O teto de gastos nasceu morto
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, foi entrevistado pela Rádio Bandeirantes, nesta segunda-feira (25), no programa Jornal Gente, para discutir o momento econômico vivido pelo Brasil. O principal assunto abordado foi o teto de gastos, que esteve no centro das discussões econômicas na última semana após o anúncio do valor de R$ 400 para o Auxílio Brasil.
“O teto de gastos é um projeto que nasceu morto. Primeiro, porque parte de uma premissa absolutamente equivocada: restringir os gastos públicos ao longo de 20 anos num país como o Brasil com disparidades regionais de renda, deficit de empregos violento – atualmente com 30 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho -, é absolutamente equivocado”, iniciou o presidente do Cofecon. “Segundo, porque é um falso teto. Na verdade, deveria se chamar teto de investimentos. Você coloca todos os gastos na mesma cesta: as emendas parlamentares, as viagens, o cartão corporativo, todas as despesas correntes do governo, dentro do mesmo pacote com os investimentos. E que investimentos são esses? Seriam investimentos em infraestrutura, políticas sociais, ciência e tecnologia, educação, saúde, entre outros. Com isso, na prática, o Executivo, que precisa cumprir o teto, restringe.”, explica.
Lacerda também rebateu o posicionamento do governo de que adotar o teto de gastos seria uma garantia para as gerações futuras. “Eu digo o contrário. O teto, da forma como está introduzido no Brasil, compromete as gerações futuras. Não existe nenhuma trava para as emendas parlamentares e para os demais gastos do governo “Essa medida agrada muito a quem? Ao mercado financeiro. O pagamento de juros da dívida pública – atendendo o interesse do setor financeiro e de todos aqueles que aplicam no mercado financeiro – não está contemplado no teto e é aplaudido pelo mercado financeiro”.
Ao falar sobre a possibilidade de uma “licença para gastar” no teto de gastos para atendimento do programa Auxílio Brasil, Lacerda pontuou as intenções por trás da articulação. “Está havendo oportunismo por parte do governo federal e da equipe econômica, que justificam furar o teto para atender o Auxílio Brasil, mas na verdade o furo no teto é muito maior do que o valor previsto para pagamento do programa e atenderá emendas parlamentares, além de ser uma medida eleitoreira”, apontou. “Estruturalmente, o teto é de fato insustentável. Porém, neste momento, é oportunismo buscar o rompimento do teto”.
Além do teto de gastos, o presidente do Cofecon falou sobre outras travas ainda mais antigas para o crescimento econômico e mencionou a meta de inflação. “Ela tem vantagens? Tem, pois em tese, oferece previsibilidade. O Conselho Monetário Nacional fixa uma meta para os próximos anos e o Banco Central opera a política monetária para atender a meta determinada”, explicou Lacerda. “Mas o que nós temos hoje não é uma inflação de demanda – não é que tenha muita gente comprando e com isso aceleramos a inflação. O que acontece é um choque de oferta, que é provocado pelo preço do petróleo, do minério de ferro e dos grãos no mercado internacional, preços cotados em dólar e repassados na nossa economia doméstica pela taxa de câmbio. E como todos sabem, houve uma brutal desvalorização da taxa de câmbio. Então veja que a elevação da taxa de juros neste contexto, primeiro, não resolve a origem do problema inflacionário atual, e segundo, se torna um novo fator de restrição ao crescimento, porque encarece o crédito”.
Ao falar sobre as reformas, Lacerda lembrou que o país tem debilidades estruturais, a começar pela grande concentração de renda. “É preciso ter coragem. As reformas precisam ser para valer, inclusive a reforma tributária”, argumentou. “Que tribute os super ricos, que desonere a carga enorme de impostos que há sobre produtos e serviços que as pessoas compram, que atualmente onera o mais pobre”, defendeu. “Nem a PEC 45 nem a PEC 110 vão fundo na questão distributiva, ou seja, na correção da regressividade da carga tributária brasileira. Esse problema precisa ser enfrentado”.
Perguntado acerca do mecanismo de urgência, que foi usado em 2020 para poder pagar o Auxílio Emergencial fora do teto de gastos, Lacerda afirma que a solução é paliativa e que consequentemente “o problema central não estará resolvido. O ideal seria que, em paralelo, se buscasse uma nova emenda constitucional criando regras mais factíveis”, argumentou. “Existem vários gastos que podem ser revistos ou evitados, cito, por exemplo, incentivos e renúncias tributárias que representam um rombo muito maior do que os outros fatores que nós estamos aqui mencionando, que podem ser revistos por não terem nenhum retorno social. Há espaço para buscar desperdício de recursos que poderiam ser canalizados para ações mais úteis como o próprio auxílio emergencial ou Auxílio Brasil. A solução estrutural para o problema das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade, agravado pela pandemia, é o crescimento econômico e a geração de empregos. É justo e necessário que se atenda emergencialmente estas pessoas”.
Lacerda também destacou que não existe política econômica neutra – que sempre há custos e benefícios, mas que os menos favorecidos não têm mecanismos de formação de opinião, ao contrário dos poderosos. “Compete aos poderes equilibrar um pouco esse jogo. Não pode haver dois pesos e duas medidas em se tratando de atender grupos econômicos fortes ou de amenizar o problema que foi criado para aquele que está desalentado, totalmente desamparado. O mínimo que a sociedade tem que ter é o senso de justiça e a visão da necessidade de atender a sociedade. Por que é que muitos países estão adotando mecanismos de ajuda às pessoas menos favorecidas? Porque é uma forma de incorporá-las ao mercado. Além da questão social, é preciso que a economia se movimente”.