Os três pilares para a política macroeconômica do próximo governo

  • 23 de setembro de 2022
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Artigo de Fernando de Aquino* publicado originalmente na CartaCapital

É preciso gastar, mas também melhor, com elevação de produtividade, do que o ocorrido, até nos próprios governos do PT

Os bons resultados, econômicos e sociais, alcançados pelos dois primeiros mandatos de Lula são inegáveis – manutenção da estabilidade de preços, minimização dos efeitos da crise financeira internacional de 2008, intensa geração de empregos formais, valorização do salário mínimo, elevação dos rendimentos do trabalho, ampliação do acesso ao ensino superior, substancial redução da pobreza. O que não chegou a ser plenamente contemplado foi manter ritmo de crescimento satisfatório, assim como elevar a produtividade. Num próximo mandato, para retomar as políticas de inclusão e ainda elevar satisfatoriamente produção e produtividade, até para fortalecer e dar sustentabilidade aos ganhos sociais, serão indispensáveis ajustes no regime de política monetária fiscal.

Acumulamos décadas de crescimento econômico pífio, produtividade estagnada e taxas de juros exorbitantes. Certamente, não se trata de coincidência. Não se tem tido como competir com o retorno do capital financeiro. Temos precisado de um animal spirit bem exagerado para nos aventurar em investimentos produtivos fora de alguns nichos privilegiados. Não tem sido suficiente. Teremos que reduzir muito nossos juros para manter ritmo de crescimento capaz de beneficiar a todos. As razões alegadas para a manutenção dessas taxas em níveis tão elevados têm sido o controle da inflação e a cobertura dos riscos avaliados pelos agentes que carregam nossos títulos públicos.

Algumas políticas podem colaborar com o controle da inflação, evitando que apenas a taxa de juros tenha que realizar todo o trabalho. Seria pela atuação do governo nos mercados do setor real. No curto prazo, tais ações envolveriam a redefinição dos critérios de formação de preços dos derivados de petróleo, substituindo a paridade de preços de importação pelos reais custos de produção, compostos por uma parcela interna, além da instituição de um fundo para reduzir a volatilidade remanescente. Para outros setores críticos, auxiliaria a utilização de impostos indiretos, em particular sobre importação e exportação. Nos médio e longo prazos, a reestruturação de estoques reguladores para produtos agropecuários, assim como o investimento em formas mais baratas de geração de energia elétrica, como a hidroelétrica, a solar e a eólica, essas últimas ainda propiciando redução da dependência das chuvas, poderiam contribuir muito para o controle da inflação.

Essa atuação nos mercados já permitiria que taxas de juros mais baixas fossem suficientes para o controle da inflação, mas alteração no modelo de política monetária também poderia viabilizar redução nessas taxas. O Banco Central do Brasil (BCB) mantém modelo praticado pelos bancos centrais em geral até a crise de 2008, em jurisdições com sistema financeiro suficientemente desenvolvido, que seria centrado no controle da taxa de juros de curtíssimo prazo que pratica com os bancos, entre nós a Selic. Contudo, as taxas relevantes para afetar inflação e investimentos produtivos são as de prazos mais longos, que nesse modelo tradicional do BCB são influenciadas, mas não determinadas, pela Selic, pois carregam expectativas, volatilidades e prêmios por aversão a riscos, conforme avaliações do mercado.

A partir da crise de 2008, bancos centrais dos países desenvolvidos passaram a adotar programas de compras de ativos para reduzir as taxas de juros mais longas, como já vinha fazendo o Banco do Japão, o qual também saiu na frente com metas explícitas para essas taxas mais longas desde 2016. Estudos empíricos mostraram que, no Japão, tais metas, para apenas um prazo, têm permitido o controle e redução de volatilidade de toda a curva de juros. Caso esse modelo fosse aplicado pelo BCB, com devidas adaptações, e funcionasse adequadamente, taxas longas menores poderiam ser suficientes para cumprir seu papel no controle da inflação e a de um dia perderia importância na determinação da curva, podendo assim ter valores muito inferiores aos da atual Selic.

A grande mídia tem associado aumento de gastos públicos sempre a desvios e desperdícios de recursos, que seriam pagos com elevação de tributos, penalizando empresas e consumidores, e maior endividamento, levando a algo como um “caos”, provocado por um “governo quebrado”, como aconteceria em um orçamento familiar. Com essas perspectivas, exigem regras, como o teto de gastos, que contenham esse dispêndio. De fato, os gastos públicos precisam ser limitados, dado que aumenta a demanda por bens e serviços, que não será atendida se estiver acima da capacidade produtiva da economia, gerando apenas pressão sobre os preços.

Contudo, o atual teto não tem esses propósitos. Conforme a regra vigente, o seu valor real é mantido, mesmo com a população crescendo, o que aumenta a necessidade de mais despesas sociais, como em saúde e em educação, ou a produção e arrecadação crescendo, o que aumenta a capacidade de financiamento desses gastos. Em realidade, o propósito buscado com o atual teto seria a contínua redução nas dimensões do Estado, em direção ao “Estado mínimo”, onde todo o funcionamento da economia fosse determinado no mercado. Enfim, instituir uma “lei da selva”, excludente e concentradora, em nome de uma discutível eficiência. Não será esta a diretriz vencedora, caso Lula seja eleito para um terceiro mandato.

É preciso gastar, mas também melhor, com elevação de produtividade, do que o ocorrido, até nos próprios governos do PT. Pode ter a participação do capital privado e deve ter planejamento, metas, critérios e avaliações bem definidos. Em todo caso, aumento de gastos públicos, para financiar investimentos em infraestrutura e em ciência e tecnologia e para capitalizar bancos públicos, por exemplo, serão indispensáveis. Nessas circunstâncias, novamente precisa entrar em cena a política macroeconômica. Parte do financiamento desse dispêndio pode vir do endividamento, desde que não venha a ser explosivo. Com gastos que promovam o crescimento econômico, um aumento transitório no endividamento público seria parcialmente compensado com o aumento de arrecadação futura, assim como relativizado com um PIB mais elevado. Uma calibração afastaria o risco de explosão da dívida.

Em síntese, comentamos três pilares necessários para a política macroeconômica:

  1. Agir nos mercados, para colaborar com a política monetária de controle da inflação;
  2. Desmontar a armadilha de juros exorbitantes, com metas para taxas mais longas;
  3. Afastar o risco de endividamento público explosivo, realizando apenas os gastos que possam ser acomodados nas presentes e futuras arrecadações e dívidas.

*Conselheiro federal e coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

Foto de destaque: Washington Costa/Ministério da Economia

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