Novo arcabouço fiscal: desenvolvimento e direitos humanos em debate

  • 28 de abril de 2023
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Economistas discutiram de que maneira as regras fiscais podem fazer com que o orçamento público realmente seja utilizado em favor das pessoas que mais precisam

De que forma o novo arcabouço fiscal vai ajudar a promover um desenvolvimento sustentável e alinhado aos direitos humanos? Este foi o tema da quarta e última mesa de debates do seminário Novo Arcabouço Fiscal: Possibilidades e Limites para o Desenvolvimento Sustentável, realizado na última terça-feira (25) pelo Cofecon com o apoio de várias instituições. O deputado federal Lindbergh Farias trouxe um ponto de vista político da situação e os economistas Thaís Custódio, Antonio Corrêa de Lacerda e Maria de Lourdes Rollemberg Mollo abordaram questões referentes à importância das políticas públicas, as funções do Estado (e seu endividamento) e seu papel na geração de demanda efetiva. A mediação ficou a cargo do economista e Diretor do IFFD David Deccache.

A economista Thaís Custódio, da Rede de Economistas Pretas e Pretos (REPP), ponderou que embora o arcabouço fiscal não resolva todos os problemas, trará credibilidade ao País e as pessoas devem pensar em como fazer com que os gastos do governo cheguem às áreas mais prioritárias. “Fiquei pensando em como ele vai atingir as populações negras e periféricas que estão em situação de vulnerabilidade, que são a maioria no Brasil”, afirmou. “Hoje temos uma política fiscal que contribui muito para o aumento da desigualdade, pelo lado da tributação e pelo lado do gasto público. O teto de gasto foi muito excludente”.

A economista pontuou também que muito se fala sobre diversidade, mas que ela ainda está pouco presente no debate econômico. “Não cabe mais pensarmos em desenvolvimento econômico sem enfrentarmos o racismo estrutural que existe no nosso País. Eu não ajudei a fundar a REPP à toa. Enquanto não entenderem que raça tem que ser um critério importante de análise transversal para qualquer política pública, nada do que foi falado neste seminário vai ter eficácia para a maior parte da população. Aqui estamos tentando ver o interesse do país como um todo, e não só as nossas individualidades”.

O deputado Lindbergh Farias disse que fez questão de aceitar o convite para participar do seminário porque queria fazer uma abordagem pelo lado político. “A economia cresceu 2,9% no ano passado, mas foi 1,3% no primeiro trimestre, 0,9% no segundo, 0,3% no terceiro e -0,2% no quarto”, comentou. “A maior parte é crescimento agropecuário. Significa que em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte teremos sensação de mal-estar no final do ano. Será uma situação difícil de estagnação econômica com o desemprego crescendo. A prioridade deveria ser crescimento e geração de empregos e não essa reforma tributária fatiada e nem a questão fiscal. Digo isso com angústia. Num cenário como esse, com a maior taxa de juros do mundo, que terminará o ano em 12,5% no mínimo, temos que nos posicionar”.

O deputado lembrou que a austeridade praticada em 2015 foi um erro (“não precisava ser gênio para ver que daria errado”) e é pessimista quanto à tramitação do novo arcabouço fiscal no Congresso Nacional (“a tendência é o projeto piorar e muito”). “Estou preocupado com os próximos dois anos, há um clima para o semipresidencialismo. O problema do próximo ano é o deficit primário. O presidente Lula vai anunciar em maio a manutenção da regra de atualização do salário mínimo, que é muito importante”. O deputado comentou ainda que o presidente Lula apoiou o arcabouço, mas que não gosta de cortar gastos. “Não sei se ele está suficientemente alertado. Há uma contradição entre o Lula que não quer cortar os programas e um arcabouço que vai impor isso. Nem o Brasil merece que este projeto dê errado, nem a história do Lula. Fico irritado quando os tecnocratas podem colocar em risco um projeto tão importante para o povo brasileiro”.

Antonio Corrêa de Lacerda, integrante da Comissão de Estudos Estratégicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), alertou que os economistas deveriam ver o papel das políticas macroeconômicas a serviço do desenvolvimento. “Isso difere da visão ortodoxa, onde as diferenças estão entre a relação poupança/investimento e natureza dos gastos”, comentou. Crítico do teto de gastos e coordenador do livro O Mito da Austeridade, Lacerda apontou que a comparação entre o orçamento familiar e a do Estado é equivocada. “ O Estado tem o monopólio de emissão monetária e de dívida – e, ao contrário dos agentes privados, tem obrigações que são definidas pela Constituição. Nos grandes países o Estado está endividado, não porque seja esbanjador, mas porque tem obrigações que precisam ser cumpridas”.

Lacerda também apontou que o novo arcabouço fiscal tem a virtude de substituir uma regra falida e permitir flexibilidade em relação ao modelo anterior, mas que padece também de alguns vícios. O primeiro é não entender o papel macroeconômico da política fiscal para indução do desenvolvimento. “A poupança não é um pré-requisito para o investimento e a chamada restrição fiscal pode ser superada mediante crédito e financiamento em moeda própria”, comentou. Mas defendeu que o novo arcabouço fiscal não tenha tantas travas que sejam uma armadilha do ponto de vista econômico. “O investimento deveria estar fora de qualquer limite. Isso é o que pode fazer diferença em relação ao modelo anterior. Segundo, não é possível tratar resultados fiscais conjunturais com resultados estruturais. A política fiscal deve ser um instrumento de crescimento e desenvolvimento. É o ajuste que deve ser obtido mediante o resultado da política econômica, e não o contrário”.

A professora Maria de Lourdes Rollemberg Mollo observou que o novo arcabouço fiscal é mais flexível. “O teto de gastos era draconiano e absurdo. A descriminalização da política fiscal é importante, mas existe uma teoria econômica que instrui este arcabouço fiscal e outra que instrui o desenvolvimentismo, que foi a principal bandeira do presidente Lula”, afirmou. “A teoria neoliberal diz que se eu tiver uma dívida pequena, as pessoas vão confiar no governo, e que uma dívida maior levaria à inflação. A teoria heterodoxa não diz nada disso. Na visão desenvolvimentista a demanda multiplica renda e emprego. Investimento é demanda de força de trabalho, de insumos, de matéria-prima”.

Desta forma, quando a demanda está desestimulada, é o investimento público que deve ser utilizado para reativá-la. “Não para tirar mercado da iniciativa privada, mas para aumentar a renda e o emprego de forma a multiplicar e aumentar as expectativas, aumentando o investimento privado. O Brasil não teria crescido nem tido surtos de investimento nos últimos cem anos se não estivesse alicerçado no investimento público. Isso é empírico”, explicou a professora. “Por que o Banco Central não reduz a taxa de juros? Por causa da inflação. Os juros altos tiram dinheiro da economia, não tem demanda, os preços caem. Mas qual é a visão desenvolvimentista? Juros baixos aumentam a capacidade produtiva e a produção. Se ampliar a oferta, a pressão de preços é pra baixo. No médio prazo, a inflação cai em vez de subir. E se o PIB crescer, a relação dívida/PIB vai cair”.

Por fim, Lourdes defendeu alíquotas maiores associadas a mais faixas para o imposto de renda e tributação sobre dividendos.  “Lula prometeu desenvolvimentismo e inclusão social. A estrutura de educação e saúde está deteriorada? Se houver dinheiro para estes setores, eles vão consumir insumos, gerar renda espalhando por outros setores, criar emprego e demanda. Se não fizer, é o contrário: o crescimento cai, a arrecadação cai, a situação da dívida piora”, finalizou.

“Este seminário qualificou muito o debate sobre o novo arcabouço fiscal. Ele abriu um debate que não foi feito até agora, que é da equipe econômica com uma diversidade de economistas e setores interessados no novo arcabouço fiscal”, comentou o mediador da mesa, David Deccache. “Queria parabenizar as entidades organizadoras por esta iniciativa de democratizar o debate, porque não são só as convenções do mercado que importam”.

Novo Arcabouço Fiscal

O início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pelo debate sobre o novo arcabouço fiscal, um conjunto de regras propostas pelo governo federal para substituir o teto de gastos instituído em 2016.

O novo arcabouço fiscal prevê que o crescimento das despesas do governo estará limitado a 70% da receita do ano anterior. Também estão propostos os objetivos de caso a meta de resultado primário não seja cumprida, há uma trava ainda maior no crescimento das despesas. Além disso, a regra possui mecanismo anticíclico limitado, que estabelece um crescimento real da despesa entre 0,6% e 2,5% – significa que, em situações de retração de receitas, um mínimo de crescimento das despesas está garantido.

Organizadores

O evento foi promovido pelo Conselho Federal de Economia e teve o apoio das seguintes instituições: Associação Nacional dos Serviços da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed), Centro Celso Furtado, Coalizão Direitos Valem Mais, Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Espaço Israel Pinheiro (EIP), Fundação Israel Pinheiro (FIP), Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), Sindicato dos Economistas de São Paulo (Sindecon-SP) e Unacon Sindical.

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