Para além da PEC 55 (antiga PEC 241 na Câmara dos Deputados)
O Cofecon apoia a correção da geração de déficits persistentes e excessivos ocorrida no Brasil em período recente, mas o chamado “Novo Regime Fiscal”, proposto pela PEC 55 (antiga PEC 241 na Câmara dos Deputados), pode trazer consequências desfavoráveis, passíveis de serem evitadas, ainda que deva favorecer a retomada da atividade econômica num primeiro momento.
A avaliação dos impactos da PEC 55 deve ser feita à luz de certas características da economia brasileira, onde: (i) a estrutura tributária é regressiva, ou seja, penaliza mais os mais pobres porque em nosso modelo prevalecem impostos sobre produção e consumo em detrimento dos impostos sobre renda e patrimônio; (ii) as despesas com juros da dívida pública são elevadíssimas, respondendo por cerca de 9% do PIB ao ano, algo sem comparação no mundo atualmente; (iii) a população idosa vai crescer de forma acelerada nos próximos anos, o que exigirá gastos bem maiores em benefícios previdenciários e assistenciais e em saúde; (iv) os investimentos públicos são irrisórios, inferiores a 1% do PIB, embora fundamentais para melhorar nossa infraestrutura e atrair outros investimentos.
Os gastos públicos primários da União, em termos globais, têm contribuído para diminuir as desigualdades, o que pode ser comprometido com o atual formato da PEC 55. Por outro lado, é preciso deixar claro para toda a sociedade que a ação do Estado em outras áreas tem gerado efeito inverso, concorrendo para acentuar essas desigualdades, como é o caso da política tributária, pela regressividade dos tributos, e da política monetária, pelos níveis de taxas básicas reais de juros.
No caso da taxa básica de juros, é difícil entender por que nos últimos 25 anos apenas entre 2012 e 2013 o Brasil não praticou a primeira ou segunda mais alta no mundo, em termos reais. Por que precisamos pagar tão mais, inclusive do que países com condições bem menos favoráveis, para controlar nossa inflação e rolar nossa dívida pública? Em todo caso, temos instrumentos adicionais de controle do crédito, tais como alíquotas de recolhimentos compulsórios, limites de alavancagem das instituições financeiras e de parcelas de empréstimos, que poderiam viabilizar níveis menos elevados de taxas de juros.
Assim, ganham demais e pagam impostos de menos os que têm recursos para mantê-los em títulos públicos, com os níveis de taxa de juros recebidos, ou em ações e quotas de empresas, com seus dividendos recebidos isentos de imposto de renda. Não se trata de penalizar ou perseguir os mais ricos, mas tão somente seguir os padrões internacionais. Atualmente o imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos vigora em 35 dos 36 integrantes da OCDE, tendo deixado de ser cobrado no Brasil desde 1996. Seu retorno, mesmo com a reduzida alíquota de 15% com que vigorava, teria propiciado uma arrecadação de 0,8% do PIB em 2013. Para as taxas básicas reais de juros, também deveria haver um esforço para adequá-las aos padrões internacionais.
Apesar da premência em se buscar o equilíbrio, esse “Novo Regime Fiscal” joga o ônus do ajuste sobre as camadas mais carentes de recursos e de oportunidades e provoca redução de direitos sociais já alcançados dentre os estabelecidos em nossa Constituição. Obviamente, sempre seremos favoráveis a elevar a eficiência dos gastos públicos e minimizar desvios e desperdícios. Em particular, subsídios financeiros e desonerações tributárias devem ser reavaliados, mas com o devido cuidado, pois parte deles pode ser indicada por favorecer o desenvolvimento econômico ou acomodar as elevações ocorridas nos custos unitários do trabalho. A PEC 55, contudo, vai muito além, ao congelar o valor real das despesas primárias da União por 20 anos, levando a uma retração real per capita de 9,2%, com base nas projeções populacionais do IBGE.
Em um país com tamanha desigualdade, benefícios previdenciários devem ser vistos também como um bônus para sua diminuição, uma vez que grande parte dos beneficiários de fato continua ou poderia continuar trabalhando. Por isso, deve-se fazer o possível para que não sejam reduzidos, a menos que uma reforma tributária institua um imposto de renda negativo, que teria tudo para ser até melhor que os “benefícios previdenciários precoces” que cumprem a sua função.
Além de maior equidade, reduzir os gastos com o serviço da dívida e elevar a tributação dos mais ricos seria mais eficiente por prejudicar menos o crescimento econômico, na medida em que preservaria mais a demanda agregada, pois esses contribuintes não precisam retrair seu consumo se ganharem menos juros ou pagarem mais impostos.
Limites apenas para as despesas correntes e em termos de participação no PIB nominal seriam menos perniciosos, principalmente se essa participação puder ser alterada por cada novo governo. Ao contrário do argumentado na Exposição de Motivos que acompanha o texto da PEC 55 (EMI nº 00083/2016 MF MPDG), limites em participação no PIB nominal não teriam caráter pró-cíclico, pois o governo não precisaria nem deveria gastar até o limite todos os anos. A política fiscal deveria ser pautada por gastos abaixo dos limites nos períodos de expansão, que seriam acumulados para poder aumentar seus gastos nos períodos de recessão. As despesas de capital sem esse tipo de limitação manteriam maior liberdade aos investimentos públicos, que são gastos essenciais para elevação do bem-estar e viabilização de uma série de investimentos privados.
Conselho Federal de Economia