Nova Indústria Brasil – estamos de volta ao jogo!

  • 28 de março de 2024
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Artigo de opinião assinado pelo conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda*, publicado originalmente no Jornal dos Economistas

O lançamento e implementação em curso da nova política industrial, o Plano Nova Indústria Brasil (NIB), coloca de volta a agenda da neoindus- trialização onde ela não deveria ter saído. Consequentemente recoloca o País no jogo da reorganização global das cadeias internacionais de supri- mentos. Trata-se de importante iniciativa para promover a transformação para uma economia sustentável ambiental e socialmente, inclusiva e inovadora.

Alguns aspectos do plano devem ser ressaltados. O primeiro é a abordagem inovadora da sua construção, baseada em missões. O Conselho de Desenvolvimento Industrial (CNDI), reativado no Governo Lu- la III, reuniu cerca de vinte ministérios e o equivalente de entidades representativas da indústria e dos trabalhadores. Nele foram definidas seis missões norteadoras das políticas ora divulgadas, todas elas em linha com o Novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e do Plano de Transformação Ecológica (PTE).

Segundo: o programa reflete as discussões realizadas, tratando-se, portanto, não de um plano fechado, de gabinete, mas incorporando o re- sultado das visões dos agentes envolvidos, governo, iniciativa privada e academia, o que lhe dá legitimidade e comprometimento quanto aos objetivos, metas e ações necessárias.

Terceiro, o cenário global pós-Covid-19, os efeitos da crise climática e as guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas representam uma revisão dos preceitos da globalização pós-anos 1990 e até então vigentes. Está em curso, no final da segunda década e início da terceira do século XXI, um novo conceito de localização das plantas produtivas, levando em conta os aspectos logísticos e de segurança de fornecimento. Fatores como a proximidade dos fornecedores (reshoring e nearshoring) e as questões geopolíticas (friendshoring) visam a minimizar os riscos de descontinuidade do processo produtivo, como o ocorrido recentemente com os semicondutores (chips), por exemplo.

Grande parte das críticas apressadas e superficiais ao NIB se revelam eivadas de preconceito e desinformação. Sem esmiuçar os objetivos e meios do programa, houve uma tentativa de rotulá-lo como uma “volta ao passado” de subsídios e de busca de “campeões nacionais”. Nada mais equivocado. O programa não é incompatível com o objetivo do governo de sustentabilidade fiscal. Não haverá aportes do Tesouro Nacional para suprir a estimativa de financiamento dos R$ 300 bilhões, que serão conduzidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principalmente.

Em linha com as melhores práticas internacionais, o Brasil conta, finalmente, com um plano para a retomada do desenvolvimento sustentável, verde, digital e inclusivo. Os bancos e agencias públicas de fomento, em especial o BNDES, exercem papel relevante no processo.

No âmbito da estratégia de ampliar a inserção internacional da indústria brasileira, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional importante alteração normativa relativa à ampliação ao apoio das atividades de exportação de serviços. O PL 5719/2023, nos termos do art. 61 da Constituição, “Autoriza o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social a constituir subsidiárias integrais ou controladas, e altera a Lei nº 10.184, de 12 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre a concessão de financiamento vinculado à exportação de bens ou serviços nacionais.”

A iniciativa se reveste de importância para apoiar e estimular as exportações, na medida em que visa a normatizar o financiamento às exportações de serviços, apoiando a retomada do suporte público a esta modalidade, realizada pelas empresas brasileiras. A modalidade está em linha com as melhores práticas internacionais.

Dadas as externalidades geradas, de emprego, renda, tributos, tecnologia, inovação e divisas, o estímulo às exportações de serviços tem sido política de muitos países. Existem cerca de 90 agências de crédito à exportação no mundo, incluindo em todos os países industrializados. Especificamente quanto ao estímulo às exportações de serviços, os seus impactos refletem ao longo de toda a cadeia de fornecedores e subfornecedores de bens/materiais/equipamentos e serviços brasileiros que atendem à atividade das empresas brasileiras que realizam projetos no exterior.

O tema é polêmico por envolver riscos, como pode acontecer com toda operação de crédito e financiamento. Mas o mesmo PL proíbe financiamentos à exportação de serviços, a concessão de novas operações de crédito aos inadimplentes com a República Federativa do Brasil. Além disso, vale destacar no caso em questão o banco está protegido pelo Fundo Garantidor de Créditos.

Destaque-se ainda que a inadimplência do BNDES é de apenas 0,01% do total das operações, o que denota rígidas práticas de análise e aprovação dos projetos financiados.

No esforço de retomada das funções de um banco de desenvolvimento, a atual gestão tem envidado esforços para fomentar o crédito e financiamento. O desembolso para apoio às exportações aumentou 243% nos primeiros dez meses de 2023.

Motivo de polêmica no País, as políticas de apoio às exportações são prática usual no mercado internacional. Tendo em vista as externalidades das operações de exportações, há nítidos ganhos não apenas para as empresas operadoras, mas a cadeia de fornecedores, gerando divisas, empregos, renda e arrecadação tributária para o Estado.

No Brasil é conhecida a necessidade de ampliar a complexidade e o valor agregado das vendas no exterior. O financiamento de bancos públicos em apoio às exportações visa a dotar os exportadores brasileiros de condições isonômicas perante os seus concorrentes no mercado internacional.

Mundo afora as Agências de Crédito à Exportação (ECAs) obtêm mandato de seus governos para concessão de apoio oficial, por meio de financiamentos, seguros e garantias, valendo-se de recursos públicos. São mais de 115 ECAs no total, em mais de 90 países, destacando-se dentre os maiores programas de apoio à exportação os EUA, Canadá, Alemanha, França, Itália, Japão, Coreia do Sul e China. Países emergentes como Índia, México, Turquia e África do Sul também adotam mecanismos bem-estruturados de apoio público à exportação.

A configuração vigente do sistema público de apoio à exportação no Brasil foi criada no início da década de 1990 e conta com os seguintes instrumentos: financiamentos do BNDES e do Proex-Financiamento; Seguro de Crédito à Exportação (SCE), que tem lastro no Fundo de Garantia à Exportação (FGE); e mecanismo de equalização de taxas de juros do Proex-Equalização.

No entanto, a participação dessa modalidade nos últimos anos no Brasil representa apenas cerca de 0,3% do total, bastante modesta em relação à média mundial de 8% do total. O fomento público à exportação é prática usual na maioria dos países, tendo se iniciado no Reino Unido há mais de 100 anos. No entanto, em nenhum caso, há regulação
ou fiscalização de tais operações por parte dos respectivos Parlamentos, em franca oposição ao que tem sido proposto no Brasil.

Vale ressaltar que o banco não escolhe exportadores nem financia projetos em outros países, mas sim a exportação de bens e serviços brasileiros, tendo por objetivo o aumento da competitividade das empresas do Brasil, a geração local de emprego e renda, além do ingresso de divisas.

Uma das garantias utilizadas para seus financiamentos à exportação é o Seguro de Crédito à Exportação. Ele funciona como todo seguro, cobra prêmios do devedor havendo ou não sinistro e, caso haja inadimplência, indeniza o financiador e busca recuperar o valor em atraso, garantindo operações de financiamentos à exportação de instituições públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras.

Embora prevaleça o mito de que tenha havido inadimplência de clientes junto ao banco, essas operações de crédito estavam garantidas pelo Seguro de Crédito à Exportação (SCE), que foi acionado e vem sendo integralmente ressarcido.

O grande desafio a ser de fato enfrentado é a ampliação da exportação de produtos e serviços de elevado valor agregado. Somos uma das doze maiores economias do mundo, mas apenas o 24º exportador mundial.
Buscar falsos problemas, além de não resolver a questão, nos desvia do foco de fato relevante, que é a ampliação da nossa inserção nas cadeias internacionais e da nossa participação de mercado.

As mudanças de ordem prática aqui exemplificadas também revelam a intempestividade das críticas que veem no NIB ausência de medidas concretas ou ações palpáveis em prol da reindustrialização do País. Há, felizmente, muitos outros exemplos, nas áreas de infraestrutura, logística, comércio e serviços, além de segmentos industriais sofisticados, como aviação, microprocessadores e bioinsumos, dentre outros. Só não os enxerga quem não quer ver!

*É economista, doutor pelo IE/Unicamp, professor doutor do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUCSP e ex-presidente do Cofecon. É autor, entre outros livros, de Reindustrialização (Editora Contracorrente, 2022) e membro da Comissão de Estudos Estratégicos do BNDES.

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