança que continuam buscando seu alunado entre as meninas com 6 ou 7 anos de idade, que no século XXI têm muitas alternativas para aproveitar o seu tempo livre, se não abrirem as suas portas para adultos e idosos que sempre quiseram exercitar passos de dança e não puderam (ou deixaram de fazê-lo). Mudam os desejos, os gostos, e as empresas precisam também mudar, mantendo características essenciais.

Quando se fala de “Custo Brasil”, nem sempre é ressaltado o patamar altíssimo das taxas de juros pagas às instituições financeiras e outros financiadores. Os encargos para manter o fluxo de caixa da empresa pesam significativamente nas despesas da empresa, e muito mais o que é cobrado sobre dívidas anteriores. Não se pode incluir no preço presente o quando se gasta com o endividamento pretérito, de modo que, o lucro bruto atual deve ser suficiente para suportar esses encargos do passivo, o que nem sempre é viável. Uma iniciativa que já deu certo: organizar a empresa para não precisar de capital bancário, o que demanda algum tempo para implementar. Outra, possível mas incipientemente adotada: migração dos recursos e empréstimos das empresas para cooperativas de crédito, que exigem encargos menores.

A reestruturação de empresas é um processo que não exige formalidade jurídica. Basta que os sócios/acionistas resolvam corrigir os problemas que costumeiramente existem em todos os departamentos, de preferência antes que se inicie o período de atrasos ou inadimplência para com terceiros. Quanto mais cedo, menos conflitos com fornecedores, clientes, bancos e trabalhadores. Mas é preciso que quem o faça saiba lidar com crises, pois medidas emergenciais podem ser necessárias, e quem está no dia-a-dia da companhia normalmente não pensa tem tais soluções, pois, se as tivesse, talvez não houvesse as dificuldades detectadas.

Já a recuperação, normatizada pela Lei 11.101/2005, tanto pode ser proposto diretamente ao Judiciário, como feito extrajudicialmente, com homologação judicial do acordo firmado. O deferimento da recuperação judicial traz para a empresa o benefício da suspensão dos processos em curso contra ela, por 180 dias, até que possa ser aprovado o Plano de Recuperação Judicial. Já a recuperação extrajudicial não tem esse favor, mas poderia tê-lo: se fosse introduzida na lei a possibilidade de a empresa pedir ao Judiciário a suspensão de processos contra ela, pelos mesmos 180 dias, informando que está entabulando com seus credores renegociação de suas dívidas, o que resultaria em um processo judicial demorado a menos.

  • Para os casos de processos de recuperação judicial envolvendo valores mais significativos – o maior do Brasil envolve débitos da ordem de R$ 100 bilhões – deveria ser obrigatória a nomeação do Gestor Judicial, que substituiria os diretores em sua função executiva. A razão é simples: se a diretoria não conseguiu que a empresa chegasse ao ponto de insolvência, é provável que ela tenha dificuldades de sair dela, e por isso necessário que profissionais preparados para gerir na crise sejam colocados à frente da empresa.
  • Também seria necessário, ao menos quando se trata de muitos credores cuja soma de créditos é extremamente significativa, que houvesse investigação sobre a conduta dos dirigentes, sob o enfoque criminal. Está em curso um processo de recuperação judicial em que dezenas de milhares de consumidores foram iludidos por uma empresa que praticamente só existe na nuvem, e mais de 80% dos valores a ela transferidos transformou-se em “despesas de marketing”, o que precisa ser rigorosamente investigado e analisado o destino desses montantes.
  • Em outros casos, o encobertamento de condutas indevidas de determinados credores pode conduzir a um certo acordo de “deixa pra lá”, que acaba por prejudicar aos demais. Não se pode dizer, a priori, que, numa recuperação ou reestruturação, também não haja culpa dos credores, e todos sofrem por isso, inclusive e principalmente, aqueles que podem menos.
  • A chamada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, que foi formalizada pela Lei 13.874/2019, em alguns pontos, coloca no mesmo patamar micro, pequenas, médias e grandes empresas e conglomerados, como se todas tivessem o mesmo poder de negociação e subsídios para decidir. Na realidade, tal não acontece. É notório que grandes clientes impõem as suas condições a pequenos e médios fornecedores, assim como bancos estipulam, sem direito a discussão, as cláusulas dos seus contratos. Em um trecho da lei, ela estabelece que o contrato firmado entre as partes sobrepõe-se ao que está determinado na legislação pertinente. Ora, a lei estabelecida pelo Estado serve, justamente, para proteger os pequenos dos abusos dos grandes. Se abolido tal princípio, é mais provável que haja mais quebras de empresas micro, pequenas e médias, posto que não conseguirão ter resultado econômico e financeiro suficiente, se seguirem, sem poder recorrer dos abusos, ao Judiciário ou à Arbitragem.

    *Pedro Afonso Gomes – Economista. Presidente do Conselho Regional de Economia da 2ª. Região (CORECON-SP)

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