Novo livro de Luis Nassif debate a imprensa brasileira
Por Fausto Oliveira
Jornalista pela UFRJ, escritor, editor, redator.
O mais recente livro do jornalista Luis Nassif, O Caso Veja, foi lançado em um evento em São Paulo no dia 4 de junho. O lançamento reuniu uma quantidade significativa de leitores, admiradores e parceiros deste que pode ser considerado um dos maiores jornalistas do Brasil contemporâneo. Duplamente premiado pelo Cofecon como Destaque Econômico do Ano – Modalidade Mídia (2020 e 2021), o Jornal GGN, comandado por Luis Nassif, é hoje uma das mais relevantes fontes de informação econômica para a sociedade brasileira.
O Caso Veja foi lançado em 2021, pela Kotter Editorial. Nele, Luis Nassif narra o que classifica como “o naufrágio do jornalismo brasileiro”. De fato, esta expressão é o subtítulo do livro. Não é surpresa para ninguém que a imprensa brasileira, desde há alguns anos (Nassif marca o ponto de aprofundamento do processo no ano de 2005) vem politizando sua atuação. Em seu novo livro, o experiente jornalista de economia conta como ele próprio foi vítima de um dos primeiros grandes ataques à reputação pessoal que, anos mais tarde, viria a contribuir para tornar comuns no Brasil as notícias falsas e a desinformação sistemática.
Imprensa e sociedade
O jornalista de origem húngara Joseph Pulitzer viveu a maior parte de sua vida nos Estados Unidos, entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. É dele a frase que, hoje, soa lapidar para um Brasil que se acostumou à prática de mau jornalismo e à difusão maciça de desinformação. “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”, disse o profissional da imprensa cujo nome é hoje usado na principal premiação a jornalistas no mundo, o Prêmio Pulitzer.
Em O Caso Veja, Luis Nassif orienta o leitor em uma memória recente, mas muito dispersa e de entendimento não imediato, tal sua fragmentação e o esforço para encobri-la. Ele se concentra na forma como a revista Veja, historicamente o maior semanário publicado no Brasil, deturpou as práticas de jornalismo ao ponto em que se tornou, em suas próprias palavras, um veículo de “antijornalismo”.
Não que a revista da editora Abril tenha sido o único veículo da imprensa comercial a deteriorar sua prática jornalística ao longo dos últimos anos. Nassif aponta, no entanto, que ela exerceu um protagonismo na formação e alimentação artificial de escândalos e sensacionalismos, com os quais o clima político na sociedade brasileira se contaminou até o momento de agora.
O livro relata os casos que Nassif julga mais escabrosos e exemplares do “antijornalismo” que ele critica. Um deles foi a notável capa “Eles sabiam de tudo”, em que Veja estampou fotos dramaticamente manipuladas de Dilma Rousseff e Luis Inácio Lula da Silva, relacionando-os às denúncias de corrupção feitas pelos operadores da Lava Jato, faltando apenas dias para a eleição presidencial de 2014. Naquela ocasião, a mesma Veja havia feito uma capa explicitamente positiva que mostrava Aécio Neves sorridente, abrindo o paletó e mostrando, sobre uma camiseta amarela, o botão “confirma” usado na máquina de voto eletrônico no Brasil.
Foi uma evidente tomada de posição, que é discutível mas decerto não configura um crime. Porém, Nassif relembra como, dias após o pleito presidencial, ficou claro que aquela denúncia de Veja trouxe era, simplesmente, falsa. Apenas depois das urnas fechadas é que outro veículo, o Valor Econômico, publicou o desmentido do advogado de Alberto Yussef, afirmando categoricamente que seu cliente não havia apontado responsabilidade da presidente que então buscava a reeleição.
Não apenas se configurou um caso de notícia falsa na capa do maior semanário em circulação no país como, também, aquela capa foi distribuída nas ruas como se fosse um panfleto eleitoral. “A publicação da revista veio acompanhada de um fortíssimo esquema de distribuição de fac-símiles da capa por todo o país”, conta o editor do Jornal GGN. O flagrante desvio ético da empresa jornalística responsável pela revista não foi suficiente, como se sabe, para mudar o resultado final da eleição. Mas, é perceptível que contribuiu para criar o clima de exasperação geral no qual Dilma Rousseff iniciou seu segundo mandato.
Bastará lembrar os eventos subsequentes para concluir sem medo de errar que sim, a revista Veja e o restante da imprensa brasileira foram atores crucialmente importantes na tomada do poder por um impeachment controverso (para dizer o mínimo) e na eleição do governo mais retrógrado e representativo dos interesses de mercado da história nacional recente.
A economia da imprensa
Luis Nassif é um jornalista de economia. Ali está sua trajetória e sua grande contribuição ao país. O ataque que sofreu por apontar a transformação do jornalismo brasileiro em um sistema de difamação não se descola da evolução econômica de empresas que não se prepararam para uma profunda transição tecnológica e de modelo.
O negócio de mídia entrou no século XXI em absoluta transformação. Como se sabe, a digitalização das mídias foi apenas o primeiro passo, sendo seguido pelo surgimento de um sem fim de mídias alternativas e, depois, pelas redes sociais. Em paralelo, veículos tradicionais que pertencem ao oligopólio das comunicações definharam — em alguns casos continuam definhando — com o novo modelo de publicidade paga, todo ele voltado para as grandes plataformas digitais internacionais.
É precisamente a editora da revista Veja, cujo “antijornalismo” Nassif investigou e denunciou, aquela que chega a 2017 com a seguinte situação: patrimônio líquido negativo em quase R$ 716 milhões, o que representava cerca de R$ 300 milhões a menos em seu patrimônio líquido relativamente ao ano anterior. O balanço da Editora Abril naquele ano mostrava um prejuízo operacional de R$ 164 milhões. Acrescendo-se as despesas financeiras, a empresa chegava a um prejuízo total de R$ 379 milhões.
O argumento de Nassif em O Caso Veja relaciona a inadequação de empresas como a Editora Abril para os novos tempos do negócio de mídia e sua opção política por desinformar e difamar. Cronologicamente, há de fato uma coincidência muito contundente: enquanto a remodelação da mídia mundial se acelera no início deste século, a mídia brasileira adotou a partir do chamado “Mensalão” o tom denuncista e escandalizante que só se reforçou nos anos seguintes, com a operação Lava Jato levando-a ao auge do “antijornalismo”. Parece inegável que tudo o que veio depois leva as impressões digitais destas más práticas de comunicação social.
A observação do jornalista econômico é de que a Editora Abril liderou este processo por meio de sua principal revista, importando a tática de Rupert Murdoch, o magnata dono da Fox News nos Estados Unidos. Mas, diferente daquele país, onde outras linhas de mídia concorrem e a sociedade se alimenta de uma diversidade de visões, Nassif nota que no Brasil toda a mídia comercial embarcou no projeto que Veja liderou. Faz sentido: todas as grandes empresas brasileiras de mídia estavam economicamente despreparadas para a transição de modelo que a internet passou a lhes impor.
E o que hoje temos no Brasil, com a normalização de práticas de difamação e mensagens de ódio, Luis Nassif identifica como uma consequência deste processo. A mídia brasileira se assumiu como uma espécie de partido político, vocalizando o extremismo e o ódio que ela mesma alimentou, com a finalidade de garantir sua própria sobrevivência econômica.
Terá o feitiço virado contra o feiticeiro? É uma pergunta que os próximos anos (ou, quem sabe, meses) responderão. Enquanto isso, o lançamento de O Caso Veja e as muitas críticas que vêm sendo feitas há anos a este modelo de imprensa têm uma contribuição significativa a dar.
Especificamente, o debate que conecta o comportamento da imprensa diante das transformações econômicas do mundo contemporâneo precisa ser estimulado. Por isso, justifica-se plenamente o reconhecimento do Cofecon ao trabalho de Luis Nassif, tanto por seu Jornal GGN como por seu novo livro sobre a deterioração do jornalismo nacional.