Podcast Economista: Petrobras, de Vargas ao pré-sal

  • 12 de julho de 2024
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João Rodrigues Neto, Marco Antonio Martins da Rocha e Pedro Paulo Zahluth Bastos falam sobre a história da empresa e sua importância na industrialização e diversificação da economia brasileira

Está no ar mais uma edição do podcast Economistas e o tema, desta vez, é a história de uma das principais empresas do Brasil, a Petrobras. Ela desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento econômico do país e sua importância vai além da produção de combustíveis. Quer saber mais? O episódio está disponível na sua plataforma favorita ou no player abaixo.

Início da exploração do petróleo

Embora o primeiro registro de perfuração de poços de petróleo no Brasil tenha acontecido no Século XIX, foi somente no Século XX, após a segunda guerra mundial, que o debate sobre a exploração começou a tomar corpo no país. O assunto envolvia diversas questões, como a soberania nacional, os recursos minerais, a industrialização e a atuação das empresas estrangeiras no nosso território. O debate foi dividido em duas correntes, sendo uma delas favorável à abertura do setor de petróleo para a iniciativa privada, e a outra almejando o monopólio estatal. Para defender esta última tese foi organizada uma campanha, que ficou conhecida como “O Petróleo é Nosso”.

“Vargas tinha uma visão estratégica de desenvolvimento do país e da articulação da rede para propiciar o salto qualitativo na industrialização brasileira. Este processo resultou na criação de grandes empresas estatais”, conta Rodrigues.

O professor João Rodrigues Neto, pós-doutor em economia da energia, do petróleo e do gás natural pelo El Colegio de México (Colmex), fala sobre o contexto daquele momento. “Vargas tinha uma visão estratégica de desenvolvimento do país e da articulação da rede para propiciar o salto qualitativo na industrialização brasileira. Este processo resultou na criação de grandes empresas estatais”, conta Rodrigues, citando o Conselho Nacional do Petróleo (1938), o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (1939), a Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Vale (1942), a Companhia Nacional de Álcalis (1943) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945). “Essas empresas estatais teriam o papel de criar a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do processo de industrialização”.

“Qual é o tom do segundo governo Vargas? Em discurso pronunciado em Salvador, ele falou que gostaria que os capitais estrangeiros viessem para o Brasil mas, ao contrário, não desejava que eles viessem se apropriar da riqueza brasileira”, explica Rodrigues. “A partir de 1951 ele se volta para a nacionalização dos recursos naturais e da riqueza no subsolo. Neste contexto foi instituído o monopólio estatal do petróleo e criada a Petrobras”.

“Se voltarmos na década de 1950, naquele momento estava em montagem a ‘civilização do hidrocarboneto’. O petróleo não era só uma base da movimentação de transportes, mas da geração de energia, que em boa parte do mundo é feita pela via termoelétrica. Em muitos casos, ele substitui o transporte ferroviário pelo rodoviário, e também se difundem todas as fibras sintéticas, o plástico e a borracha sintética”, contextualiza o professor Marco Antonio Martins da Rocha, pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e Tecnológica da Unicamp.

O setor petrolífero era visto pelo então presidente Getúlio Vargas como um elemento central no processo de industrialização pesada (dos meios de produção) do Brasil – algo fundamental para que uma sociedade de base agrária e artesanal possa se tornar industrial e mecanizada. A industrialização pesada envolve a utilização de máquinas, tecnologias avançadas e métodos de produção em larga escala, aumentando a capacidade de produzir de bens e serviços, gerando empregos e impulsionando o crescimento econômico. Em 03 de outubro de 1953 foi assinada a Lei 2.004, conhecida como Lei do Petróleo, estabelecendo o monopólio estatal sobre a exploração e criando a Petrobras.

“Se voltarmos na década de 1950, naquele momento estava em montagem a ‘civilização do hidrocarboneto’. O petróleo não era só uma base da movimentação de transportes, mas da geração de energia, que em boa parte do mundo é feita pela via termoelétrica. Em muitos casos, ele substitui o transporte ferroviário pelo rodoviário, e também se difundem todas as fibras sintéticas, o plástico e a borracha sintética”, contextualiza o professor Marco Antonio Martins da Rocha, pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e Tecnológica da Unicamp. “E como desdobramentos dessa cadeia, a petroquímica estava começando a ocupar seu lugar”.

“A refinaria Presidente Bernardes passou a produzir etileno, propileno, benzeno e amônio. A partir daí a Petrobras criou a primeira unidade brasileira que produzisse a pirólise da nafta, resultando no surgimento de um núcleo petroquímico para a produção de resinas plásticas, fertilizantes, metanol e outros produtos”, comenta Rodrigues.

A constituição de um setor petrolífero, com todas as cadeias produtivas ligadas a ele, era o cerne da industrialização no paradigma fordista, explica Marco Antonio. “Ele garantia sua autonomia energética, a sustentação da matriz logística e possui um encadeamento significativo na indústria de bens de capital e de insumos básicos de forma geral. Tudo isso fazia o setor de petróleo ser muito estratégico. A industrialização acabava se originando a partir dele”.

Quando foi concluída a instalação da Petrobras, em 1954, foram incorporadas ao patrimônio da empresa a refinaria de São Francisco do Conde, na Bahia; a refinaria Presidente Bernardes, que seria inaugurada no ano seguinte em Cubatão; e a frota nacional de petroleiros. “A refinaria Presidente Bernardes passou a produzir etileno, propileno, benzeno e amônio. A partir daí a Petrobras criou a primeira unidade brasileira que produzisse a pirólise da nafta, resultando no surgimento de um núcleo petroquímico para a produção de resinas plásticas, fertilizantes, metanol e outros produtos”, comenta Rodrigues. “Em seguida a Petrobras deu um passo importante com a implantação de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados a partir da utilização de gases residuais, produzindo amônia, ácido nítrico, nitrato de amônio, entre outros produtos. E construiu uma fábrica de asfalto integrada à refinaria Presidente Bernardes”.

Inauguração da primeira refinaria

Em 1961 a empresa atinge um marco importante: a inauguração da primeira refinaria totalmente construída por ela, em Duque de Caxias. Esta conquista simbolizou a capacidade do País de dominar toda a cadeia produtiva do petróleo, da exploração ao refino. Além disso, trouxe maior segurança energética para o Brasil, incentivou investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor de petróleo e gás e ajudou a promover a industrialização. A inauguração da refinaria também fortaleceu a balança comercial brasileira, uma vez que diminuiu a necessidade de importar derivados.

“A internalização da capacidade de refino foi importante porque permitiu adentrar numa série de outros setores da industrialização pesada, estratégicos para que formássemos nosso próprio parque industrial. Tornou possível avançar ou, pelo menos, atrair e encadear investimentos a partir do parque de refino”, continua Marco Antonio. “A petroquímica vai se encadeando a partir da expansão da nossa capacidade. O petróleo foi fundamental, ele abriu as trajetórias de outros setores e possibilitou um setor forte de insumos industriais que, no fim das contas, garantia em si a própria industrialização”.

Petróleo no mar

Nos primeiros anos de existência da Petrobras, a tentativa de exploração de campos terrestres, sobretudo na Amazônia, não teve resultados comercialmente viáveis. A empresa, então, passou a buscar petróleo no mar. Em 1968 ela construiu sua primeira plataforma, que tinha capacidade de operar em águas com até 30 metros de profundidade. Com esta plataforma foi descoberto, no ano seguinte, o primeiro campo de petróleo no mar brasileiro, no estado de Sergipe. Mais tarde, em 1974, foi descoberto petróleo na bacia de campos, próxima à divisa do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, e esta região chegou a ser responsável por mais de 80% da produção nacional de petróleo.

“A Petrobras, nos primeiros anos, basicamente foi uma empresa de refino. A exploração só deslanchou com as novas tecnologias, que já envolviam um desenvolvimento da indústria e da engenharia nacionais”, aponta Pedro Paulo Zaluth Bastos, doutor em ciências econômicas pela Unicamp. “As descobertas em Sergipe e Campos tiveram enorme importância já ao longo da década de 1970 e principalmente na de 1980. Um terço da melhoria do superavit comercial brasileiro veio da substituição da importação de petróleo”.

Choque do Petróleo e os contratos de risco

A crise trazida pelo primeiro Choque do Petróleo, em 1973, levou a uma campanha pela abertura da exploração do petróleo no Brasil para empresas estrangeiras por meio dos contratos de risco. Os defensores da ideia argumentavam que a ampliação dos investimentos levaria a um aumento rápido na produção brasileira, diminuindo a dependência externa do país – o petróleo importado correspondia a 78% do consumo interno, o que em 1975 representava três bilhões de dólares. Além disso, questionava-se a capacidade de financiamento da empresa, com a argumentação de que após 20 anos de investimentos a Petrobras ainda não havia descoberto novas jazidas.

“E o esforço feito a partir de 1973 não foi algo conjuntural. O Brasil precisava avançar e garantir uma autonomia energética, sobretudo na produção de petróleo, porque permitiria avançar o processo de industrialização – e haveria uma restrição para importar, porque o preço tinha alcançado um patamar muito superior ao das décadas anteriores. E o petróleo garantia uma folga no nosso balanço de pagamentos, um ganho estrutural para as próximas décadas”, argumenta Marco Antonio.

“O papel das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil sempre foi marginal, e a abertura não mudou este quadro, se levarmos em conta a participação nos esforços de ampliação das áreas de exploração. Tudo vem, majoritariamente, do esforço da Petrobras, tanto de prospecção quanto de geração de tecnologia”, argumenta Marco Antonio. “E o esforço feito a partir de 1973 não foi algo conjuntural. O Brasil precisava avançar e garantir uma autonomia energética, sobretudo na produção de petróleo, porque permitiria avançar o processo de industrialização – e haveria uma restrição para importar, porque o preço tinha alcançado um patamar muito superior ao das décadas anteriores. E o petróleo garantia uma folga no nosso balanço de pagamentos, um ganho estrutural para as próximas décadas”.

O professor aponta, ainda, que este esforço vem de uma empresa que, necessariamente, precisava ser pública. “Uma empresa privada, naquele momento, não investiria, não se mobilizaria estrategicamente para a exploração em águas profundas, não assumiria esse risco. Havia uma incerteza muito alta. Poderia não dar em nada, mas deu no pré-sal”, aponta Marco Antonio. “Quem assume esse risco é a empresa estatal, quem gera essa tecnologia e se organiza para essa missão é a empresa estatal, que hoje vem garantindo nossa capacidade de acumulação de reservas cambiais”.

“O papel das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil sempre foi marginal, e a abertura não mudou este quadro, se levarmos em conta a participação nos esforços de ampliação das áreas de exploração. Tudo vem, majoritariamente, do esforço da Petrobras, tanto de prospecção quanto de geração de tecnologia”, argumenta Marco Antonio.

João Rodrigues Neto menciona o resultado da possibilidade dos contratos de risco frente a expectativa de que eles contribuíssem decisivamente para o crescimento da produção no Brasil. Ao todo, foram celebrados 246 contratos de risco e perfurados 196 poços, com uma única descoberta comercialmente viável. “Infelizmente, foram frustradas essas expectativas. Atribuiu-se o insucesso à complexa geologia brasileira”, explicou o professor. “A exceção ficou por conta da Pectem, subsidiária da Shell, que descobriu o campo de gás de Merluza na bacia de Santos. Posteriormente, na mesma bacia, a Petrobras descobriu petróleo”.

Quebra do monopólio da empresa

Com a sanção da Lei 9.478/97 a Petrobras deixou de ter o monopólio na exploração de petróleo no Brasil. O texto permite que outras empresas, constituídas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil, passassem a atuar em todos os elos da cadeia do petróleo, em regime de concessão ou mediante autorização da União. Com a abertura, hoje existem diversas companhias retirando óleo e gás das reservas brasileiras, mas na atividade de refino a companhia continua sendo responsável pela quase totalidade da produção no Brasil.

“O que levou a essa medida foi basicamente uma pressão das multinacionais, e dos Estados Unidos em particular, e a concessão feita pelo governo brasileiro, que imaginou que o importante era produzir petróleo, independentemente da direção. As empresas já tinham campos em vários lugares do mundo e não realizaram movimento de prospecção no Brasil, então o objetivo se frustrou”, explica Pedro Paulo Zahluth Bastos. “Também havia um projeto de privatizar a Petrobras, alterando seu nome temporariamente para Petrobrax. A Petroquisa, infelizmente, foi privatizada. Mas só se conseguiu de novo explorar petróleo no Brasil por meio dos investimentos que a Petrobras realizou e que deram resultado na descoberta do pré-sal”.

O pré-sal

A descoberta do pré-sal, em 2006, foi um marco para a indústria mundial do petróleo e trouxe um debate sobre o modelo de exploração, com três correntes diferentes de pensamento. Uma delas defendia o retorno à antiga Lei do Petróleo (Lei 2.004/53), uma segunda defendia o modelo de concessão e uma terceira defendia o modelo de partilha – que acabou sendo introduzido no Brasil por meio da Lei 12.351.

“A pressão das multinacionais levou em 2016 à revisão da política de partilha. Mais tarde, houve uma grande desverticalização da Petrobras, com a perda de apoio no sistema de distribuição, o que foi ruim para a economia brasileira”, fala Bastos.

“O governo brasileiro instituiu modelos de partilha exatamente para poder ter um controle estratégico do processo de extração de petróleo, de maneira que a Petrobras estivesse participando dos blocos de exploração, ainda que associada a outras empresas. O principal problema do sistema de concessões é que a empresa pode, eventualmente, querer explorar o petróleo sem nenhuma visão de longo prazo, enquanto o sistema de partilha permite uma exploração mais racional e estratégica”, explica Bastos. “A pressão das multinacionais levou em 2016 à revisão da política de partilha. Mais tarde, houve uma grande desverticalização da Petrobras, com a perda de apoio no sistema de distribuição, o que foi ruim para a economia brasileira”.

A partir de 2017 o pré-sal passou a responder por mais da metade da produção de petróleo e gás no Brasil. Além disso, o volume extraído poderia permitir que o País tivesse autossuficiência em petróleo, mas não há em território nacional uma capacidade de refino compatível com a demanda de consumo.

Descarbonziação

Um dos desafios que se impõem sobre a economia mundial é a necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis a fim de conter os impactos climáticos. Além disso, o petróleo não é uma fonte de energia renovável. De que maneira, então, uma empresa petrolífera pode ter uma influência positiva na transição para uma economia de baixo carbono?

“A maior parte delas estão investindo e mobilizando ativos em relação a novas fontes de energia. É racional, numa empresa privada, percebendo que seu mercado tem uma série de complicações no futuro, começar a se movimentar por uma diversificação”, aponta Marco Antonio. “Pensar na Petrobras tendo um papel ativo em termos de transição energética não seria nenhuma jabuticaba. Seria algo a par do que vem acontecendo no mundo. Devemos pensar a Petrobras como um elemento central numa autonomia em relação a transição ecológica e energias renováveis”.

Esta edição

Esta edição do podcast é parte do projeto Memórias e Futuro da Economia Brasileira, criado pelo Cofecon em 2024 para estimular o conhecimento da nossa história econômica e discutir o futuro que queremos criar.

João Rodrigues Neto é doutor em economia aplicada pelo Instituto de Economia da Unicamp, com pós-doutorado em economia da energia, do petróleo e do gás natural pelo El Colegio de México (Colmex). É professor titular do departamento de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Marco Antonio Martins da Rocha é mestre e doutor em teoria econômica pela Unicamp e tem como principais áreas de estudos a economia industrial e a história do pensamento econômico. É pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e Tecnológica e professor da Unicamp.

Pedro Paulo Zahluth Bastos é doutor em ciências econômicas pela Unicamp. Foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica e chefe do departamento de Política e História Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, onde hoje é livre docente.

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